Você já ouviu falar em violência obstétrica? O termo, que vem ganhando cada vez mais espaço na mídia de alguns anos para cá, durante bastante tempo não era sequer aceito oficialmente para descrever os abusos sofridos por mulheres durante a gestação, o parto e o pós-parto.

Em muitos casos a própria mulher não tem certeza se foi vítima de violência obstétrica ou não. Em tantos outros, a opinião, os desejos e as necessidades da mulher são ignorados, e o que fica é um sentimento de que ela mesma não importa, que não tem voz, não tem valor.

A melhor maneira de prevenir essas situações de abuso é educar e informar as pessoas, para que tanto as mulheres quanto a sociedade como um todo possam combatê-las. Por isso, durante esse artigo vamos abordar o que é violência obstétrica, o que você pode fazer para proteger a si mesma e as mulheres na sua vida, e como denunciar.

O que é violência obstétrica?

O que é violência obstétrica

Podemos definir violência obstétrica como todo tipo de abuso sofrido por mulheres grávidas durante a gestação, no momento do parto e também após o nascimento da criança.

É importante dizer que esses abusos não se restringem às violências físicas, como a prática da episiotomia (corte realizado no períneo, região entre o ânus e a vagina) ou tapas. Muitas vezes as agressões são verbais, em forma de ameaças e falas discriminatórias.

Também vale ressaltar que a violência obstétrica nem sempre é ostensiva. É claro que muitas mulheres saem feridas e mutiladas de experiências terríveis no parto, mas não são raros os casos em que o abuso ocorre sem que a gestante sequer seja tocada, apenas por meio da fala. Por isso é tão importante ficar atento e se manter bem informado.

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O uso do termo violência obstétrica

Entenda o que é violência obstétrica

O assunto é tão complexo que até mesmo o uso da expressão “violência obstétrica” já foi questionado e considerado “inadequado” pelo Ministério da Saúde. Em 2019 o órgão recomendou que a fala fosse banida, considerando que nenhum profissional de saúde ou de outras áreas prejudicaria ou causaria danos intencionais a uma mulher durante seu atendimento. Com isso, o uso do termo traria prejuízo para a relação entre médicos e pacientes, inclusive estigmatizando a prática médica.

Hoje, como já se sabe, não são apenas ginecologistas, obstetras, anestesistas, enfermeiros e técnicos em enfermagem que podem, ativamente ou por omissão, praticar violência obstétrica. As falhas estruturais em clínicas e hospitais, o ambiente e as circunstâncias em que o atendimento ocorre também podem ser geradores de trauma.

Ainda em junho de 2019 o Ministério Público Federal recomendou que fosse reconhecida a legitimidade do uso do termo violência obstétrica e o Ministério da Saúde voltou atrás. De fato, é imprescindível que as mulheres sejam integralmente respeitadas e que possam descrever suas experiências utilizando palavras que sejam de sua livre escolha, e que melhor representem aquilo que viveram.

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O que configura violência obstétrica?

Como identificar a violência obstétrica

Ainda que seja um tema muito doloroso, é preciso tocar na ferida e falar sobre situações que podem configurar violência obstétrica para ficarmos todos atentos. Somente inteirados sobre o assunto teremos condições de agir.

Não existe uma lista fechada do que caracteriza ou não violência obstétrica. No entanto, dentre as situações que típica e mais frequentemente ocorrem, podemos citar as seguintes:

