Duas crianças fazendo suas atividades em escola. Homeschooling entenda o impacto do projeto de lei na educação brasileira

Apesar de contemplar menos de 1% das crianças e adolescentes em idade escolar no Brasil, o Projeto de Lei que institui o homeschooling foi aprovado em março de 2022 pela Câmara dos Deputados, e, agora, aguarda votação no Senado Nacional – essa era uma promessa do presidente Jair Bolsonaro desde sua campanha de 2018. A modalidade dá a opção aos pais e a tutores de assumir a responsabilidade pelo ensino das crianças e, segundo especialistas, pode impactar negativamente a educação no país.

Em nota, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) disse que autorizar o homeschooling no Brasil significa privar crianças do seu pleno direito de aprender. “Família e escola têm deveres diferentes e complementares na vida de meninas e meninos. A família é o lugar do cuidado e de aprendizagens não curriculares, dentro de um ambiente privado. A escola é o lugar da aprendizagem curricular e é o principal espaço público em que o estudante interage com outras pessoas, socializa e aprende”, define.

Regulamentar a prática da educação em casa não afetaria apenas os atuais adeptos a esse tipo de ensino mas também os milhões de estudantes que hoje não o fazem, especialmente os mais vulneráveis, frisa a ONG Todos Pela Educação. O principal risco apontado pela ONG é o de  regulamentar o modelo para um pequeno grupo e a prática abrir espaço para comportamentos de risco na família, como ”abandono escolar, violência doméstica e exposição às mais diversas situações de privação e estresse tóxico, que hoje são diretamente enfrentadas pelas escolas”, expõe o manifesto no site da Todos.

A proposta do homeschooling ganhou força e se transformou em tendência, principalmente, durante a pandemia de Covid-19, com o intuito de impulsionar a educação dos jovens em um momento de distanciamento social. No Brasil, o projeto ganhou adeptos após a defesa do tema pelo Governo Federal, e, assim, caminhou na Câmara dos Deputados.

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As principais dúvidas referentes ao tema

1 – O que é homeschooling?

Pré-adolescente fazendo suas atividades em casa. Homeschooling entenda o impacto do projeto de lei na educação brasileira

O termo surgiu na língua inglesa e significa “educação escolar em casa”. A modalidade promove o ensino domiciliar, ou seja, em vez de a criança e o adolescente irem à escola, os estudos são conduzidos no ambiente familiar. Entre os países que permitem o homeschooling estão: Áustria, Austrália, Canadá, EUA, Itália, Portugal, Suíça e Rússia. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) não permitiu o homeschooling no Brasil, mas o Projeto de Lei visa regulamentar a prática e, assim, superar a proibição.

Segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), o homeschooling tem como proposta oferecer às crianças a capacidade de “estudar, questionar, pesquisar, interpretar e raciocinar de forma lógica”. Para isso, o ensino é promovido pelos pais que conduzem os filhos a se tornarem autodidatas. É recomendado, por exemplo, a utilização de livros, materiais de apoio e recursos tecnológicos, como tablets, pelos pais ou tutores. A consulta de um professor também não é descartada para auxiliar no aprendizado dos jovens.

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2 – Como a modalidade pode afetar a educação de crianças e adolescentes?

A pesquisadora Isabela Paim, doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ressalta que estudos mostram a importância da escola não somente no que diz respeito ao aprendizado cognitivo mas principalmente na convivência socializadora, no aprendizado da tolerância e do jogo democrático, e na aceitação das diferenças. “Além disso, não se pode deixar de mencionar a figura central do professor. Os pais que educam em casa não teriam o mesmo preparo técnico para ensinar seus filhos, quando comparados com aqueles que se especializaram.”

Especialistas da educação apontam ainda para as dificuldades na fiscalização sobre o conteúdo ensinado a essas crianças por pais e tutores – além da necessidade de políticas públicas bem formuladas para esse ambiente privado e do lar. “Recursos públicos teriam que ser transferidos para a área privatizada da educação, podendo trazer consequências, como o enfraquecimento do ensino público, sendo que é a principal fonte de acesso à educação para a maior parte da população brasileira”, explica a pesquisadora.

Para Paim, é necessário, ainda, um olhar atento ao ensino domiciliar no Brasil, principalmente quando outros países onde a prática já é regulamentada são colocados na equação, como na América do Norte. Um fator que coloca em diferença essas realidades é a profunda disparidade socioeconômica. “Enquanto no Canadá e nos Estados Unidos, por exemplo, há inúmeros parques públicos, ginásios esportivos, museus utilizados pelos adeptos à educação em casa, por aqui ainda faltam políticas públicas e estruturas a esses bens e serviços culturais.”

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3 – Como o homeschooling ganhou força no Brasil?

O “Dossiê: homeschooling e o Direito à Educação”, escrito pelos pesquisadores Luciane Barbosa e Romualdo Oliveira, e publicado pela Unicamp (Homeschooling e o Direito à Educação. Pro-Posições, Campinas, SP, v. 28, n. 2, p. 15–20, 2017), aponta uma forte influência dos fundamentos neoliberais na educação e que podem justificar o aumento de famílias que optam pela educação domiciliar no Brasil e no mundo. “Nesse contexto, existe a ideia de enfraquecimento do papel do Estado, com ampliação da esfera individual. Portanto, o ensino domiciliar fortalece a ideia de uma educação privatizada”, descrevem. Dentre as razões pela escolha por esse tipo de ensino está a consideração de que o elemento central é a liberdade de escolha dos pais. O movimento no Brasil também está associado a críticas à instituição escolar e cresce entre grupos conservadores e religiosos, nos quais há uma desconfiança sobre o papel da escola como fonte para a formação humana.

Veja também: A política deve estar na escola? Ricardo Azevedo reflete sobre a questão.

Indicações de leitura sobre educação

  • A Educação como Prática Libertadora – Paulo Freire;
  • Ensinando a transgredir: A educação como prática da liberdade – bell hooks;
  • Em defesa da escola: Uma questão pública – Jan Masschelein e Maarten Simons;
  • Educação, escola e docência: novos tempos, novas atitudes – Mario Sergio Cortella;
  • A escola não é uma empresa –  Christian Laval.