Maria Salomea Sklodowska, mais conhecida como Marie Curie, nasceu em Varsóvia, na Polônia, em 1867, filha de Bronislawa e Wladislaw Sklodowski, a caçula de 5 filhos. Professores conhecidos na cidade, seus pais eram ativistas da causa nacionalista polonesa. À época, o Império Russo administrava o país, com uma série de medidas de contenção social, e a opressão fez que a família passasse por muitas dificuldades financeiras durante a infância e a adolescência de Maria.

No final do XIX, já não era segredo que a melhor maneira de dominar um povo é dificultar, se possível, negar o acesso à educação universal, e foi exatamente isso que o governo russo fez na Polônia. As crianças que podiam ser admitidas nas poucas escolas oficiais, eram obrigadas a comunicar-se exclusivamente em russo, todos que falassem o idioma, portassem livros ou impressos em polonês eram punidos. Mulheres não podiam fazer cursos superiores, em nenhuma área do conhecimento. Wladislaw Sklodowski, professor de física, viu os laboratórios de prática científica escolar em que atuava serem proibidos pelo governo.

Sua esposa Bronislawa atuou como administradora de uma escola para moças, até o nascimento de Maria, em 1887. Sua saúde era frágil, e os tempos, difíceis. 

Infância de MARIE CURIE

O maquinário, as ferramentas e equipamentos dos laboratórios de física de Wladislaw foram transferidos para a casa da família, e foi com ele que Mania, como a menina era chamada carinhosamente, aprendeu a operar escalas, bicos de Bunsen e béqueres. Mania cresceu nesse ambiente quase escolar, muito querida por seus irmãos.

Sua primeira biógrafa, Eve Curie, a descreve menina: introspectiva, dotada de uma memória impressionante, aluna excelente, sempre escolhida para recitar o Pai Nosso em russo, quando algum supervisor aparecia para inspecionar o cumprimento das leis de exceção. Na escola, a menina também aprendia história da Polônia, ministrada em segredo, por Professores ativistas como seus pais.

Marie Curie estava com apenas 10 anos quando sua mãe faleceu, vítima de uma tuberculose. A aspereza da vida familiar aumentou com a morte de Bronislawa, e Mania buscou refúgio entre os livros.

Eve comenta que sua capacidade de concentração era motivo de brincadeiras por parte dos irmãos, que construíam fortes improvisados em torno dela, sem que isso a perturbasse enquanto lia. Sua vida em família e seu contexto histórico e cultural deixaram muito evidente para a menina que investir na própria educação seria a única forma de reagir à opressão em que vivia, então, desde cedo, Mania preparou-se para uma vida acadêmica fora da Polônia.

Vida acadêmica

Embora tenha frequentado a Universidade Volante, uma instituição secreta, a única que admitia mulheres durante a ocupação russa, Mania sonhava com laboratórios e bibliotecas livres, em que pudesse entrar e estudar livremente. Ela então combinou com sua irmã Bronia: sendo a mais jovem, trabalharia na Polônia para custear os estudos de Bronia em Paris, na Universidade de Sorbonne. Tão logo se formasse, já apta a conseguir uma boa colocação no mercado de trabalho, Bronia custearia os estudos da caçula.

Assim, nos anos que se seguiram, Mania trabalhou como governanta, e depois, como preceptora, e esse último cargo, na residência de parentes de terceiro grau. Ali, Mania se apaixonou por um de seus primos e descobriu o sentido da expressão “preconceito de classe“. Embora muito apaixonados, o relacionamento com o primo Kazimierz Żorawsk terminou abruptamente. A família do rapaz, influente, endinheirada e poderosa, não permitiu o romance com uma moça pobre.

Mania não parou de estudar e de se preparar para realizar um curso numa das mais prestigiadas universidades do mundo, como uma mulher estrangeira, numa área do conhecimento que à época era abertamente hostil à presença feminina. Mania queria estudar Matemática, Química e Física.

Em 1891, tendo economizado tanto quanto possível, anos de salário, Mania mudou-se para a casa da irmã em Paris, que havia se casado com o também polonês Kazimierz Dluski, e vivia em um pequeníssimo apartamento, no Quartier Latin.

Dluski viria mais tarde a tornar-se o médico que revolucionou o tratamento da tuberculose na Polônia, sendo também ele um ardoroso defensor da causa polonesa, estudioso apaixonado e ativista social.

Mania esteve pouco tempo hospedada com o casal: assim que foi possível, alugou um sótão perto do campus, sem aquecimento, água corrente ou qualquer conforto, e ali estudou para tornar-se bacharel em Física, em 1893. Mantinha-se dando aulas particulares a colegas universitários à noite, e mantinha os gastos no limite do mínimo possível para sobreviver e seguir estudando e trabalhando. Eve Curie relata que durante essa primeira graduação, eram frequentes os dias em que a cientista se alimentava apenas de pão com manteiga e chá.

