É preciso unir forças para ampliar a voz das mulheres e apoiá-las para que elas ocupem, cada vez mais, espaços no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Mesmo com um avanço nos últimos anos, em que importantes pautas femininas ganharam algum destaque no debate político, como aborto, assédio, carreira, maternidade e equidade salarial, há, ainda, um abismo da representatividade das mulheres na política. Por isso, o Clube Quindim considera vital falar sobre o tema.

De acordo com o Mapa da Política de 2019, divulgado pela Procuradoria da Mulher no Senado, mulheres representam pouco mais de 12% dos cargos eletivos, mesmo sendo a maioria do eleitorado e da população, alcançando os 51%. Dados apontam, ainda, para outra significativa responsabilidade na economia e na sociedade. Atualmente, 40% das mulheres são as únicas responsáveis pelas finanças de suas casas e 44% estão inseridas no mercado de trabalho formal. Por que, então, esses números não são tão representativos na política, mesmo com a Lei 9504/1997, que prevê a reserva de 30% das candidaturas dos partidos ou coligações destinadas às mulheres? Para que as políticas públicas sejam pensadas com mais equidade e com gestões que combatem ao preconceito e à desigualdade social, sem dúvida, é preciso que mulheres ocupem mais os espaços de poder.

Para Vera Aparecida de Oliveira, professora e candidata a vereadora em Praia Grande (SP), quando se pensa em política, naturalmente associa-se a imagens de homens, brancos, de terno e gravata. “Não somos educadas para a vida pública e, sim, para a privada. Quando rompemos, internamente, com essa construção social, encontramos diversas barreiras, como homens usando termos desrespeitosos. Ao chegar à Câmara, por exemplo, a nós são oferecidas comissões de mulheres, e não as comissões de finanças”, aponta.

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Professora Luana, candidata a vereadora em Osasco

Luana Bezerra da Silva, professora e candidata a vereadora em Osasco (SP), completa dizendo que a resistência começa já no interior dos partidos, que não fomentam e incentivam à candidatura do público feminino. “Trata-se de uma construção social que nos leva a preconceitos das mulheres na política. Fomos criadas e moldadas para sermos donas de casa e mães. Não à toa, as profissões relacionadas ao cuidado são dominantemente exercidas pelo público feminino, como professoras, enfermeiras e psicólogas. O machismo construído ao longo dos séculos gera, consequentemente, preconceitos dentro da política”, explica.

A importância das mulheres na política

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As demandas são designadas às mulheres, então, por que as leis não são pensadas por elas? A indagação leva a uma importante reflexão relacionada à desigualdade social. Por muitas vezes, a mulher é a responsável por colocar comida à mesa, por procurar vaga na creche, marcar uma consulta na UBS, entre inúmeras outras incumbências impostas pela sociedade. “Portanto, ao ocupar espaços de poder, cabe a nós, por entendermos as necessidades sociais, pautar e reformular políticas públicas transversais, que ajudam a melhorar a vida das pessoas no conjunto da sociedade”, enaltece Luana.

Vera complementa afirmando que as normas são pensadas e implantadas pelos homens, mas são as mulheres, no cotidiano, que sentem suas consequências. “Assim, é fundamental que a população feminina participe da política, seja como candidatas ou eleitoras. Quando a lei é discutida pelas pessoas que precisam dela, efetivamente, fica mais completa. Isso porque se ocupa dos detalhes e das singularidades”, explica.

A professora afirma, ainda, que as mulheres na política trazem novas narrativas e olhares sobre as questões públicas e oferecem a experiência secular do cuidado com as pessoas para o espaço público.

Mães no poder público, um ato político

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Ecoa aos quatro cantos a desigualdade entre homens e mulheres na política. Quando esse recorte é feito pensando na maternidade, o cenário é ainda mais alarmante. Renata Senlle, jornalista e mãe do Bernardo, possui mestrado pela ECA-USP, e sua pesquisa foi relacionada às mães na política. Para sua tese, em 2018, ela olhou para as candidatas que utilizavam das redes sociais para divulgar suas campanhas políticas usando a hashtag #MãesNaPolítica – e que traziam menção às pautas relacionadas a maternidades e infâncias. “Encontrei apenas 20 candidatas com esse perfil concorrendo aos cargos de vice-presidente, vice-governadora e deputadas, incluindo estaduais, federais e distritais”, lembra Renata.

Entre os preconceitos, ela identificou a aparente impossibilidade de pensar que a maternidade e a política podem estar associadas. “O ideal de que as mães devem abdicar de tudo e priorizar os filhos é muito forte. Na pesquisa, houve relatos de mães que foram questionadas, inclusive por amigos, sobre quem iria cuidar dos filhos enquanto estivessem em campanha. Essa pergunta, certamente, não é feita aos homens. A política institucional ainda é majoritariamente masculina, pensada para os homens, de acordo com a dinâmica deles”, observa a jornalista.

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Contar com mais mães na política, desde que tenham pautas progressistas, voltadas às diferentes maternidades e infâncias, ajuda a entender a desigualdade sistêmica que onera as mulheres e privilegia os homens, segundo Renata. “É o caso de escancarar o trabalho de cuidado, realizado majoritariamente pelas mães, e, mesmo que traga satisfação, traz uma imensa sobrecarga ao dia a dia, com jornada tripla. Esse cenário nos impede de ter uma vida plena. Ao mesmo tempo, é esse trabalho de cuidado que mantém as famílias funcionando, permitindo aos homens transitar livremente por todas as esferas da sociedade, sem prejuízo ou cobranças, e com ganhos materiais superiores aos das mulheres”, alerta Renata.

Para exemplificar a reflexão, a jornalista aponta que basta levantar os dados de famílias chefiadas por mulheres, do alto número de mães solo e da maior carga de trabalho doméstico. Com essas referências, é possível ter uma ideia das políticas que poderiam ser feitas utilizando dessas informações, com os devidos recortes de classe e raça. “Entendo que as mães na política teriam mais condições de realizar propostas para conter essa disparidade. Uma cidade pensada para acolher mães e crianças é um local acolhedor para todas as pessoas. Onde mulheres e crianças estiverem seguras, atendidas em suas demandas de saúde, educação, transporte e seguridade social, mais provável que todas as pessoas estarão também”, completa Renata.

Neste ano, devido à pandemia, esse trabalho de cuidado invisível das mulheres veio à tona, principalmente para alguns homens que tiveram que trabalhar de casa, lidar com as demandas de limpeza e do cuidado com seus filhos, tudo ao mesmo tempo. “Não acho que foi suficiente. Mas levantou essas discussões dentro desse recorte classe média”, alerta a jornalista.

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Infelizmente, uma grande quantidade do público feminino precisou abrir mão de seu emprego remunerado. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc), 7 milhões de mulheres abandonaram o mercado de trabalho na última quinzena de março, quando começou a quarentena. São dois milhões a mais do que a quantidade de homens vivendo a mesma situação.

Renata reforça, portanto, a importância de se pensar escolas públicas sob o ponto de vista de mães que não têm com quem deixar as crianças e executam trabalhos formais e informais. Ou, até mesmo, as que estão em empregos precarizados, sem nenhum acesso à estrutura para os filhos terem aulas on-line ou que dependiam das escolas para compor as refeições familiares. “É preciso avaliar quem é esse grupo que está sofrendo o maior impacto e como diminuir essas desigualdades. É um exemplo de problema complexo, mas esse olhar de mães na política pode oferecer novas dimensões para possíveis soluções, na medida em que traz um ponto de vista político desconsiderado até então”, finaliza.

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