A maternidade é um processo intenso e cheio de percalços. Quem é mãe lida com questões específicas, angústias, alegrias e reflexões específicas. Algumas autoras trouxeram um pouco de sua vivência materna para as páginas de seus livros. Com isso, deram visibilidade para o tema na literatura e contribuíram para ampliar o debate de questões relevantes para as mães. Veja a seguir a história de algumas delas, e como a maternidade aparece na literatura que produzem:

Alice Ruiz

Alice é um dos principais nomes da poesia contemporânea. Nascida em 1946, a poeta começou a escrever ainda criança. Tem uma carreira diversa com a escrita, tendo se dedicado à publicidade, à composição de letras para canções, a traduções e à produção de artigos e haikais. Com o também poeta Paulo Leminski teve três filhos. Os aprendizados e as emoções da maternidade podem ser vistos em alguns de seus versos, da mesma forma que a vida cotidiana, o amor, os questionamentos humanos e as pequenas alegrias da vida. Nos poemas que se seguem, vemos um pouco dessa inspiração.

Enchemos a vida

enchemos a vida
de filhos
que nos enchem a vida

um me enche de lembranças
que me enchem
de lágrimas

uma me enche de alegrias
que enchem minhas noites
de dias

outro me enche de esperanças
e receios
enquanto me incham
os seios  

Depois que um corpo 

comporta outro corpo,

nenhum coração suporta o pouco.

Carolina Maria de Jesus

Nascida em 1914, Carolina de Jesus é conhecida como uma das primeiras escritoras negras a ganhar repercussão no país. Ela viveu grande parte de sua vida em uma favela na zona norte de São Paulo, sustentando seus filhos como catadora de papel. Esse cotidiano é retratado em sua obra mais famosa, “Quarto de despejo: diário de uma favelada”. Escrita em formato de diário, nele, a autora aborda temas como a solidão, a dificuldade da criação de filhos e o desejo de tentar dar às crianças o melhor, com os recursos de que se tem disposição. Também retrata a perspectiva de uma mulher negra nos anos 1950 e como era vista, na época, por não ser casada.

Quando vejo meus filhos comendo arroz e feijão, o alimento que não está ao alcance do favelado, fico sorrindo à toa como se eu estivesse assistindo um espetáculo deslumbrante.

Dia das mães. O céu está azul e branco. Parece que até a Natureza quer homenagear as mães que atualmente se sentem infeliz por não poder realizar os desejos dos seus filhos.

Trechos de “Quarto de despejo”

Clarice Lispector

Temas relacionados à vida das mulheres, como a maternidade e a compreensão do envelhecimento, estão muito presentes na obra desta autora que é uma das principais da literatura brasileira. Ela retrata as alegrias e os tédios da vida doméstica, do casamento e das relações familiares, além da busca por quem se é, com muita delicadeza e de forma muito simbólica. Também em sua obra destinada às crianças encontramos reflexões e angústias muito típicas da maternidade. É o caso do livro “A mulher que matou os peixes”, selecionado pelo Clube Quindim em março de 2019. Nele, uma mãe se vê consumida pela culpa quando causa a morte dos peixinhos do filho, por isso decide rever sua relação de amor com os animais e buscar a redenção.

Olho o filho toda compacta, mas ele está habituado à burrice de meu olhar concentrado de amor. Ele não me olha, e não se incomoda de ser observado nesse seu ato íntimo, vital e delicado: e continua a lamber o sorvete com a língua vermelha e atenta. Não sinto nada, senão que sou inteira, pesada de material de primeira, boa madeira. Como mãe, não tenho finura. Sou grossa e silenciosa. Olho com a rudeza de meu silêncio, com meu olho vazio aquela cara que também é rude, filho meu. Não sinto nada porque isso deve ser amor pesado e indivisível.

Trecho de crônica para o Jornal do Brasil, reunido no livro “A descoberta do mundo”

Conceição Evaristo

A escritora, poeta e romancista Conceição Evaristo traz a ideia da ancestralidade, da identidade e da tradição afrobrasileira para sua literatura. Suas vivências, e a experiência das mulheres negras de forma geral, estão muito presentes em seus livros e em seus versos. A maternidade é um dos temas que aparecem, partindo da influência de sua própria mãe: Joana, mesmo sem estudo, escrevia poemas e pensamentos em cadernos – sua criação e a cultura de oralidade também inspiraram a obra de Conceição. Não é comum ver personagens negras no lugar de mães na literatura brasileira, e Conceição Evaristo lhes confere essa visibilidade.

De mãe

O cuidado de minha poesia
Aprendi foi de mãe
mulher de pôr reparo nas coisas
e de assuntar a vida.

A brandura de minha fala
na violência de meus ditos
ganhei de mãe
mulher prenhe de dizeres
fecundados na boca do mundo.

Foi de mãe todo o meu tesouro
veio dela todo o meu ganho
mulher sapiência, yabá,
do fogo tirava água
do pranto criava consolo.

Foi de mãe esse meio riso
dado para esconder
alegria inteira
e essa fé desconfiada,
pois, quando se anda descalço
cada dedo olha a estrada.

Foi mãe que me descegou
para os cantos milagreiros da vida
apontando-me o fogo disfarçado
em cinzas e a agulha do
tempo movendo no palheiro.

Foi mãe que me fez sentir
as flores amassadas
debaixo das pedras
os corpos vazios
rente às calçadas
e me ensinou,
insisto, foi ela
a fazer da palavra
artifício
arte e ofício
do meu canto
de minha fala


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