Medo de não acompanhar tudo o que acontece, de perder uma atualização aparentemente importante, de ficar de fora de um assunto… Tudo isso pode ser reconhecido como o que é chamado em inglês de “fear of missing out”, ou simplesmente, FOMO. Em português, algo como “medo de perder” ou “medo de ficar de fora”. A sigla está até nos dicionários do idioma, como no Cambridge Dictionary, definido como: “um sentimento de preocupação de que você pode perder eventos emocionantes aos quais outras pessoas vão, especialmente causado por coisas que você vê nas redes sociais”.

O que é FOMO?
Foto: Canva / Arte: Quindim

Cirilo Tissot, mestre em psiquiatria pelo IPq-USP e diretor da Clínica Audeamus, explica que o FOMO “não é uma doença (pois não tem CID, a Classificação Internacional de Doenças), é um olhar psicológico”. De acordo com o médico, essa sensação ou fenômeno, como alguns especialistas chamam, é caracterizado por se estar sempre no futuro e não no presente. “Há a ansiedade em saber tudo o que os outros estão fazendo, monitorando tudo, o que gera angústia e vazio. [Há quem] esteja sempre pensando na escolha de tudo o que há disponível e não se divertindo com nada”, continua ele.

O estudo “Fear of Missing Out (FOMO): A Current Review”, da Faculdade de Educação da Yuzuncu Yil University, na Turquia, publicado em 2022, também define o FOMO como o “desejo constante de acompanhar as vidas emocionantes e gloriosas de outras pessoas pela internet e um estado de ansiedade constante sobre isso”.

No entanto, nem só da vida conectada é feita essa situação. “Antes mesmo da internet, já havia frases que mostravam a existência do FOMO (apenas não era nomeado) como a famosa fala: ‘a grama do vizinho é sempre mais verde’”, aponta Giovana Bruno da Silva, psicóloga e psicanalista.

O conceito do “fear of missing out” foi descrito pela primeira vez no ano 2000 por Dan Herman em um artigo acadêmico intitulado “The Journal of Brand Management”. A sigla, porém, surgiu quatro anos depois quando Patrick McGinnispor, um aluno de administração da Universidade Harvard, escreveu um texto para o The Harbus, publicação da Harvard Business School, usando FOMO para se referir a um aluno que participava de oito eventos em uma noite, na intenção de se encontrar com o máximo de pessoas possível.

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O que é FOLO?

Hoje, com a internet intrinsecamente no dia a dia das pessoas, a expressão é mais associada ao impulso de acompanhar, quase que em tempo real, tudo o que está acontecendo no mundo online, especialmente nas redes sociais. “Com o uso cada vez mais frequente da internet, estamos cada vez mais tendo acesso a diferentes formas de ser – formas essas, muitas vezes, idealizadas de acordo com o quão aceitas e famosas são nas redes sociais (estilos de vida, padrões de beleza, ideais financeiros, viagens, rotinas)”.

“É aí a que surge o FOLO”, continua Giovana, referindo-se ao “fear of logging off” ou medo de ficar desconectado. “Estar por fora do que é tido como ideal ou do que acontece nas redes sociais assombra cada vez mais a sociedade, principalmente os jovens, que ainda estão em estruturação de seus próprios valores. Com isso, um perfil ansioso e/ou com demandas em sua autoestima acaba estando mais à deriva de experienciar tais síndromes”, diz a psicóloga e psicanalista. 

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Foto: Canva

Cirilo dá um exemplo prático: “Nas redes sociais, o jovem encontra informações dizendo que há coisas melhores para fazer do que o que ele está fazendo agora, como uma festa onde amigos estão e ele não. Também existe o lado da competição, do que é preciso para ser considerado uma pessoa bem-sucedida”. O psiquiatra explica que o que nos aponta que estamos satisfeitos com algo depende do parâmetro usado – e, aos mais jovens, como crianças e adolescentes, falta maturidade para ter essa métrica.

Para completar a situação, em alguns casos, ainda surge a necessidade de postar o que se faz em diversos momentos ao longo do dia. Em crianças e adolescentes, tudo isso pode influenciar em atividades do cotidiano, como na escola e nas relações com a família.

