Ondas de calor, enchentes, estiagens severas… estamos vivendo na pele as consequências do clima e as notícias sobre o que acontece globalmente são desoladoras. O sentimento que tudo isso causa já está sendo chamado de ansiedade climática. E um alerta: está cada vez mais presente em nossas vidas. Inclusive, na rotina das crianças, que são impactadas por tudo isso e é comum que tenham dificuldade de elaborar o que está se passando. Assim, surgem dúvidas, angústias e um desejo de fazer algo para contribuir positivamente.

Frente a isso, muitos pais se questionam: como abordar o tema de maneira clara, mas sem gerar ansiedade e pânico? E, afinal, como as famílias podem agir para fazer a diferença nesse cenário de crise climática, quando tudo parece tão grave?

Para encontrar caminhos possíveis, conversamos com Maria Isabel de Barros, especialista em Crianças e Natureza do Instituto Alana – organização voltada a proteção e promoção dos direitos das crianças sob uma perspectiva socioambiental.

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Para começo de conversa, busque conhecimento e inicie o diálogo

“A gente ainda tem uma carência muito grande de educação climática”, diz Maria Isabel, a respeito do quanto as crianças recebem de informação sobre o tema. Por isso, é importante que os pais tentem preencher essa lacuna, uma vez que as consequências da crise estão sendo sentidas pelos filhos.

Ela diz que é primordial que os adultos compreendam que os eventos climáticos extremos, infelizmente, vieram para ficar. Não dá mais para fechar os olhos para a crise, acreditando que a preocupação é um exagero. A partir disso, buscar compreender causas, consequências e possíveis soluções é essencial.

Maria Isabel também acredita que, nesse caso, os pais não devem esperar a indagação das crianças sobre o tema. Cabe aos adultos a tarefa de iniciar diálogos. “É preciso quebrar o silêncio”, diz a especialista. “À medida que a gente finge que não está acontecendo nada, a gente também não acolhe a possível ansiedade e a possível angústia das crianças [sobre o tema]”.

Nessa missão, ela acredita que a literatura e outras formas de arte podem ser grandes aliadas. Cita as séries documentais “Nosso Planeta” e “Terra à Noite”, ambas disponíveis na Netflix, como bons títulos de apoio.

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Agir pela mudança: nosso jeito de viver traz ensinamentos às crianças

“A gente tem que incorporar isso [a preocupação com o meio ambiente] no nosso jeito de viver, nas nossas escolhas pessoais”, aponta Maria Isabel.

Atualmente, temos a compreensão de que amplas mudanças estruturais precisam ser feitas, através de leis que defendam a natureza. Mesmo assim, a conscientização por meio de atitudes individuais segue sendo importante. Por exemplo, sozinho, um copo de plástico na areia da praia não tem o poder de degradar os oceanos – o que não significa que seja certo descartá-lo ali. Ao assimilar pequenas boas práticas, as crianças começam a entender melhor a importância da preservação da natureza.

ansiedade climática
Crédito: Canva

A elaboração da ampla consciência ambiental passa também pelos singelos aprendizados cotidianos. Uma coisa puxa a outra. “As ações individuais trazem a consciência de que você está fazendo a sua parte e trazem também um pouco de conforto”, acredita Maria Isabel. Isso pode amenizar a ansiedade dos pequenos.

“E também devemos buscar os nossos pares. Para as crianças isso é muito importante: ver que tem outras pessoas fazendo alguma coisa no coletivo”. A especialista aconselha que vale a pena tentar ter contato com iniciativas que trabalham pela preservação da natureza e da conscientização ecológica. Isso evita que a criança se sinta paralisada frente aos problemas. “Traz uma sensação de esperança construtiva”, pontua.

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A interação com a natureza como ferramenta conscientizadora

Junto com as informações e reflexões críticas, Maria Isabel frisa que a interação com a natureza, usando o corpo — e não apenas a mente —, é algo fundamental. “Para as crianças, estar na natureza é um bálsamo, é uma coisa restauradora. Se a criança estiver só elaborando isso [a conscientização ecológica] pelo plano intelectual e cognitivo, eu acho que pode até ser adoecedor”, diz.

A fim de compreender melhor a importância da natureza, a criança precisa se conectar a ela. Para brincar, descobrir, se encantar com os detalhes e possibilidades. Mas como fazer isso em meio à correria das cidades? Recentemente, conversamos com educadoras ambientais para elaborar 13 dicas práticas. Confira!

