Uma pergunta que paira sobre as nossas cabeças é:
como as gerações vão dar conta de um mundo em bagaços?

Ailton Krenak

Como vocês imaginam o mundo daqui a vinte e cinco anos? Foi com essa pergunta que abri a fala para os professores, na última palestra que dei antes da pandemia. As respostas eram variadas, mas grande parte apontava para um futuro sombrio, de doenças, sem água, sem verde, sem comida, solidão e transtornos mentais. Outra parcela argumentava que a tecnologia melhoraria a nossa vida, que as novas gerações seriam mais colaborativas e que apostavam na reconexão com a terra, com a essência.

No debate com os educadores, fiz uma intervenção que gostaria de resgatar e trazer para esse papo: Como as crianças vão acreditar que é possível construir um mundo melhor se nós não conseguimos imaginar isso? É possível educar sem esperança? Repeti a pergunta para pais e educadores, durante a pandemia e nos momentos pós-vacina, e as respostas foram ainda mais desesperançadas. O que podemos fazer?

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O que queremos deixar para a nova geração?

O século XX nos fez sentir e acreditar que a realidade havia perdido o sentido, que os valores foram desconstruídos, que tudo é superficial, que tudo é líquido e escorre pelos dedos. Uma distopia. Será que não merecemos mais do que isso? Uma utopia realista, como diz o historiador holandês Rutger Bregman? Uma educação regenerativa, que nos impulsione para reconectar com o melhor do ser humano? Uma pedagogia da lucidez, que nos faça ver o mundo como ele é, mas que não nos impeça de sonhar?

Se podemos sonhar, podemos fazer. Queremos alternativas otimistas para o mundo. Incentivar a nova geração a não desistir de fazer daqui um lugar bacana pra ser e viver. Ainda que nós, adultos, não vejamos grandes transformações no planeta, que consigamos pensar com a cultura do legado. Sermos bons ancestrais. O que você quer deixar aqui? O que você quer construir coletivamente? Não podemos deixar bagaços.

O professor catedrático de Filosofia da Universidade de Kassel, Alemanha, Wolfdietrich Schmied-Kowarzik escreveu no ensaio O futuro ecológico como tarefa da filosofia que “A possibilidade da autodestruição nunca mais desaparecerá da história da humanidade. Daqui para a frente todas as gerações serão confrontadas com a tarefa de resolver este problema”. Grifo importante: texto de 1999. Mais de vinte anos depois, como lidamos com esse cenário nas nossas salas de aula e fora delas? Muitos dos projetos que ruíram durante a pandemia não se sustentaram por uma questão simples: não têm relevância no mundo em que vivemos. O que estamos privilegiando nas nossas propostas pedagógicas?

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Foi lendo uma entrevista do renomado professor espanhol Pablo del Río Pereda que consegui nomear o problema que precisamos combater: o Analfabetismo do Imaginário.

As gerações estão perdendo a capacidade de sonhar, imaginar, criar. Pablo del Río explica que isso acontece porque fazemos uma alfabetização instrumentalista, destituída de coração narrativo, poético, retórico.

A carência de consumo de conteúdos estruturantes, instigadores e estimuladores da criatividade e da imaginação é um problema real. Enquanto muita gente se pega discutindo questões antigas sobre educação, o tempo está passando e precisamos agir. Precisamos fazer o resgate do simbólico das novas gerações para que possamos cocriar novos futuros.

Veja também: A importância do tédio para a saúde e a criatividade

O letramento de futuros é uma das tendências da Educação

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Diante de todo esse cenário, quando pensamos nas tendências da Educação, o primeiro ponto de pauta é discutir o que chamamos de “Letramento de Futuros”. Já ouviu falar? Muito resumidamente, podemos definir como a capacidade de imaginar cenários que virão.

Desde 2012 a Unesco considera o letramento de futuros uma das competências essenciais para o século XXI. No ano passado, ela foi apontada pelo Fórum Econômico Mundial como a principal habilidade para lidar com o mundo pós-pandêmico. Habilidade essa que pode ser desenvolvida, permitindo às pessoas imaginar melhor e dar sentido ao futuro. Queremos e devemos usar o pensamento de futuro como ferramenta de mudanças no agora.

