Perguntas não faltam às crianças: dos dinossauros às estrelas, do fundo do mar às formiguinhas do jardim, tudo é motivo de muitos “porquês”, “como é feito”, “o que é” e “como chegou ali”. Natural, não é mesmo? O mundo é mesmo surpreendente! Algumas dúvidas até sabemos responder, enquanto outras, não temos nem ideia de por onde começar a explicar. E quer saber? Talvez seja até melhor assim! Porque isso também nos lembra que é preciso buscar respostas, investigar e analisar – sempre e em qualquer fase da vida.

É um estímulo que pode começar desde a primeira pergunta que seu filho lhe fizer e cujas respostas podem ser encontradas juntos. Além do mais, é uma fase perfeita para esse incentivo, porque combina justamente com o desenvolvimento cognitivo da primeira infância que deve ser estimulado em sua plenitude.

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Por isso, quanto mais amparados eles estiverem por uma família atenta e uma escola interessada, mais conseguirão tirar proveito das descobertas. E é nesse ponto que ensinar os pequenos a terem um pensamento científico sobre o mundo ajuda muito. E podemos começar aos poucos, viu? A base é auxiliá-los em suas buscas, dando acesso ao conhecimento, conectando-os a ferramentas confiáveis e permitindo que experimentem por conta própria, mas com segurança.

“É o que chamamos de letramento científico e quanto mais cedo ele começar, mais cidadãos preparados, bem formados e críticos nós vamos ter no futuro”, aponta Joanita Lopes, coordenadora da Biblioteca científica do Instituto Butantan e responsável pelo Espaço de Leitura Semear Leitores, dentro do Parque da Ciência. Com um acervo repleto de livros sobre esta temática, a iniciativa busca trazer as crianças para mais perto da ciência, dos pesquisadores e abrir a discussão sobre a produção de conhecimento desde a infância.

E, quando estamos falando em ciências, entenda que vai além dos laboratórios e tubos de ensaio. Por definição, ciência é um processo sistemático, baseado em evidência, que busca investigar e entender algum assunto profundamente, através de etapas de observação, experimentação, coleta de dados e análise. O resultado final passa pela revisão dos pares e, posteriormente, há o compartilhamento com a sociedade.

Para os pequenos, podemos explicar que ciência faz parte da vida e é um jogo de descobertas, em que tentamos encontrar respostas usando um jeito especial de fazer perguntas e registrando tudo que encontramos. E isso vale para diferentes áreas, como física, química, biologia ou mais especificamente sobre paleontologia, astronomia ou zoologia, assuntos que costumam agradar os menores.

Entender como o método científico funciona ajuda as crianças a cadenciar naturalmente suas dúvidas em etapas: a pergunta vem, elas começam a busca para entender, organizam as descobertas, analisam as respostas e compartilham com as pessoas ao redor.

Vamos juntos? Como pais podem ajudar

pai e filho na natureza
Crédito: Canva

O modo como os adultos explicam o mundo para os pequenos também influencia o interesse que eles têm ou a liberdade que sentem para questionar o que não sabem. Pais e professores desempenham, portanto, papel importante ao traduzir o universo, e devem ter em mente que a linguagem precisa ser acessível ao entendimento e à idade da criança.

Quando os pequenos compreendem as explicações e absorvem o conhecimento com prazer, aumentam as chances de manterem o desejo por mais informação ao longo da vida. Se feito de maneira conjunta e estruturada entre família e escola, melhor ainda! Por exemplo, se sua filha gostou muito da aula sobre constelações que teve na escola, talvez seja interessante levá-la ao planetário no fim de semana ou ainda visitar a sessão de astronomia na biblioteca mais próxima da sua casa. Isso vai criando uma trilha de conhecimento que se acumula e vai formando os interesses dela.

