O distúrbio do neurodesenvolvimento da fluência e da fala, conhecido como “gagueira” – termo em desuso pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 2018 – é um transtorno neurobiológico que afeta a fala, caracterizado pela repetição de sons e sílabas ou por paradas involuntárias, que comprometem a fluência verbal. Segundo a organização, o distúrbio afeta 80 milhões de pessoas em todo o mundo e a incidência é de 5% a 7% em crianças, com uma prevalência de 1%.

A idade de maior surgimento é entre 2 e 3 anos de idade, com possibilidades de aparecimento no início do processo de alfabetização. Dessa forma, é importante distinguir quando as crianças ainda não desenvolveram a linguagem nem as habilidades da fala para expressar suas ideias e seus sentimentos e, assim, podem apresentar dificuldades na fala, e quando essa alteração persiste por mais tempo, evidenciando o transtorno. Em geral, o fator decisivo para fechar o diagnóstico é a criança demonstrar que está consciente da própria dificuldade e luta para falar.

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Como identificar a gagueira em crianças?

Menina fazendo treinamento de fala com fonoaudióloga.
Criança realizando terapia com fonoaudióloga.

De acordo com Anelise Junqueira Bohnen, fonoaudióloga e presidente do Instituto Brasileiro de Fluência (IBF), as características mais claras para a identificação do distúrbio do neurodesenvolvimento da fluência e da fala são: repetições de sons (c-c-café), de sílabas (ca-ca-café) e de palavras de uma sílaba (eu-eu-eu); a incidência de bloqueios, que são interrupções do som, normalmente no início da palavra, em que a pessoa acaba fazendo muito esforço para sair desse momento; e ainda o prolongamento de sons, como em “sssssapo”.

“Em geral, as crianças sabem que ‘a boca não lhes obedece’ e acabam fazendo força e aumentando a velocidade de fala para ver se conseguem sair do momento da ruptura. E essa conduta espontânea não colabora para a melhora da gagueira”, explica. As dificuldades da fala próprias da gagueira podem vir acompanhadas de movimentos corporais que visam facilitar a emissão dos sons ou sílabas bloqueados, como rapidez no piscar dos olhos, tremores dos lábios e da mandíbula, tiques faciais e movimentos bruscos da cabeça.

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Anelise ainda destaca que, como o distúrbio pode surgir durante o processo de aquisição de linguagem, poderá ter concomitâncias com dificuldades no desenvolvimento de fala, com transtorno do espectro autista (TEA), com TDAH, e com outros transtornos do neurodesenvolvimento. “De acordo com publicações recentes, cerca de 62% das crianças que gaguejam têm alguma comorbidade.”

Quais são os possíveis tratamentos?

A presidente do IBF enfatiza que o tratamento para a gagueira deve ser orientado por um fonoaudiólogo. “Não há evidência cientifica que aponte para causas emocionais ou psicológicas como responsáveis pelo desenvolvimento da gagueira, então recomenda-se que o acompanhamento seja feito por profissionais do neurodesenvolvimento da fala e da linguagem”, pontua. Fatores psicológicos não originam o distúrbio, mas podem agravá-lo nas pessoas geneticamente predispostas.

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Como os adultos podem ajudar as crianças?

Menina dialogando com adulta fazendo gesto.

“É muito importante compreender que a gagueira não ocorre porque a criança está nervosa e ansiosa. Quem fica nervoso e ansioso é o adulto que não sabe o que fazer quando uma criança começa a gaguejar”, destaca Anelise. Para ela, deve-se orientar que a criança diminua a velocidade da fala e não a interromper. “Além disso, é essencial conversar sobre o assunto, gagueira não deve ser vista como um tabu!”

O Instituto Brasileiro de Fluência ainda destaca que é necessário “ouvir mais e mandar menos”, promovendo tolerância e um modelo adequado de fala, com experiências agradáveis de comunicação, auxiliando a criança a expressar seus sentimentos. “Os pais podem expressar apoio, usar padrão vocal afetuoso, ter proximidade, demonstrar afeto e compreensão, recorrendo também à comunicação não verbal, acolhendo os pequenos”, afirma.

Entre as orientações estão também falar mais devagar com a criança, dar-lhe tempo, não repreender, ridicularizar ou expor a criança, ou mandar parar de gaguejar. “Não é recomendado ‘ajudar’ a criança completando suas falas, falando ou usando o telefone por ela nem a estimular a substituir palavras gaguejadas por palavras fluentes, já que é um comportamento de evitação que não auxilia na melhora e deve ser desestimulado.”

Assim, é preciso agir com a criança de forma consistente, mostrar que a conversa é prazerosa. “Garantir-lhe que há tempo para escutar o que ela tem a dizer, isso ajuda a dar limite à criança. Quando se reforça que há tempo para ouvi-la, ela pode compreender que não precisa falar rápido. É uma forma mais sutil de estimulá-la a se expressar mais devagar sem precisar ficar dizendo isso a todo o momento.”

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O que fazer quando a criança mostra muita frustração por não falar fluente?

É importante não fazer críticas nem recriminar a criança pela sua fala. “Se ela reclamar que não consegue falar, e mostrar sinais de irritação, aproveite para reforçar que dizer as palavras um pouco mais lentamente é importante e pode ajudar”, explica. Segundo Anelise, os adultos podem dizer o necessário com articulação ampla, velocidade controlada, brincando de falar em câmera lenta como na TV, ao reprisar lances de futebol, por exemplo. “É essencial ainda não desistir de ajudar, mas também não ajudar em excesso. Auxiliar não é fazer pela criança, é preciso descobrir o ponto de equilíbrio.”

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Para a fonoaudióloga, nos momentos em que a frequência da gagueira aumenta, pode ser interessante proporcionar à criança situações em que a fluência possa aparecer mais facilmente, como cantar, dizer falas automatizadas – como dias da semana e números – brincar de falar em outros ritmos, fazer teatrinhos e outros jogos que envolvam a fala.

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Como a escola também pode auxiliar?

Os professores devem estar informados sobre como lidar com crianças que gaguejam. “Uma forma de fazer isso é não exigir da criança desempenhos verbais em frente de todos os colegas, controlar as situações de bullying, dar à criança confiança para gradativamente enfrentar as dificuldades de fala, e orientar à família a procurar ajuda especializada”, finaliza.

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Conheça livros para falar sobre gagueira e timidez na infância:

Livro Eu falo como um rio
Eu falo com um rio, de Jordan Scott
Tímidos (autora Simona Ciraolo, editora Companhia das letrinhas)
Tímidos, de Simona Ciraolo