Importante destacar que falamos do XIX, um século em que o protagonismo feminino nas Ciências era praticamente nenhum. Embora aceitas na Universidade de Paris, as mulheres eram absoluta minoria, e mesmo aquelas, que como Mania, conseguiam superar todos os obstáculos social e culturalmente impostos pela academia, mesmo elas não conseguiam uma colocação à altura de suas qualificações, e muito raramente prosseguiam carreira, fosse ela acadêmica ou não.

O diploma, entretanto, abriu a Mania oportunidades excepcionais para a época: ela obteve uma colocação no laboratório do eminente físico Gabriel Lippmann, e com o salário e uma bolsa concedida pela universidade, realizou a segunda graduação, dessa vez em Química.

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Casamento com Pierre Curie

Sua pesquisa, relacionada às propriedades magnéticas de certos tipos de aço, pedia um laboratório maior, e em 1894, seu colega Józef Wierusz-Kowalski a apresentou a Pierre Curie, também cientista, e que poderia ajudá-la a conseguir um espaço.

A biografia de Eve Curie descreve um encontro de iguais: a partir dessa convivência, num fluxo constante de acontecimentos, Pierre e Mania desembocaram num casamento. Os dois eram inseparáveis, os interesses, os mesmos.

Sua primeira filha nasceu em 1897, Irène Curie, e o bebê foi incorporado à rotina de pesquisas, estudos e passeios frequentes pelos arredores de Paris.

Trabalharam juntos no projeto que deu origem ao primeiro Nobel que receberam, em 1903. Foi um trabalho pesado, algo difícil de imaginar ser feito por acadêmicos em um laboratório.

Mania decidiu investigar a presença de radiação em um mineral chamado pechblenda, de cuja composição faz parte o urânio. Em 1898, Mania descobriu que, além do urânio, havia na pechblenda elementos químicos ainda desconhecidos da ciência. O trabalho tremendo de isolar esses elementos químicos foi a causa da honraria do prêmio Nobel, concedida ao casal de cientistas. Pierre teve de interceder junto ao comitê do Nobel, pois, a princípio, seu nome sequer teria sido mencionado. Cedendo à petição, o comitê laureou Marie Curie, a primeira mulher a receber um Nobel na história da ciência.

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Nenhuma patente foi registrada, e a única recompensa financeira obtida pelo casal foi a verba do prêmio Nobel, que foi totalmente investida na melhoria das instalações do laboratório e na contratação de um auxiliar, pois o trabalho era de fato extraordinariamente pesado. Foram necessárias toneladas de pechblenda para isolar um décimo de grama de cloreto de rádio puro!

A opção por não registrar patente de suas descobertas atravessou toda a carreira de Mania. Ela não comercializou o fruto de seu trabalho e pesquisa.

Mãe, cientista, mulher: a história de Marie Curie
Foto antiga de mulher em perfil lateral.
Crédito: Wikipedia

Os malefícios causados pela exposição à radiação, completamente desconhecidos à época, devem ter iniciado seu curso no organismo da cientista durante o processo de refino da pechblenda.

Eve Curie, segunda filha do casal, nasceu em dezembro de 1904, enquanto a família ainda vivenciava a atenção da mídia, e em cartas remetidas a familiares, Mania se queixava do incômodo constante de repórteres invasivos, que insistiam em obter entrevistas. O laboratório onde o casal trabalhava de manhã à noite estava sempre coalhado de jornalistas, e o periódico La Patrie chegou a publicar no dia 5 de junho de 1905  uma entrevista imaginária com a cientista, em que essa afirmava ser apenas uma esposa devotada à pesquisa de seu marido. Mania enviou no dia seguinte uma carta à redação do jornal, desmentindo a entrevista, e afirmando jamais ter conversado com quaisquer repórteres sobre seu trabalho. La Patrie simplesmente não respondeu. Como se vê, as fake news não são um fenômeno recente.

Em 1904, Pierre foi nomeado para lecionar na Universidade de Paris, enquanto Mania prosseguiu a pesquisa, buscando isolar o rádio puro.

Tragédia e superação

19 de abril de 1906, um dia chuvoso e frio em Paris. Pierre atravessa a rua, distraído, e é atropelado por uma carruagem. Não resiste aos ferimentos causados, vindo a falecer ali mesmo, antes que qualquer providência pudesse ser tomada.

Para qualquer mãe de duas crianças tão pequenas, o impacto de uma perda como esta seria tremendo. Para Mania, cuja vida era totalmente conectada ao esposo, não apenas no aspecto emocional e social, mas também profissional e acadêmico, a perda de Pierre foi um imenso abalo. O casal era muito introspectivo, totalmente voltado a si mesmo, ao trabalho e ao estudo. Eve Curie publica em sua biografia, que Mania costumava escrever a familiares, descrevendo meses a fio sem qualquer contato exterior ao núcleo familiar, sob as luzes mais favoráveis, externando verdadeiro prazer na vida quieta e simples que levavam. Mania teve de reorganizar completamente sua rotina a partir dali.