Chamando a escola para o debate

“As escolas estão se deparando com uma necessidade muito grande de adaptação. Inclusive, ‘adaptação’ é a palavra de ordem este ano, em relação à crise climática, e vai estar no centro das discussões da próxima COP [a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que ocorre em novembro aqui no Brasil]”.

Maria Isabel chama a atenção para os problemas enfrentados pelas escolas por causa do calor extremo, por exemplo. Muitas chegaram a suspender dias de aula recentemente. Frente a um problema como esse, é necessário haver um amplo diálogo – que vai muito além da possível instalação de ar condicionado nas salas de aula. “A gente precisa pensar em soluções a longo prazo. Aqui no Alana, defendemos as chamadas soluções baseadas na natureza (SBN), que são tecnologias que nos ajudam na adaptação”.

A arborização do espaço escolar, por exemplo, é uma alternativa válida para amenizar o calor a longo prazo. Maria Isabel também cita ventilação cruzada, telhados e paredes verdes. As famílias podem se engajar no debate junto às escolas, questionando sobre soluções e propondo mudanças.

Infancia e crise climatica como abordar meio2. Arborizacao espaco escolar
Crédito: Canva

Além disso, as escolas podem ser locais em que as crianças se aproximam do meio ambiente. “Não é todo mundo que tem um quintal e acesso facilitado à natureza. As escolas são espaços muito privilegiados para que isso aconteça”, pontua a especialista, e acrescenta: “Agora que o celular saiu da escola, que tal colocar a natureza no lugar?”

Participando da mudança estrutural

Mais do que nunca, é preciso pressionar governantes e agências reguladoras para que as mudanças sejam estruturais, amplas e eficientes. As leis vigentes precisam ser respeitadas, assim como novas devem ser elaboradas com atualizações alinhadas ao presente e ao futuro.

Além disso, é válido olhar para as soluções que já são realidade em outros lugares e, assim, iniciar um debate sobre a implementação delas em nossas cidades, estados e país. Um bom exemplo sul-americano são os corredores verdes de Medellín, na Colômbia.

Como em muitos centros urbanos, Medellín teve sua vegetação devastada ao longo dos anos, em nome daquela ideia de progresso que prioriza os carros e os grandes prédios. Mas isso mudou e agora a cidade conta com 30 espaços verdes projetados como corredores – que conectam calçadas arborizadas, parques, jardins verticais, córregos e morros. A ação foi iniciada em 2016 e, de lá para cá, a temperatura da cidade diminuiu em cerca de 2° C.

Há projetos mais ousados, como o das cidades-esponja, presentes em países como China e Estados Unidos. Nelas, o manejo da água é totalmente repensado, a fim de deter, limpar e infiltrar a água da chuva, usando soluções baseadas na natureza. Assim, as cidades-esponja conseguem evitar alagamentos e otimizar o abastecimento de água.

Adquirir conhecimento sobre soluções inovadoras ajuda a refletir sobre o que está (ou não) sendo feito em nossos territórios. Mas, com as informações em mãos, como podemos pressionar o poder público na prática?

Maria Isabel acredita que a resposta está na união de forças. Ela cita o coletivo Famílias Pelo Clima, ao falar sobre grupos da sociedade civil que estão engajados no tema. Como parte do movimento Parents for Future, o coletivo mobiliza adultos que lutam por um mundo melhor para as próximas gerações.

Por fim, é muito importante ter justamente isso em mente. Para evitar ainda mais ansiedade climática nas crianças, é preciso que a gente não caia naquele velho clichê de pensar que elas são responsáveis pelo futuro do planeta. Cabe a nós, adultos, construir esse futuro desde já, chamando os pequenos ao diálogo e à ação – com conhecimento, responsabilidade e aquela dose sempre necessária de esperança.

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Estante Quindim

Conheça 3 livros infantis já enviados pelo Clube Quindim que ajudam a conversar sobre crise climática com as crianças.

Cadê os bichos? (autora Cris Eich, editora Bamboozinho)
Cadê os bichos, de Cris Eich
FioDeRio CapaTransparente e1716402958307
Fio de Rio, de Anita Prades
Um dia, um rio (Autor Leo Cunha, Ilustrações André Neves, editora Pulo do Gato)
Um dia, um rio, de Leo Cunha e André Neves