As crianças, por natureza, já são muito curiosas. Portanto, quando elas são estimuladas a desvendar esses mistérios e a saciar as suas curiosidades, com certeza, elas despertam para o mundo e para a observação”, crê Joanita. Ela conta que viu na prática o que o estímulo na infância pode render: no Butantan, há funcionários que, quando crianças, visitaram o Instituto com seus pais e gostaram tanto da experiência que, hoje adultos, fazem parte do time de pesquisadores. “A partir de uma visita aqui ao parque, eles se descobriram e hoje estão aqui fazendo papéis importantes na ciência. Acredito que esse contato e estímulo são fundamentais e fazem total diferença na vida de uma criança”, conta.

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Ciência é para todos

É preciso abandonar a ideia de que a ciência é um lugar para “gênios”, distante da realidade, assim como também é necessário deixar de lado o pensamento excludente de que crianças não se interessam ou não entendem conceitos complexos.

Foi justamente pensando nisso que o Instituto Butantan convidou, em 2022, um grupo de crianças entre 8 e 9 anos para revisar um artigo científico. Com a ajuda de professores, os pequenos analisaram o estudo “A Blessing in Disguise: From Fish Venom to Novel Medicines” (“Uma Bênção Disfarçada: Do Veneno de Peixe a Medicamentos Inovadores”, em tradução livre), sobre a existência de peixes peçonhentos. Depois, selecionaram pontos que achavam confusos, sugeriram a inclusão de ilustrações, além de pedirem um glossário e mais detalhamento de alguns trechos. As alterações foram atendidas, o artigo foi reescrito e publicado na revista Frontiers for Young Minds.

“Quando as crianças têm essa oportunidade de conhecer e poder participar – e ali as contribuições foram fantásticas! – isso ajuda a tornar a ciência mais popular, mais acessível, de forma que o conhecimento científico passe a fazer parte da sociedade. Não só para uma classe, porque quem faz ciência também precisa ter essa consciência da necessidade de se aproximar da população. Só assim a própria sociedade também vai valorizar o conhecimento científico”, acredita Joanita.

Por mais mulheres na ciência!

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Crédito: Canva

E aqui, um detalhe muito importante: você já parou para pensar por que ainda temos menos mulheres em carreiras científicas do que homens? A resposta pode estar bem lá atrás, na infância. Enquanto meninos ganham kits de laboratório, meninas ganham bonecas. Enquanto estimulamos o interesse de um garoto por dinossauros ou o espaço, acabamos por incentivar meninas a olharem para a aparência desde cedo, com kits de beleza. Isso quando elas não são convocadas a cuidar da casa, enquanto o irmãozinho brinca livremente. Não são raras as vezes que elas até sinalizam seus interesses aos pais, mas acabam desestimuladas por falas machistas de que “não é brinquedo de menina” ou que já são mocinhas e precisam ajudar nas tarefas.

Precisamos mudar esse pensamento e tratar as crianças de forma igualitária para que tenham as mesmas oportunidades, além de chamar as meninas para a área científica com programas específicos de incentivo”, diz a coordenadora, que recentemente organizou uma contação de histórias na biblioteca do Butantan com livros que retratam mulheres cientistas. “É preciso dar exemplos, porque muitas vezes, em suas casas, elas não têm estímulos”, diz.

Teste, mexa, experimente!

Hoje existem mais iniciativas e ferramentas para aproximar a ciência do cotidiano das crianças do que na nossa época. Uma forma é apresentar livros que contam histórias de grandes cientistas ou que tratem de temas do interesse da criança de maneira mais específica, como animais do fundo do mar ou o funcionamento do corpo humano. Não faltam boas opções.

E se anteriormente tínhamos poucos programas voltados ao tema (quem aí se lembra do clássico “O Mundo de Beakman”, papais?) hoje não faltam opções nas plataformas de streaming e canais no Youtube. Isso sem falar das respostas que os principais buscadores ou mesmo programas de inteligência artificial, como o Chat GPT, podem fornecer saciando a curiosidade imediata dos pequenos – desde que utilizadas dentro do tempo adequado e da supervisão dos pais (já falamos sobre isso aqui!).