Segundo aponta a Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), sentimentos como medo, ansiedade, agitação, irritação e apatia são comuns durante a infância, pois surgem a partir do enfrentamento dos desafios do crescimento. Porém, se essas experiências acontecem com grande intensidade, duração ou profundidade, podem acabar interferindo e desorganizando o cotidiano de crianças e adolescentes. Em meio a tudo isso entram as redes sociais e a falsa impressão que essas ferramentas podem transmitir de que todos têm vidas mais felizes e satisfatórias, contribuindo com o aumento da angústia, do se sentir inferior ou de estar de fora. E é aí que o FOMO aparece.

Veja também: Transtorno de Ansiedade Generalizada em crianças – como a literatura pode ajudar?

Os jovens brasileiros e a internet

A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) e pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), mostrou que, das quase 25 milhões de pessoas entre 9 e 17 anos que são usuárias de internet no Brasil, 24% (cerca de 5,9 milhões) tiveram o primeiro contato com o universo online até os 6 anos — dez anos atrás, pelo mesmo estudo, essa taxa era de 8%. Pode-se concluir, portanto, que os prejuízos trazidos por situações como FOMO e FOLO se aproximam cada vez mais das crianças. 

Outros dados da pesquisa, a partir do total de usuários de internet entrevistados, de 9 a 17 anos:

  • 83% usam a internet mais de uma vez por dia
  • 78% dizem usar redes sociais
  • 88% afirmam ter perfil em redes sociais

Quando perguntados sobre a rede social mais utilizada, as respostas foram:

  • Instagram: 36%
  • YouTube: 29%
  • TikTok: 27%
  • Facebook: 2%
  • Twitter: 1%
  • Não se aplica: 5%
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Como identificar os sintomas do FOMO?

De acordo com Giovana, alguns dos principais sintomas de que uma criança ou adolescente está vivendo FOMO ou FOLO, ou que isso pode vir a se desenvolver, são “grandes demandas em sua autoestima, como insegurança, vergonha, um perfil tímido e problemas com a autoimagem. São comuns também problemas no desempenho escolar, dificuldades para socialização e depressão”.

A especialista ressalta que a frequência no uso de redes sociais pode ser uma referência para investigação. “O jovem que não consegue se desconectar, que constantemente tira fotos do que vive, acompanha rotineiramente o que os outros estão fazendo, tem diminuição na interação social face a face, muda repentinamente de estilo/humor/comportamento, mostra alguns sinais que precisam ser investigados, podendo ser tanto em relação a essas síndromes tanto quanto para outros transtornos ou questões. Todo excesso mostra uma falta, é sempre importante avaliar de quais excessos os jovens têm se cercado”, explica ela.

De acordo com a especialista, de maneira geral, são sinais de FOMO:

  • Ansiedade diante da falta de acesso a redes sociais;
  • Constante verificação de redes sociais;
  • Reprimir (inconscientemente ou conscientemente) desejos, ideais e valores próprios, para a priorização e adequação do que o outro faz; 
  • Dificuldade em concentração devido ao uso do celular;
  • Desvalorização de si próprio, como sensação de insuficiência diante do outro;
  • Mudanças repentinas de humor conforme se utiliza das redes sociais;
  • Inveja do outro (amigos, influenciadores, celebridades).

Sem conseguir desconectar

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Foto: Canva

Em 2015, o estudo “#Being13: Inside the Secret World of Teens” se propôs a saber mais sobre a relação entre jovens de 13 anos e as redes sociais. Surgiram relatos como: “eu preferiria não comer por uma semana do que ter o meu celular levado embora”; “quando tiram o celular de mim, sinto como se estivesse nua”; “eu realmente me sinto vazia sem meu celular”.

No projeto, mais de 200 jovens dos Estados Unidos permitiram que suas redes sociais fossem estudadas por especialistas no desenvolvimento infantil. “Acredito que eles estão viciados na conexão entre pares e na afirmação que conseguem através das redes sociais“, disse a psicóloga clínica infantil Marion Underwood, co-autora do estudo, em entrevista à CNN. “Saber o que os outros estão fazendo, onde eles estão, saber quantas pessoas gostaram do que postaram, quantas pessoas os seguiram hoje e deixaram de segui-los… Isso, eu acho, é altamente viciante”, seguiu ela. Outro autor do estudo, o sociólogo Robert Faris, comentou que “existe muita ansiedade em saber o que está acontecendo online quando eles não estão online, o que leva a verificações compulsivas”. 