  • Realização de episiotomia: o corte no períneo no momento do parto para ampliar o canal vaginal e “facilitar” a saída do bebê já foi considerado praxe. Na verdade, essa incisão somente deve ser realizada em casos extremos, em que há risco de morte para o feto ou outras complicações graves para mãe e bebê.
  • Obrigar a mulher a ficar em posição de litotomia, mais conhecida como posição ginecológica: essa posição pode, de fato, ser necessária em algumas situações, mas não deve ser encarada como a única opção possível para uma mulher que vai dar à luz. O ideal é permitir que a mãe encontre a melhor maneira de se posicionar, contando sempre com o apoio e a orientação (e não imposição) por parte da equipe médica.
  • Uso de fórceps: nos casos em que o bebê está em risco, seja por um parto muito prolongado, pela posição em que se encontra ou diversos outros fatores, o uso do fórceps pode ser necessário para prevenir a falta de oxigenação no cérebro. Essa é mais uma situação extrema, e não deve ser encarada como padrão.
  • Realização de amniotomia: consiste no rompimento da bolsa amniótica com auxílio de uma ferramenta médica. Ainda que existam situações específicas em que o procedimento pode se fazer necessário, o líquido amniótico protege o bebê. Então, é sempre melhor que o rompimento seja natural para prevenir infecções bacterianas.
  • Realização de enemas: a eliminação das fezes por meio de lavagem intestinal antes dos partos naturais é totalmente desnecessária. Essa eliminação de fezes faz parte do processo do parto natural, sendo perfeitamente orgânica e esperada, e devendo, portanto, ser tratada como tal.
  • Imposição ou incentivo da tricotomia dos pelos pubianos: a presença de pelos pubianos durante o parto, seja natural ou cesariana, não afeta em nada a saúde e segurança do bebê e da mãe. Por isso, a realização ou não da depilação deve ficar exclusivamente a critério da mulher.
  • Toques vaginais sem consentimento: os profissionais de saúde devem sempre solicitar consentimento antes de realizar exames de toque, e somente fazer isso quando for de fato necessário. Mesmo nesses casos é preciso explicar as razões para o procedimento que está sendo feito, de acordo com cada fase do parto.
  • Exigência de jejum ou dieta específica para o parto: com exceção das cesáreas eletivas, ou seja, aquelas para as quais são agendados dias e horários específicos, não é necessário que a gestante esteja em jejum absoluto. É possível combinar com o médico uma dieta leve para que a mulher tenha força e energia para passar pelo processo de parto da melhor maneira possível.
  • Uso de ocitocina: a ocitocina é um hormônio sintético que estimula as contrações. Seu uso pode ser recomendado nos casos em que não há evolução na dilatação, mudança na altura da posição fetal, dentre outros fatores, mas não deve ser feito indiscriminadamente ou como se fizesse parte de um protocolo.
  • Negação de anestésico para mães com dor.
  • Negação da presença de acompanhantes: antes, durante e imediatamente após o parto, independentemente de ser natural ou cesariana. Há, inclusive, uma lei federal que garante esse direito às mulheres.
  • Falta de privacidade e exposição de informações íntimas sobre a mulher: como comentários de natureza inadequada que possam expô-la e prejudicá-la de qualquer modo.
  • Omissão ou distorção de informações, desconsideração pelos valores, desejos, necessidades e solicitações da mulher.
  • Realização do “ponto do marido”: procedimento dado na vagina da mulher para deixá-la mais fechada após o parto.
  • Impedir o contato da mãe com o bebê após o parto: esse contato não só deve ser permitido como também incentivado, especialmente no que diz respeito à amamentação. Não existe protocolo que justifique o afastamento entre mãe e bebê logo após o nascimento, com exceção dos casos em que houve alguma intercorrência no parto. Esses casos, logicamente, devem ser amplamente explicados e discutidos com a mãe.
  • Comentários ofensivos: dizer para uma mulher sentindo dores do parto que “na hora de fazer ela não reclamou de dor” é extremamente ofensivo e configura violência obstétrica. Esse é apenas um exemplo de comentário desrespeitoso que pode ser caracterizado como violência.
  • Discriminação: seja motivada por idade, raça, classe econômica, religião, doenças (como HIV), nada pode ser utilizado como justificativa para ofender ou maltratar uma mulher gestante antes, durante ou após o parto.
  • Negligência: omitir socorro e negar atendimento que garanta a saúde da mãe e do bebê, seja como for, também caracteriza violência obstétrica.

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Como prevenir a violência obstétrica

Como denunciar a violência obstétrica

A informação é a maior aliada das mulheres e da sociedade em geral no que diz respeito a prevenir e combater a violência obstétrica em suas diversas formas. Para isso, o primeiro passo é estabelecer uma relação de confiança e de diálogo franco entre a mulher e o profissional de saúde que vai acompanhar a gestação, bem como com toda a equipe no momento do parto e depois dele.

O médico não só pode como deve ser questionado. É preciso que a paciente sinta liberdade de perguntar a respeito de tudo, sanando suas dúvidas, expondo suas inseguranças e preocupações, e sentindo-se acolhida.

Um profissional da saúde que não gosta de “se explicar”, que responde com piadinhas, grosserias, ou frases de duplo sentido que não deixam claro para a mulher o que de fato quer dizer deve ser evitado e substituído por outro o quanto antes.

No entanto, sabemos que as realidades do Brasil são muitas e que, infelizmente, nem sempre isso é possível. Ainda são muitas as mulheres que passam sozinhas por esses momentos tão importantes e que podem marcá-las negativamente por uma vida inteira.

Como denunciar violência obstétrica

Não existem casos grandes ou pequenos de violência obstétrica. Não é necessário chegar a situações extremas, em que há mutilação, afastamento da mãe e do bebê ou agressão verbal ostensiva, por exemplo, para fazer uma denúncia.

A denúncia pode ser feita diretamente ao hospital ou clínica onde ocorreu a violência, além da Secretaria de Saúde do município ou estado em questão. Os conselhos de classe envolvidos (como o Conselho Regional de Medicina e o Conselho Regional de Enfermagem) também podem ser acionados, bem como as delegacias.

Por telefone, as denúncias podem ser feitas por meio da Central de Atendimento à Mulher (ligando para o 180) e também para o Disque Saúde (telefone 136). Há, ainda, o Ministério Público Federal e Estadual.

O mais importante é reunir o máximo de informações possíveis, como datas, horários e nome dos envolvidos, e denunciar.

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