Já reparou como existe uma ideia sobre como devem ser os livros para atrair e reter a atenção de uma criança? Geralmente, essa concepção descreve os livros infantis como aqueles com formato bem grande, páginas rígidas, desenhos variados, preferencialmente grandes e chamativos e, sobretudo, colorido.
Embora muitos livros infantis excelentes possam se encaixar nessa descrição, essa não é uma verdade absoluta. Há uma grande variedade de obras transformadoras para crianças, que têm formatos diferentes, páginas pequeninas, poucas ou nenhuma ilustração e até mesmo ser parcial ou totalmente em preto e branco.
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sim, livros infantis podem ser preto e branco!
Curadora do Clube Quindim, a escritora e ilustradora Graça Lima explica que é possível, sim, que um livro para crianças seja ilustrado em preto e branco — e esse recurso pode ser, inclusive, até mais desafiador para o autor do que os livros coloridos.
“O desenho em preto e branco tem uma grande dificuldade para ser realizado, porque só com esse recurso de luz e sombra – o branco é luz, e o preto é sombra – é preciso resolver toda uma narrativa. Então, ele é muito mais difícil de fazer mas, se bem feito, é maravilhoso”, explica a autora, mestre em Design, Doutora em Artes Visuais e professora na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Com mais de cem títulos publicados no Brasil e no exterior, Graça acumula diversos prêmios nacionais e internacionais, incluindo três Jabutis (1982, 1984 e 2003). Reconhecida como uma das maiores ilustradoras do país, sua trajetória reflete a força e a criatividade da ilustração na literatura infantil.
É preciso observar também, a função da ilustração na narrativa, ou seja, qual o papel dos desenhos na contação dessa história. A autora dá alguns exemplos de livros com ilustrações em preto e branco que representam bem essa questão.
“O Ida e Volta, de Juarez Machado, que é considerado o primeiro livro-imagem publicado por um autor brasileiro, tem várias coisas em preto e branco. O próprio Noite de Cão, que ganhou o Jabuti logo assim que eu comecei a trabalhar, tinha uma página em preto e branco e uma página colorida. Então, essa história de ter que ser colorido, ou ser preto e branco, é uma besteira – é a narrativa que vai pegar [o leitor]”, afirma.
Mas, então, as ilustrações não são pensadas especificamente para as crianças?
Segundo Graça, surpreendentemente, não. Para ela, os autores pensam no processo criativo como um todo, e em elementos que podem ajudar a contar uma determinada história. No entanto, a autora ressalta que ela mesma, e a maioria dos autores que conhece, não pensam nas ilustrações considerando o que a criança vai ou não entender; “ainda mais agora, que a gente vive num mundo totalmente de imagens”, reitera.
“O que é importante é o que (o livro) traz de textura, de narrativa, de detalhe ou de simplicidade. As crianças têm muito mais capacidade de entender algo do que a gente pensa. Dê a elas de tudo um pouco, para que definam seus próprios padrões”, recomenda Graça Lima.
Então, podemos dizer que, embora as ilustrações sejam uma parte importante dos livros onde estão presentes (considerando que há livros que contêm apenas texto), na formação leitora de uma criança há vários outros elementos envolvidos que precisam ser igualmente considerados.
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PERMITA QUE A CRIANÇA DESENVOLVA SEU repertório (E COM DIVERSIDADE!)
Como mães, pais, professores e cuidadores em geral, é natural que queiramos oferecer bons livros para os nossos filhos. Mas, nessa busca por um ideal do que acreditamos que são os livros de qualidade, podemos estar privando as crianças de experiências que são fundamentais para que elas formem sua própria opinião.
Para Graça, a qualidade de uma obra é definida por um processo de criatividade, e há muitos tipos de livros para que possamos dizer que apenas um ou outro são bons. Há os textos e imagens que querem ensinar alguma coisa, os que são apenas para divertir, os que buscam irritar e discordar… A qualidade está, justamente, naquilo que foge ao lugar comum.
“O livro tem que lançar mão de alguns subterfúgios que não fiquem óbvios. Como, às vezes, a pessoa quer falar alguma coisa e, em vez de usar um humano, usa um galo ou um cavalo falando, por exemplo, e vai para uma esfera da fantasia. Então, para mim, as obras encantadoras são essas mais bem-humoradas”, explica.
a leitura compartilhada faz toda a diferença!
A autora reforça, ainda, a importância da participação dos pais no processo de leitura, e diz que não basta apenas comprar o livro e dar para a criança – é preciso estar junto. Ela conta que, ao longo de dez anos, realizou saraus em sua casa, com muitas pessoas lendo, juntas, obras de todos os tipos. Com isso, seus filhos, que hoje já são adultos, tiveram contato e participaram desses momentos, o que sem dúvidas incentivou muito o hábito da leitura na família.
“Essas leituras em voz alta, na voz da mãe, do pai, da avó, de quem cuida dessa criança, tem um papel muito importante, porque além de calmantes são estruturantes. O adulto pode pegar um livro que não tem grandes encantos, ler com a criança, fazer vozes, dar interpretações, e trazer um outro universo para a leitura, mais instigante”.
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Por fim, para as famílias que desejam oferecer o melhor possível em termos de leitura para seus filhos, Graça deixa um recado: “eu diria que, para uma criança se tornar um leitor consciente da leitura, ela tem que ler um pouco de tudo – ruim, bom, mediano – para assim formar o seu próprio gosto”.
Então, procure não se prender a esse imaginário que dita regras quanto ao que configura ou não um bom livro para crianças. Experimente, junto com seu filho, e descubra cada vez mais novas e transformadoras histórias.
Estante Quindim
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