Poucos poetas brasileiros visitam tanto a mente dos leitores quanto Manuel Bandeira, nascido em 19 de outubro de 1886 no Recife, Pernambuco. Prodígio, seus versos ganharam o país desde seu primeiro livro A cinza das horas, publicado em 1917.
No poema “Epígrafe”, que abre a sua primeira obra, ele já registra as marcas que seus primeiros anos de vida deixaram em sua memória: “Sou bem-nascido. Menino, / Fui, como os demais, feliz./ Depois, veio o mau destino/ E fez de mim o que quis.”
Após um período de sua infância longe de sua terra natal – passando pelo Rio de Janeiro, Santos, São Paulo e novamente a capital fluminense – Bandeira retornaria ao Recife em 1892, cidade à qual devotaria alguns de seus poemas, tingidos pela presença afetiva de personagens de sua meninice na capital pernambucana como Totônio Rodrigues, d. Aninha Viegas, Tomásia e pelas brincadeiras nas ruas da União, da Aurora, da Saudade e Princesa Isabel.
quais as Características da obra de Manuel Bandeira?
O lirismo e a leveza de muitos dos poemas de Manuel Bandeira estão vincados a sua infância vivida à solta pelos recantos recifenses, soltando balões em época de São João e tomando banhos de rio e de mar.
Mesmo convivendo desde os 18 anos com uma enfermidade que o acompanharia por toda a vida – uma tuberculose crônica – o poeta devotou sua vida à escrita, zombando, à sua maneira, do diagnóstico que, naquele tempo, era visto como sentença de morte.
Em seu delicioso relato autobiográfico Itinerário de Pasárgada, confessou ter pensado sobre sua poesia à certa altura de sua existência: “Sou poeta de circunstância e desabafos.” E talvez por saber transformar em versos tantas experiências e emoções vividas em seu cotidiano, o escritor conseguiu atingir como poucos os corações e mentes de uma ampla gama de leitores.
Durante as atividades da Semana de Arte Moderna realizada em São Paulo em fevereiro de 1922, Bandeira teve seu poema “Os sapos”, lido por Ronald de Carvalho. Da capital paulista viria talvez aquela amizade que lhe seria mais impactante: a do escritor Mário de Andrade, com quem manteve uma intensa troca de cartas.
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As diversas facetas da carreira do autor
Ao longo de sua vida, Bandeira enveredou por diversas frentes com igual brilhantismo. Escreveu crônicas para os principais jornais do Rio de Janeiro, São Paulo e Recife de sua época. Foi também professor de literatura do tradicional colégio D. Pedro II, no Rio. Só deixando o colégio para, em 1943, se tornar professor de literatura hispano-americana na Faculdade Nacional de Filosofia, também no Rio.
Dedicou-se à organização de antologias de literatura, nas quais apresentou ao grande público leitor desde a obra de poetas coloniais até os de sua época. Nunca será demais lembrar que Bandeira destacou-se como exímio tradutor, tendo vertido para o português peças teatrais como Macbeth, de William Shakespeare e O círculo de giz caucasiano, de Bertolt Brecht.
Há que se registrar também que o pernambucano praticou com destreza a crítica de arte, amante e profundo conhecedor que era da pintura e da escultura. Nesta miríade de cargos e trabalhos que assumia com total êxito, a escrita de poemas foi um exercício incessante, praticado com amor.
O Rio de Janeiro foi a morada principal do poeta pernambucano, cenário de sua vida inquieta, na companhia de amigos como Cândido Portinari, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Ribeiro Couto e tantos outros escritores, intelectuais e artistas que compunham o fervilhante cenário cultural da cidade na primeira metade do século XX.
As ruas da Lapa e do bairro do Castelo (onde morou durante boa parte de sua vida), com suas vielas e becos, compõem parte da atmosfera de muitos de seus versos. O poeta versejou com insuperável maestria e naturalidade os cantos e antros da cidade que o acolheria, abrindo seus segredos ao leitor através de sua palavra sensível e apaixonada.