Menos de um mês após a morte de Pierre, a Universidade de Paris decidiu oferecer a Mania a cadeira de Pierre e ela se tornou a catedrática de Física. De acordo com Eve Curie, seu principal objetivo ao aceitar a posição era conseguir um laboratório superior àquele em que trabalhava.

Não muito tempo depois, em 1911, Mania se viu envolvida em rumores que a ligavam com um ex-aluno de Pierre, o físico Paul Langevin. Suas filhas, Irène e Eve, estavam à época com 13 e 8 anos, respectivamente.

O tablóide L’Oeuvre publicou cartas de Mania a Paul, e em novembro, uma matéria intitulada Uma história de amor: Mme Curie e o Professor Langevin foi publicada, sem qualquer preocupação de ordem ética, sem consultar os envolvidos, ou qualquer cuidado com a reputação da cientista. A essa matéria, outros periódicos sensacionalistas deram eco, publicando entrevistas com a sogra de Langevin, acusando Mania de roubar o pai de seus netos.

Mãe, cientista, mulher: a história de Marie Curie
Foto antiga de classe de estudantes universitários composta por apenas uma mulher dentre dezenas de homens.
Crédito: Wikipedia

O escândalo foi tamanho que ofuscou a criação do Instituto do Rádio, em 1909, a criação do padrão internacional de emissões radioativas e o refino do rádio puro em 1910. O que realmente importava à sociedade francesa era o suposto affair com um homem mais jovem, casado.

Mania estava numa conferência em Bruxelas quando o rumor se transformou em matérias publicadas em jornais sensacionalistas, e quando chegou a sua casa em Paris, havia uma turba na calçada, uivando obscenidades contra ela. Mania e suas filhas tiveram de mudar para a casa de Camille Marbo, escritora amiga da família Curie.

Essa história, a que Eve Curie não se refere em sua biografia, é conhecida e citada em muitos artigos sobre a cientista.

Em 5 de novembro, o autor da matéria do Le Journal, que acusava Mania sem qualquer prova, resolveu voltar atrás e pedir desculpas a ela, afirmando ter cometido um ato detestável.

Mania foi laureada com o segundo Nobel no mesmo ano, dessa vez em Química, por ter isolado rádio puro.

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Poucas semanas depois de receber o prêmio, teve de ser internada por sintomas associados à depressão e a uma doença renal. Mania só retornou ao trabalho no laboratório 14 meses após o escândalo inventado por tablóides sensacionalistas.

Sobre esse caso, Albert Einstein, amigo de Mania há tempos, escreveu a ela uma carta que começa:

Estimada Mme Curie,

Não ria de mim por escrever sem nada interessante a dizer. Mas estou tão furioso com a forma vil como tem sido tratada, como esta súcia se atreve a intimidá-la que precisei dar vazão a esse sentimento. Estou, no entanto, convencido de que você os despreza, quando estão fingindo adoração ou quando estão usando você para saciar sua sede por sensacionalismo!

Em meio a essa situação, devo dizer que passei a admirar seu espírito, sua criatividade e sua honestidade. Eu me considero um homem de sorte por tê-la conhecido em Bruxelas.

Qualquer um que não seja um desses répteis há de estar certamente feliz, agora como antes, por termos pessoas eminentes como você e Langevin entre nós – pessoas reais, com quem é sempre um privilégio ter contato. Se essa súcia continuar a se ocupar de você, apenas não leia suas mentiras. Melhor deixar esse lixo para os répteis a quem foram produzidas.

Com minhas mais amigáveis lembranças a você, Langevin e Jean Perrin,

Seu, verdadeiramente, Albert Einstein.”

Como se vê, nem uma mulher da estatura de Mania, cientista única na História da Ciência, a que recebeu dois prêmios Nobel em áreas distintas do conhecimento, recém viúva e mãe de duas crianças ainda pequenas, nem mesmo ela foi capaz de viver sua vida fora da misoginia que atravessa a sociedade ocidental. Todo o esforço realizado em prol da Ciência, o legado inestimável que deixou, anos de dedicação exclusiva à produção de conhecimento, e a emulação de uma vida inteira, nada disso foi capaz de mantê-la fora do alcance da barbárie.

Mãe, cientista, mulher: a história de Marie Curie
Foto antiga de mulher sentada com duas crianças a seu lado.
Crédito: AFP/GETTY IMAGES

Ao contrário do que muitos de seus biógrafos deixam implícito, Marie Curie nada tinha de heroína. Sua vida foi duramente marcada pela opressão em um estado de exceção, pela miséria, pelo machismo e pelo preconceito de gênero e, no final, ela morreu em função da exposição à radiação que descobriu, e que abriu caminhos para a medicina diagnóstica, para o tratamento do câncer, para a Física, para a Química, à ciência em geral. E, se não nos ativermos a esse aspecto verdadeiramente humano de sua trajetória, estaremos diminuindo o portento que foi essa mulher.

Mania Sklodowska Curie tornou-se Marie Curie no imaginário mundial. É preciso trazer Mania para a luz, sempre.

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