A tecnologia ajuda na busca pelo conhecimento, mas tenha em mente que ela precisa ser complementar às experiências fora das telas. E, quanto mais integrado ao cotidiano, mais fácil é assimilar. Leve, por exemplo, conceitos de química para a cozinha ao misturar ingredientes ou experimente explicar matemática através de jogos ou na escala musical. Explicar como a vacina atua, outro ótimo exemplo, também faz que o medo da picadinha diminua a cada ida ao posto, porque a criança passa a entender a sua importância.

Além disso, não deixe de sair de casa com as crianças para ampliar o repertório e a interação com novidades. “Precisamos sensibilizar os pais a adquirir jogos, estimular a leitura em família, visitar museus, exposições, parques, passear em livrarias e bibliotecas. É muito gostoso você procurar a estante onde tem aquele assunto que a criança gosta e ficar ali conhecendo o acervo, folheando os livros…esse contato estimula”, explica a coordenadora da biblioteca do Butantan.

No mais, é na vida que eles podem vivenciar suas descobertas. Permita que haja espaço e tempo para testes, observações, experimentos e toda sorte de ideias que a mente criativa dos seus filhos bolarem dentro e fora de casa.

Por um futuro mais amparado pela ciência

Chegaram inspirados até aqui? Muito bem! Fica claro que a nossa função é orientar as crianças no desenvolvimento de seus próprios interesses e aptidões. E vale a reflexão: por mais que eles tenham capacidade de entender conceitos complexos (quando apresentados de maneira adequada à sua idade), ainda são pequenos para saber onde procurar fontes confiáveis para entender o mundo.

“Precisamos que pais e professores atuem como curadores, que possam separar, categorizar e selecionar as fontes para que a criança não se perca no oceano de informações”, destaca Joanita. De fato, com o acesso fácil à internet, redes sociais e interações digitais por todos os lados, é crucial ter cuidado com onde e por quem a criança está se informando.

“O ideal seria ter uma disciplina na escola dedicada ao letramento informacional, ou seja, como lidar com as fontes de informação, como discernir se são confiáveis, como identificar a autoria, quem a produziu e se há interesses conflitantes. Só conseguiremos minimizar os impactos das fake news, se tivermos cidadãos preparados para identificar informações falsas”, indica Joanita.

Veja também: Fake news: preparando filhos para um mundo de notícias falsas.

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Uma criança, portanto, que é estimulada desde cedo compreende o funcionamento das etapas do pensamento científico. Ao longo dos anos, vai se estruturando para sempre observar, pesquisar, comparar, organizar e analisar suas descobertas, o que a auxilia a desenvolver um olhar mais crítico para o mundo. Com o tempo, ela aprenderá a discernir e tirar suas próprias conclusões, ficando menos suscetível então a informações falsas.

Em tempos sombrios e com o negacionismo se espalhando, formar indivíduos mais criteriosos e que acreditam no pensamento científico é um investimento valioso para a sociedade. “Não há evolução sem ciência. À medida que avançamos nas pesquisas, adquirimos novos conhecimentos e os anteriores são modificados. Nada é estático e se desejamos ter resultados diferentes, precisamos começar com as crianças”, conclui Joanita.

Uma simples questão na mente de uma criança, quando nutrida e incentivada, pode gerar avanços significativos no futuro! Afinal, não há novas descobertas, sem perguntas ao longo do caminho.

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Estante Quindim

Conheça 3 livros que vão estimular o interesse das crianças por áreas das ciências:

ABC Dinos (autores Celina Bodenmüller e Luiz Anelli, ilustradora Graziella Mattar, editora Peirópolis)
ABC Dinos, de Celina Bodenmüller e Luiz Eduardo Anelli
Samira e os esqueletos (autora Camilla Kuhn, editora Brinque-Book)
Samira e os esqueletos, de Camila Kuhn