A obra de Manuel Bandeira para crianças
Ao longo de sua extensa obra poética, Bandeira concebeu muitos versos que nos dias de hoje são lidos com gosto pelas crianças e jovens. Se ele de fato tinha intenção de alcançar este público, é difícil saber. Um dos aspectos que acabaria fazendo com que suas linhas tocassem os(as) pequenos(as) é sua habilidade para criar um mundo repleto de magia, como em “Céu”.
A criança olha.
Para o céu azul.
Levanta a mãozinha,
Quer tocar o céu.
Não sente a criança
Que o céu é ilusão:
Crê que o não alcança,
Quando o tem na mão.
O humor é outro traço de muitos de suas criações que cativaria desde sempre as crianças. Se um bom poeta sabe brincar com as palavras, Bandeira aquece a alma infantil ao tingir situações corriqueiras com um colorido cômico todo especial em versos como os do poema “Porquinho-da-índia”:
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos e limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…
– O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.
A natureza ocupa lugar de destaque em muitos de seus versos. Plantas e bichos, com suas cores variadas e movimentos harmoniosos, entram e saem das criações do poeta, no ritmo intenso de seus poemas, sonetos e baladas. Os animais surgem algumas vezes embebidos de um lirismo melancólico, como no poema “Pardalzinho”, e em outras ocasiões realçados em sua suave graça, como nesta estrofe de “Sapo-Cururu”.
Sapo-cururu
Da beira do rio.
Quando o sapo coaxa.
Povoléu tem frio.
Na sua inconfundível maneira de conceber seus versos, muitas vezes Bandeira recorria à sonoridade das palavras e à fala popular, algo muito comum entre os poetas da moderna literatura brasileira. É o que pode ser captado pela leitura de um de seus poemas que mais fazem sucesso entre os pequenos: “Trem de ferro”, que inclusive já foi enviado pelo nosso clube de assinatura de livros infantis.
Café com pão
Café com pão
Café com pão
Virge Maria que foi isto maquinista?
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
Há muito a ser explorado na já conhecida obra poética de Bandeira para aproximar o público infantil do universo da leitura. Mesmo em se tratando de crianças ainda em processo de alfabetização, ou até mesmo antes dessa fase, professores e outros mediadores de literatura certamente se impressionarão com a fluidez através da qual muitos versos do poeta pernambucano alcançarão os ouvidos das crianças. Estes primeiros contatos tendem a ser os passos decisivos para que todos posteriormente possam desfrutar do amplo território poético criado pelo habitante de Pasárgada.
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Confira 10 poemas de Manuel Bandeira para crianças
1 . Os sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
– “Meu pai foi à guerra!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – “Meu cancioneiro
É bem martelado.”
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”
Em ronco que aterra,
Urra o sapo-boi:
– “Meu pai foi rei!” – “Foi!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
– A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo”.
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
–”Sei!” – “Não sabe!” – “Sabe!”.
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio…
2. Os sinos
Sino de Belém,
Sino da paixão…
Sino de Belém,
Sino da paixão…
Sino do Bonfim!…
Sino do Bonfim!…
Sino de Belém, pelos que ainda vêm!
Sino de Belém, bate bem-bem-bem.
Sino da paixão, pelos que ainda vão!
Sino da paixão, bate bão-bão-bão.
Sino do Bonfim, por que chora assim?…
Sino de Belém, que graça ele tem!
Sino de Belém bate bem-bem-bem.
Sino da paixão – pela minha irmã!
Sino da paixão – pela minha mãe!
Sino do Bonfim, que vai ser de mim?…
Sino de Belém, como soa bem!
Sino de Belém bate bem-bem-bem.
Sino da paixão… Por meu pai?…-Não!
Não!
Sino da paixão bate bão-bão-bão.
Sino do Bonfim, baterás por mim?…
Sino de Belém,
Sino da paixão…
Sino da paixão, pelo meu irmão…
Sino da paixão,
Sino do Bonfim…
Sino do Bonfim, ai de mim, por mim!
Sino de Belém, que graça ele tem!
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3. Meninos Carvoeiros
Os meninos carvoeiros
Passam a caminho da cidade.
– Eh! carvoero!
E vão tocando os animais com um relho enorme.
Os burros são magrinhos e velhos.
Cada um leva seis sacos de carvão de lenha.
A aniagem é toda remendada.
Os carvões caem.
(Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe, dobrando-se com um gemido.)
– Eh! carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles…
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!
– Eh! carvoero!
Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado,
Encarapitados nas alimárias,
Apostando corrida,
Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos desamparados!
4. Na rua do sabão
Cai cai balão
Cai cai balão
Na Rua do Sabão!
O que me custou arranjar aquele balãozinho de papel!
Quem fez foi o filho da lavadeira.
Um que trabalha na composição do jornal e tosse muito.
Comprou o papel de seda, cortou-o com amor, compôs os gomos oblongos…
Depois ajustou o morrão de pez ao bocal de arame.
Ei-lo agora que sobe – pequena coisa tocante na escuridão do céu.
Levou tempo para criar fôlego.
Bambeava, tremia todo e mudava de cor.
A molecada da Rua do Sabão
Gritava com maldade:
Cai cai balão!
Subitamente, porém, entesou, enfunou-se e arrancou das mãos que o tenteavam.
E foi subindo…
para longe…
serenamente…
Como se enchesse o soprinho tísico do José.
Cai cai balão!
A molecada salteou-o com atiradeiras
assobios
apupos
pedradas.
Cai cai balão!
Um senhor advertiu que os balões são proibidos pelas posturas municipais
Ele foi subindo…
muito serenamente…
para muito longe…
Não caiu na Rua do Sabão.
Caiu muito longe… Caiu no mar – nas águas puras do mar alto.
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5. Berimbau
Os aguapés dos aguaçais
Nos igapós dos Japurás
Bolem, bolem, bolem.
Chama o saci: – Si si si si!
– Ui ui ui ui ui! uiva a iara
Nos aguaçais dos igapós
Dos Japurás e dos Purus.
A mameluca é uma maluca.
Saiu sozinha da maloca –
O boto bate – bite bite…
Quem ofendeu a mameluca?
– Foi o boto!
O Cussaruim bota quebrantos.
Nos aguaçais os aguapés
– Cruz, canhoto! –
Bolem… Peraus dos Japurás
De assombramentos e de espantos!…
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6. Balõezinhos
Na feira do arrabaldezinho
Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor:
– “O melhor divertimento para as crianças!”
Em redor dele há um ajuntamento de menininhos pobres,
Fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos.
No entanto a feira burburinha.
Vão chegando as burguesinhas pobres,
E as criadas das burguesinhas ricas,
E mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.
Nas bancas de peixe,
Nas barraquinhas de cereais,
Junto às cestas de hortaliças
O tostão é regateado com acrimônia.
Os meninos pobres não veem as ervilhas tenras,
Os tomatinhos vermelhos,
Nem as frutas,
Nem nada.
Sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor são a única [mercadoria útil e verdadeiramente indispensável.
O vendedor infatigável apregoa:
– “O melhor divertimento para as crianças!”
E em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um círculo inamovível
[de desejo e espanto.
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7. Andorinha
Andorinha lá fora está dizendo:
– “Passei o dia à toa, à toa!”
Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!
Passei a vida à toa, à toa…
8. Boca de forno
Cara de cobra,
Cobra!
Olhos de louco,
Louca!
Testa insensata
Nariz Capeto
Cós do Capeta
Donzela rouca
Porta-estandarte
Joia boneca
De maracatu!
Pelo teu retrato
Pela tua cinta
Pela tua carta
Ah tôtõ meu santo
Eh Abaluaê
Inhansã boneca
De maracatu!
No fundo do mar
Há tanto tesouro!
No fundo do céu
Há tanto suspiro!
No meu coração
Tanto desespero!
Ah tôtô meu pai
Quero me rasgar
Quero me perder!
Cara de cobra
Cobra!
Olhos de louco,
Louca!
Cussaruim boneca
De maracatu!
9. trem de ferro
Café com pão
Café com pão
Café com pão
Virge Maria que foi isto maquinista?
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
Oô…
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!
Oô…
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô…
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matá minha sede
Oô…
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no Sertão
Sou de Ouricuri
Oô…
Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente…
10. Porquinho-da-Índia
Porquinho-da-Índia
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração eu tinha
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos, mais limpinhos,
Ele não se importava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…
— O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.
Estante QUINDIM
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