Precisamos ser capazes de olhar para os desafios do presente – mudanças climáticas, pandemia, desigualdade social, racismo – e vislumbrar futuros. E, para enxergarmos além, defendo que devemos investir em três eixos: imaginação, criatividade e otimismo. A Unesco, no seu documento “Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação”, propõe que todos nós devemos parar e buscar respostas para três perguntas:

  •  O que devemos continuar fazendo?
  •  O que devemos deixar de fazer?
  •  O que devemos reinventar criativamente?

Essas três questões são inquietantes para qualquer educador. É consenso que precisamos nos despedir do formato e da lógica das escolas do século passado. Ainda que essa configuração ainda seja dominante, as novas gerações já apontam que é um modelo que vai ficar insustentável. Que não dá conta das necessidades e das demandas do nosso tempo.

Veja também: Especialistas indicam como abordar competências do futuro na infância

Muito além da tecnologia: incentivar o contato das crianças com a natureza é essencial para o desenvolvimento infantil

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É curioso que, toda vez que me convidam para falar das tendências da Educação e inovação, as pessoas já partem do princípio que vou falar de tecnologia. E essa é a primeira quebra de expectativa aqui: inovação e tecnologia não são sinônimos! Inovação não é só digital. Temos projetos, ideias, iniciativas incríveis e que são analógicas. O que faz algo ser inovador é a capacidade de pensar, sentir, fazer diferente e com impacto.

Além do Letramento de Futuros, aponto para a questão do desemparedamento da infância. Precisamos conversar sobre a desconexão das crianças com a natureza e o que isso acarreta, os problemas mentais e físicos que isso pode causar.

O jornalista e escritor americano Richard Louv tem uma expressão que é “Transtorno de déficit de natureza”. Louv alerta no seu livro A Primeira criança da natureza que o uso dos sentidos está sendo limitado. Hoje em dia usamos, praticamente, a visão para olhar para as telas e a audição para ouvir o que vem de lá (celular, tablet, computadores). As crianças não estão usando toda a potência dos seus corpos. Estão brincando menos. O escritor define que “as crianças estão menos vivas”, e indaga: “que pai ou mãe quer que seu filho esteja menos vivo?”.

Trazer as crianças para fora das salas, dos apartamentos, para viver experiências ao ar livre, é um movimento inovador hoje. Pensar em bairros e cidades educadoras, por onde as crianças possam circular, ocupar os parquinhos, as praças, é pensar de forma inovadora. Tem impacto! É fazer educação do novo tempo.

A importância da coletividade

O terceiro ponto que quero destacar é a importância de aprender a conversar e construir o bem-comum. Saber trabalhar juntos, colaborar, cooperar, construir coletivamente. E aqui podemos inserir as práticas de Comunicação Não Violenta, as aprendizagens baseadas em jogos e em problemas, que mobilizam as crianças a chegarem a soluções juntas, exercitando a escuta e o diálogo.

Dou destaque especial para os Espaços Maker. Quando falamos de educação maker, é comum as pessoas logo pensarem em laboratórios cheios de máquinas e crianças mexendo em impressoras 3D. Precisamos quebrar esse estereótipo, porque isso acaba afastando as pessoas. O conceito mais importante é que ser maker envolve o simples ato de criar coisas.

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Os especialistas desse campo apontam que devemos pensar em atividades para crianças que desenvolvam três capacidades maker: olhar de perto, explorar complexidades e achar oportunidades. Vocês percebem como tudo se conecta? Pensar futuros, reconectar com a natureza, desemparedar a infância, aprender a conversar, botar a mão na massa (maker), são pontos fundamentais na Educação hoje.

Para abastecermos o imaginário das crianças, para que elas possam qualificar os futuros que virão, minha aposta final, o maior investimento que eu faria nas escolas, é a construção de bibliotecas. Livro é tecnologia! A biblioteca deve funcionar como uma rede social, de encontros, pontes, comunidades, descobertas, sem algoritmos. Um espaço onde estamos abertos para o inesperado, da história que nos encontra. Serendipidade. Isso, hoje, é inovação! Não deixe de conferir a seleção que nós do melhor clube de assinaturas de livros infantis temos preparado para crianças e jovens.