Era uma vez uma garotinha chamada Maria Sophia Margaretha Catharina von Erthal, que vivia em uma pequena cidade na Alemanha, chamada Lohr am Main. Localizada a cerca de 85 quilômetros do que hoje conhecemos como Frankfurt, essa cidadezinha fica bem próxima de um outro local, chamado Hanau, perto de onde viveram os Irmãos Grimm por muitos e muitos anos.

Maria Sophia nasceu em 1725, e sua mãe biológica morreu pouco tempo depois do parto. Seu pai, Philipp Christoph Von Erthal, ocupava um importante cargo associado a imperadores e reis e, por extensão, era considerado também parte da família real. Com isso, a família vivia no castelo da cidade.

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Crédito: Disney – todos os direitos reservados


Alguns anos depois da morte da mãe biológica de Maria Sophia, seu pai se casou novamente com uma mulher viúva e que trazia filhos do primeiro casamento. Seu nome era Claudia Elisabeth Maria. Conta a história que Claudia tinha uma postura rígida com a menina, e que tendia a agir sempre em favor de seus filhos biológicos.

A cidadezinha de Lohr era um conhecido centro produtor de vidros e espelhos. Uma das fábricas pertencia ao pai de Maria Sophia, que presenteou sua segunda esposa com uma peça onde se lê a inscrição “Amour propre”, que significa amor próprio, em francês. A peça, exposta no museu da cidade, teria servido de inspiração para o espelho mágico falante da história dos Irmãos Grimm, e também para a versão animada da Disney.

Atenção: o artigo trata de temas sensíveis como violência e abuso.

A arte imitando a vida

Essas e outras informações foram levantadas na década de 1980 por um historiador nascido em Lohr am Main chamado Karl-Heinz Bartels. Segundo o pesquisador, há muitos indícios na história contada pelos Irmãos Grimm que correspondem ao que foi possível verificar sobre a vida de Maria Sophia na cidade, o que tornaria bastante seguro dizer que ela foi, de fato, a inspiração para a personagem da princesa.

Dentre as semelhanças, que incluem o espelho mágico, está também a presença de uma floresta nas imediações da cidade, conhecida por guardar perigos que iam desde animais selvagens até ladrões e bandidos de todo tipo que lá se escondiam.

No conto, a menina corre por sete colinas para salvar a própria vida. Quando atravessa a floresta, acaba por fim encontrando a casa dos sete anões mineradores. Na vida real, ao atravessar as sete montanhas da Floresta de Spessart, que fica próximo a Lohr am Main, chegamos ao que hoje são as instalações desativadas das Minas de Bieber.

Um dos principais argumentos de Bartels para assegurar que Lohr am Main é de fato a cidade natal da Branca de Neve é o fato de que, na época em que Maria Sophia estava viva, a mina próxima à cidade era muito ativa, e nela trabalhavam tanto anões quanto crianças.

Maria Sophia pode não ter comido uma maçã envenenada nem sido colocada em um caixão de vidro, e ela certamente também não foi salva por nenhum príncipe, visto que morreu solteira em um convento aos 71 anos de idade. Mas sua lápide, encontrada em 2019 e mantida em exposição no Museu Diocesano de Bamberg, fala de alguém que era importante para a sua comunidade.

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O conto dos Irmãos Grimm

Como dissemos, os Irmãos Grimm viveram por muitos anos perto de Hanau, uma cidade a cerca de 50 quilômetros de distância de Lohr am Main. Maria Sophia, que teria inspirado a criação da Branca de Neve, não era exatamente uma pessoa anônima, visto que seu pai e madrasta tinham grande importância para a sociedade local.

Como acontece quase sempre com os contos infantis, estamos falando de um período em que a cultura de oralidade era muito forte. Ou seja, alguém conta uma história e ela vai se espalhando, indo de boca em boca, de casa em casa, de cidade em cidade, até que fique bastante difícil dizer com precisão qual era, de fato, a versão original.

Assim, é plausível considerar que os autores tenham ouvido falar sobre Maria, o segundo casamento de seu pai, a madrasta que seria um tanto quanto rígida com a menina e o espelho dado de presente, usando tudo isso como base para criar uma das histórias mais conhecidas de todos os tempos.

