Quem foi que inventou o trem? Um jesuíta belga que presenteou o imperador chinês com um carrinho movido a vapor, um militar francês ou um engenheiro inglês? E o trem para quê serve, senão para brincar ou carregar munição, fazer avançar a revolução industrial, redesenhar paisagens, unir pessoas — e até mesmo dividir a aventura da própria literatura em antes e depois da locomotiva?
Entre nós, a primeira viagem de trem rolou no tempo de Dom Pedro II e, passados uns setenta anos, a força e a velocidade dos trens conquistariam lugar especial no modernismo brasileiro. Em todas as três artes: Tarsila do Amaral pintou uma série de quadros inspirados em comboios e estações, como Estrada de Ferro Central do Brasil (1924); Villa-Lobos compôs a toccata O Trenzinho do Caipira, para a famosa suíte das Bachianas Brasileiras No. 2 (1933); e Manuel Bandeira nos deu os versos do "Trem de Ferro", com a publicação da antologia Estrela da manhã (1936), em uma tiragem de apenas cinquenta exemplares com o financiamento de cinquenta amigos do autor.
Hoje o poema é uma peça chave da literatura brasileira para leitores de todas as idades e gerações. É comum ter atenção logo aos primeiros versos: café com pão, café com pão, imitando o próprio som da máquina pondo-se em marcha, num comecinho de manhã... e a voz mesma da locomotiva reclamando da lentidão, pois precisa de muito fogo, muita força para ver tudo o que é bicho e povo na sua frente fugindo. O trem de ferro fala a língua correta do povo, ao mesmo tempo que descortina o cenário de suas viagens, mas o trem de ferro também traz lembranças de perrengues com oficiais do Estado, do beijo molhado da menina de vestido verde e da saudade que tem do sertão... Ora, o trem de ferro não é só a máquina, ele é o brasileiro que precisa de muita força para levantar e trabalhar.
Com as ilustrações de Gian Calvi, o poema transformou-se em um livro que evoca a viagem da infância: é um colorido trem de brinquedo que atravessa o campo, a cidade, a praça, o porto, as economias tão diferentes da indústria e do carrinho de milho, os meios de transporte reais e imaginários, a inclusão, o futuro, para terminar num explosivo céu vermelho.