Famílias cada vez menores, isolamento durante a pandemia, uso excessivo de telas. Tudo isso contribui para que o entrosamento entre as crianças acontecesse com menos fluidez e com mais dificuldade de criar vínculos. Mas muita calma, porque há boas notícias. Em pouco tempo, a proibição do uso de celulares nas escolas mostrou que as crianças e os adolescentes seguem tendo grande capacidade de interação e, com as telas fora de alcance, exercem a criatividade para elaborar outras formas de divertimento.
Mas e fora da escola, como podemos estimular a socialização das crianças? Para debater sobre isso, conversamos com seis educadoras ligadas ao movimento Quintais Brincantes, uma rede que conecta pessoas de todo Brasil para promover atividades ao ar livre em espaços seguros.
Nosso papo contou com a participação de Mineia Oliveira, que atua na Zona Leste de São Paulo (SP), Taiana Simões, de Niterói (RJ), Larissa Maris, da cidade mineira de São Lourenço, Josira Teixeira, de São Luís do Maranhão, Bru Rodrigues, que vive em Curitiba (PR), e Tais Fróes, de Salvador (BA). Trabalhando com realidades diferentes entre si, elas refletem sobre a importância do entrosamento na infância e apontam caminhos possíveis para fazê-lo acontecer, especialmente em ambientes abertos.
Brincar com outras crianças ao ar livre: uma atividade que deve ser priorizada
Brincar não é apenas distração e passatempo. Essa atividade também deve ser vista como linguagem humana, desenvolvida na infância para que a criança se relacione com o mundo, com outras pessoas e consigo mesma. Tal conceito foi amplamente defendido na conversa que tivemos com as educadoras. Tendo isso em mente, os adultos passam a compreender que o ato de brincar deve ser uma das prioridades na vida das crianças.
Ao estabelecer a importância do brincar como método, outro aspecto também se torna central: as crianças precisam ter contato com a natureza. Ambientes ao ar livre expandem as possibilidades de interação não apenas com o meio, mas também com outras crianças.
Corpos precisam de espaço. Ao encontrar espaço, os instintos do corpo são aflorados – e um deles é, justamente, o de socialização. Em diversos momentos do bate-papo, as educadoras ouvidas pelo Clube Quindim frisaram que as crianças têm a linguagem da natureza dentro de si, por mais que, em muitos contextos, isso esteja adormecido. É preciso haver um resgate.
Elas também ressaltam que as crianças estão, o tempo todo, buscando se relacionar. Mas, para que isso aconteça de fato, é necessário que os adultos estejam empenhados em viabilizar o convívio entre os pequenos. A intencionalidade precisa existir.
A gente sabe que a vida corrida dificulta as coisas. Mas a reflexão é urgente. E para que as crianças possam conviver entre si, é importante que essa mensagem seja assimilada de maneira coletiva. Então, que tal incentivar o diálogo a respeito disso com outras mães, pais, avós, tios e demais adultos?
Refletindo sobre hiperestímulo infantil, contato com a natureza e livre brincar
Diversos especialistas em infância têm debatido sobre a questão do hiperestímulo presente na vida das crianças contemporâneas. Muitos adultos acreditam que, para brincar, aprender e se entreter, a criança precisa ser constantemente direcionada e estimulada.
As educadoras ligadas ao movimento Quintais Brincantes também abordam o tema, frisando que é necessário desconstruir essa máxima. É importante que as crianças tenham certa autonomia para exercer a criatividade no ato de brincar e de se relacionar com seus pares. Isso expande o raciocínio e a capacidade de sociabilização.
Nesse contexto, é bem-vindo que as crianças possam brincar com objetos, “cacarecos” e elementos da natureza que, num primeiro momento, não são vistos como elementos brincantes. Alguns objetos como potes, garrafas, palitos de sorvete, tecidos, funis, colheres, prendedores de roupa, entre outros, podem auxiliar os pequenos no ato de interagir com a natureza e entre si.
Que tal pensar coletivamente sobre o entrosamento infantil?
Aqui, é importante frisar que os adultos não precisam propor as interações propriamente ditas – as crianças precisam de liberdade para desenvolver sua brincadeiras sem limitar sua criatividade -, mas é fundamental viabilizar que ela possa ter momentos assim.
A importância da sociabilização e do brincar deve ser assimilada de maneira coletiva para que o encontro entre as crianças possa acontecer de fato. Dessa maneira, os adultos também conseguem unir forças para que atividades de integração sejam viabilizadas com segurança e criatividade, levando em consideração a realidade de cada lugar e grupo social.
Tente engajar as famílias do seu prédio, do bairro, do escritório, da escola. Até mesmo o RH das empresas e as lideranças religiosas podem ser chamados ao debate. Proponha passeios e encontros, estimulando outros adultos a darem ideias para novas atividades e pontos de encontro. Dessa maneira, é possível promover o reencantamento dos adultos pelos espaços públicos das cidades – o que beneficia a todos.
E, com a união de forças, fica mais fácil cobrar a criação e a melhoria de espaços destinados aos pequenos – junto ao poder público, aos condomínios e a centros de convívio em geral.
Que tal fazer parte da construção de festividades que acontecem no seu bairro ou cidade? Eventos que envolvem música, dança, gastronomia e outras formas de manifestação cultural são ótimos espaços para o fortalecimento de vínculos. E as crianças podem fazer parte disso!
Você também pode aproveitar outras datas festivas para propor atividades de entrosamento entre as crianças. Que tal organizar uma caça aos ovos de Páscoa ou uma festinha junina no seu prédio? Ou aproveitar o aniversário de adultos para elaborar atividades voltadas aos pequenos, em vez de deixá-los em frente a telas?
As possibilidades também estão dentro de casa
Em muitos territórios, a falta de segurança e a escassez de espaços agradáveis ao ar livre traz enormes dificuldades para que as famílias possam ter contato com a natureza. Por isso, é necessário entender que o debate sobre sociabilização e brincar é atravessado por múltiplos fatores que compõem as distintas realidades do nosso país.
Então, é importante ter em mente que dentro de casa também podemos exercer o entrosamento e o estímulo da criatividade dos pequenos. Objetos do dia a dia e “cacarecos” abrem múltiplas possibilidades – e isso se estende ao ambiente doméstico. A massinha de modelar caseira, por exemplo, já virou um clássico e pode unir os menores em torno da atividade. Os famosos livros de pintar também são ótimas opções de diversões, onde podemos espalhar diversos materiais de pintura e colorir todos juntos.
E que tal colocar a criançada para cozinhar? Essa é uma ótima atividade, que gera entrosamento, aprendizado e realização pessoal. Leituras de livros em grupo também são uma ótima opção, podendo estimular conversas e brincadeiras entre os pequenos.
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Movimento de resgate: adultos também são seres brincantes
As seis educadoras com as quais conversamos são unânimes em frisar que os adultos precisam se reconhecer como seres brincantes, em vez de apenas observar, direcionar e controlar as atividades das crianças.
Enquanto sujeitos ativos do brincar, os adultos facilitam o entrosamento das crianças e incentivam outros tutores a fazer o mesmo. Isso amplia os laços entre todos os envolvidos e faz com que os adultos assimilem mais facilmente o brincar como uma das prioridades no desenvolvimento infantil e no amplo fortalecimento dos laços sociais. Somos todos parte desse movimento. Refletir a respeito do tema é o primeiro passo — com propósito e intenção.
Estante Quindim
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