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A madrasta má

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No conto dos Grimm, lançado em 1812, a madrasta da Branca de Neve consultava diariamente seu espelho mágico, que dizia sempre a verdade, sobre quem era a mais linda de todo o reino. A resposta era sempre a mesma: “Ó, Rainha, sois de todas a mais bela”. Assim permaneceu durante bastante tempo, até que Branca de Neve completasse 7 anos.

Neste dia, a resposta do espelho mudou, e a rainha, enfurecida, encheu-se de raiva e inveja. Ela não conseguia pensar em mais nada, sentia seu orgulho ferido e seu coração endurecido. Não suportando mais pensar em como a menina era mais bela, a rainha convocou um caçador e ordenou que ele levasse a menina até a floresta, onde deveria matá-la, levando pulmões e fígado de volta como uma prova de que havia cumprido suas ordens.

Quando o caçador está prestes a desferir o golpe mortal na menina que estava de costas, Branca de Neve se vira e começa a suplicar por sua vida, dizendo que fugiria para a floresta para nunca mais voltar. O caçador se compadece e permite a fuga da criança, levando os órgãos de um filhote de javali como evidência para a rainha que, satisfeita com o desenrolar de seu plano, os come com muito gosto.

Depois de vagar por muito tempo na floresta assustadora, Branca de Neve encontrou uma pequena casa, com móveis e utensílios ainda menores em seu interior. Estava exausta, com fome e com sede, então se alimentou, bebeu e descansou no diminuto lar dos sete anões.

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Os Sete Anões

Os pequenos garimpeiros das terras para além da floresta eram muito organizados e disciplinados. Cada um tinha sua cama, seus copos, pratos e talheres, e a casa que compartilhavam era bastante ordenada para um grupo que saía cedo pela manhã e retornava somente à noite.

Quando se depararam com a beleza soberana da Branca de Neve, e tomaram conhecimento das atrocidades que a rainha havia tentado fazer com a menina, ofereceram a ela um acordo: deveria lavar, limpar, cozinhar, tricotar, arrumar as camas e deixar tudo sempre limpo e organizado. Se assim o fizesse, poderia viver sob o teto dos anões, compartilhando também a sua comida.

Ela concordou e, assim, viveram durante um bom tempo. Um dia, a madrasta perguntou novamente ao espelho quem era a mais bela, na certeza de que a resposta traria o seu nome. Quando ouviu que Branca de Neve ainda estava viva e permanecia com uma beleza insuperável, passou a tramar um novo plano para terminar de vez com ela.

Cordões, pente e uma maçã envenenada

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Usando seus conhecimentos de bruxa, a rainha se disfarçou como uma velha e viajou até a casa dos anões. Lá chegando, agiu como uma vendedora de cordões e laços para corpete, pelos quais rapidamente se interessou a menina. Branca de Neve abriu a porta e comprou o mais bonito deles, deixando que a bruxa a ajudasse a colocá-lo.

Apertando os cordões com toda força e raiva que tinha, a rainha disfarçada conseguiu deixar Branca de Neve sem fôlego a ponto de desmaiar e cair como morta. Quando os anões voltaram do trabalho e a encontraram assim, rapidamente cortaram a fita e a menina voltou a respirar.

Eles a advertiram de que a rainha faria novas tentativas, e foi justamente assim que aconteceu. Na segunda vez, um pente envenenado fez a menina cair intoxicada, permanecendo desacordada por várias horas até que os anões retornassem do trabalho.

Mais uma vez eles recomendaram que ela não abrisse a porta para ninguém, e mais uma vez, em sua ingenuidade e inocência, ela não ouviu. Quando a bruxa disfarçada chegou oferecendo a maçã mais bela que já havia existido, Branca de Neve não resistiu e deu uma grande mordida, caindo morta logo em seguida.

Os anões choraram sua perda por três dias e três noites, e colocaram-na em um caixão de vidro, pois sua beleza não poderia ficar escondida embaixo da terra. Eles se revezavam em sua guarda, e a cada dia que passava se surpreendiam com o fato de que o seu corpo permanecia intacto, sem qualquer sinal de decomposição, como se a menina estivesse apenas dormindo.