Na pesquisa realizada com jovens norte-americanos de 13 anos:

  • 61% disseram que queriam checar se seus posts estavam ganhando curtidas ou sendo comentados;
  • 36% afirmaram querer ver se os amigos estavam fazendo algo sem eles;
  • 21% declararam o desejo de ter certeza de que ninguém estava dizendo coisas ruins sobre eles;
  • Os usuários mais ativos de redes sociais admitiram checar suas contas mais de 100 vezes por dia, às vezes durante o tempo em que estão na escola.

“O ser humano é um ser sociável, precisamos do outro desde o momento em que nascemos por questões de sobrevivência. Após esta primeira infância, o outro ainda tem um papel importante em nossas vidas como referência daquilo que achamos ser ideal ou não para nós. Conforme vamos amadurecendo, o outro vai tendo cada vez menos ‘peso’ em nossa formação psíquica. Vamos nos estruturando e nos fortalecendo internamente. Porém, muitas vezes, acabamos mantendo essa voz do outro (grupos de amizade e família, por exemplo) em um patamar tão forte, que acabamos deixando de olhar para o que realmente faz sentido para nós mesmos. É aí que podemos ficar mais propensos a desenvolver o FOMO e/ou o FOLO”, explica Giovana. 

É possível prevenir o FOMO?

Um dos caminhos é oferecer momentos offline que tragam prazer, de maneira a mostrar para a criança e o adolescente que estar conectado não é o único caminho para encontrar momentos de bem-estar. Giovana destaca que o “controle parental também pode ser interessante para que os pais estejam cientes do que tem tornado as redes sociais tão atraentes para os filhos”. 

Mesmo assim, deve-se ter em mente que não é possível manter o controle de tudo o que os filhos acessam ou fazem. Por isso é tão importante estabelecer com eles um vínculo afetivo de confiança. “Acolhimento, afeto e diálogo também acabam influenciando no desenvolver psíquico de crianças e adolescentes, sendo estes alguns dos fatores que mais proporcionam o desenvolver de uma autoestima saudável e de uma relação de confiança, que permite ao jovem ter o adulto como um suporte do qual possa contar em momentos ou questões de insegurança”, ressalta a especialista.

Esse movimento também se faz de extrema importância quando o FOMO ou FOLO já está presente na vida da criança. “O acolher implica um olhar humanizado para este jovem, que precisa ser enxergado como um ser humano que tem medos, desejos, vergonhas, sonhos, que podem estar sendo comprometidos por questões que vão além da compreensão do mesmo. Daí a importância também de, ao notar qualquer sinal ou característica preocupante, realizar o encaminhamento para um profissional que possa avaliar, identificar e lidar com tais demandas”, conclui Giovana.

Veja também: Entrevista com Daniel Spritzer: como as famílias podem estabelecer um consumo mais saudável de telas.

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O que é JOMO?

Mas o que seria o oposto ao FOMO? Também há uma sigla para isso, o JOMO: “joy of missing out“, ou “alegria de ficar de fora”. Trata-se de aproveitar o que está acontecendo no presente e manter o foco no que faz você feliz agora. Dentro do contexto do FOLO, o JOMO também é o movimento de se desconectar e viver o que se passa fora das telas. 

O psiquiatra Cirilo Tissot explica que “estar no aqui e agora é estar satisfeito com o que se está fazendo neste momento e também com o que não se está fazendo”. Segundo ele, para superar o FOMO, é necessário passar pela sobriedade.

“É preciso desenvolver o controle, não fazer somente aquilo que se deseja fazer. Os pais podem ajudar ao oferecer opções fora da internet. Ao estar conectado, o jovem está criando valor sobre aquilo, sobre o tempo que está ali. Os pais podem incentivá-lo a criar valor também sobre outras atividades. Um exemplo é, ao invés de falar com um amigo pelo WhatsApp, ir até a casa dele para conversar. Essa conversa pessoalmente vai criar intimidade e, por isso, trazer até mais satisfação”. Para se manter no aqui e agora também ajudam práticas de mindfulness e meditação para crianças, numa intenção de treinar para lidar com a ansiedade e o ciclo do prazer, pontua o médico.

Leia também: Livros para ler com os filhos em casa

Fontes

Artigo: “Depressão entre crianças e jovens: como ajudar?” – Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP)

Review: “Fear of Missing Out (FoMO): A Current Review” – Faculdade de Educação da Yuzuncu Yil University.

Artigo: “Saúde mental dos adolescentes” – Organização Pan-americana de Saúde (OPAS-OMS)

Estudo: “TIC KIDS Online Brasil 2023″ – Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) e pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br)