O príncipe encantado

Muito tempo depois, o filho de um rei que estava viajando pela região, foi até os anões pedir hospedagem por uma noite. Ao não encontrá-los em casa, foi até o topo da montanha onde estavam zelando pela Branca de Neve. Ao vê-la, o rapaz se apaixonou por ela de tal maneira que percebeu que não poderia mais viver sem a princesa em sua vida.

Ele pediu aos anões que a vendessem para ele, mas teve seu pedido negado. Depois, implorou então que eles lhe dessem a menina de presente, pois estava enlouquecido de amor.

Depois de muito insistir, conseguiu que seu desejo fosse atendido e ordenou, então, que seus servos viessem transportar o caixão com o corpo da princesa para o castelo de seu pai. Foi durante o momento do transporte que um dos servos tropeçou em uma pedra, fazendo que o caixão balançasse, e o pedaço de maçã envenenado que estava na garganta da Branca de Neve se desprendesse. Ao cuspi-lo, o feitiço que pairava sobre a menina há tanto tempo foi quebrado.

O desfecho

Livre da maçã, Branca de Neve acordou imediatamente, querendo saber onde estava e o que havia acontecido. Dadas as explicações, a menina partiu com seu amado príncipe para viverem juntos em seu castelo. Os dois organizaram um grande e belíssimo casamento, para o qual foram convidados todos do reino, incluindo assim até mesmo a rainha má.

No dia da celebração, Branca de Neve reconheceu aquela que lhe havia feito tão mal, desejando sua ruína e tentando de todas as maneiras tirar-lhe a vida. A bruxa, por sua vez, ficou tão estarrecida diante da beleza da Branca de Neve e do fato de que havia sido desmascarada que não conseguiu se mexer nem um milímetro. Não havia como escapar.

Como punição, foram aquecidos sapatos de ferro em cima de brasas. A bruxa foi obrigada a colocá-los e dançar em torno de si mesma até que, não suportando mais a dor, caísse morta.

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A Branca de Neve na versão da Disney

A versão da Disney é bastante semelhante ao conto dos Irmãos Grimm, a não ser por alguns pontos-chave. Dentre eles, podemos citar que no filme a bruxa pede ao caçador que traga o coração da menina, e não seus pulmões e fígado, e também que a tentativa de matar a menina é somente aquela feita por meio da maçã envenenada.

A morte da rainha também é diferente: quando Branca de Neve cai entorpecida pelo veneno, os animais da floresta vão em busca dos anões para que possam ajudá-la. Eles entram em uma perseguição com a rainha má, que acaba, por fim, caindo de um precipício e morrendo.

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A principal diferença entre as histórias reside na condição para quebra do feitiço. No conto dos Irmãos Grimm o amor platônico que o príncipe sente pela Branca de Neve foi o bastante para querer levá-la consigo, resultando no balanço do caixão e na consequente expulsão do pedaço de maçã envenenada da garganta da princesa. Já na animação, a condição imposta pela bruxa má para que a menina despertasse do sono da morte era receber o primeiro beijo de amor.

Vale dizer que A Branca de Neve e os Sete Anões foi o primeiro longa de animação da Disney, lançado em 1937. Outros clássicos, como Cinderela e Bela Adormecida, viriam apenas muitos anos depois, em 1950 e 1959, respectivamente.

Com Branca de Neve, a Disney começou a desenhar um legado de contação de histórias mágico, encantador e muito cativante, mas também repleto de paradigmas típicos da época e que somente de alguns anos para cá começam a ser questionados, desafiados e quebrados.

Dentre eles o de que mulheres e meninas são princesas frágeis, por vezes tolas, vítimas de si mesmas e dos perigos do mundo, que dependem de um bravo príncipe em um cavalo branco para protegê-las e resgatá-las.

Hoje, enfim, os estúdios Disney começam a nos enxergar e nos retratar como somos: brilhantes, fortes, corajosas, disciplinadas, determinadas e muito mais. Isso é fundamental para escrever e reescrever histórias protagonizadas por todos os tipos de mulheres, que sabem que não precisamos de nenhum príncipe para nos despertar.