Seu filho está em casa, dentro do quarto, sentado no sofá ou na cama, bem diante de você. O que poderia acontecer de ruim? A ideia aqui não é criar pânico, mas, se ele tiver um celular, um tablet ou um computador com acesso à internet, e não houver ninguém supervisionando com atenção o que ele está fazendo, ele está tão ou até mais exposto a riscos, do que se estivesse na rua.
Não é fácil, mas os pais e responsáveis precisam saber o que está acontecendo, com quem a criança conversa, o conteúdo que acessa e o que ela faz online – da mesma forma como fariam se ela estivesse com amigos na escola, na praça, na área comum do condomínio, em uma festa de aniversário…
“Até que essa criança ou esse adolescente complete 18 anos, quem responde por tudo o que eles fazem, inclusive, criminalmente, se for o caso, são os pais”, alerta Sheylii Caleffi, escritora e ativista, pesquisadora nas temáticas de redes sociais e seus riscos.

Parece uma informação consolidada e óbvia quando falamos da vida fora das telas, mas as pessoas costumam se esquecer que isso vale para o ambiente virtual. Talvez por isso, recentemente, a série britânica Adolescência, da Netflix, tenha chocado tanta gente, ao redor do mundo.
Ainda que seus filhos sejam pequenos e que provavelmente leve alguns anos para que possam ganhar um celular ou chegar à adolescência, na geração atual, o contato com as telas e com a internet faz parte do dia a dia desde muito cedo. Por isso, a educação midiática também precisa começar o quanto antes. É importante que as crianças, os adultos, as famílias, a escola e a sociedade como um todo saibam lidar com as redes sociais.
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Como saber se seu filho está preparado?
Embora muitas crianças tenham acesso precoce às redes, a maioria das plataformas, ao menos na teoria, tem um limite mínimo de idade, que costuma ser 13 anos. Isso não significa que os mais novos deixam de acessar a internet e tampouco que, ao atingir essa idade, eles fiquem “magicamente” prontos e maduros para lidar com tudo o que se apresenta ali.
“Hoje, as crianças já sabem o que são redes sociais desde muito pequenas, então, temos de ensinar a elas o que é respeito, o que não é; o que é intimidade, o que não é; os tipos de risco que existem; contar que existem adultos que se disfarçam de crianças, que tudo ali pode ser mentira; que existem muitas notícias falsas, desinformação; que nunca podemos confiar no que está escrito em uma rede social; que é preciso buscar a fonte; que precisamos aprender a pesquisar… Tudo isso é educação midiática”, diz Sheylii.
É claro que não se trata de chamar uma criança pequena para uma conversa, colocá-la sentada diante de você e despejar em seus ouvidos todas as crueldades que existem na internet, como uma espécie de terrorismo. São diálogos que podem ir acontecendo aos poucos, em linguagens e com contextos que os pequenos compreendam, de acordo com cada faixa etária, conforme as situações e oportunidades.
quais são os perigos das redes sociais para crianças?
A internet é um lugar que possibilita a conexão com pessoas e o aprendizado, mas é preciso ter muito cuidado e ensinar as crianças a terem também. “É importante que elas saibam o que é intimidade, privacidade, segurança, como funcionam as senhas, quais são as atitudes seguras para evitar que alguém se aposse do seu aparelho, não no sentido físico, mas evitar que seja hackeado, que alguém invada contas, te chantageie de alguma maneira… Se os adultos caem em golpe, imagine as crianças!”, destaca.
Um ponto importante, do qual adultos e crianças parecem se esquecer quando o assunto é a internet, por exemplo, é que tudo o que você posta fica ali para sempre. “Somos muito mal-educados sobre as redes sociais e ao que devemos ou não expor sobre a nossa intimidade ou a nossa opinião”, avalia a pesquisadora. “Quando está só você e o celular no quarto, parece que é um ambiente de intimidade, mas é um espaço público e feroz, com pessoas que não são suas amigas”, acrescenta.
É fundamental construir essa noção desde cedo nas crianças. “As redes sociais se vendem como um local de entretenimento, seguro. O TikTok, por exemplo, é uma rede com muitas crianças, mas esse público nem deveria estar lá”, alerta Sheylii. “Muitos adultos não sabem que existe uma classificação etária, não compreendem os riscos e isso tem muito a ver com o posicionamento das redes, que sempre que fazem uma propaganda dizendo que elas servem para conhecer gente, descobrir seus hobbies, ver outras pessoas que gostam das mesmas coisas. Sabemos que essa é uma parte das redes sociais, mas não é o foco”, aponta.
Ela destaca uma informação essencial, que, muitas vezes, nos escapa: as mídias sociais são ferramentas de comércio, que têm o objetivo de gerar lucro. “Elas têm o poder de transformar as crianças em consumidoras desde cedo”, diz a ativista. “Existem pesquisas que comprovam que as redes sociais sabem quando uma criança posta uma foto e deleta logo depois. Então, enviam propagandas de produtos de maquiagem, por exemplo, para induzir a criança”, diz ela.
O algoritmo entende que a criança está com uma baixa autoestima e que não gostou da foto, por não se achar bonita, já que se arrependeu de ter feito a publicação. Ao saber da fragilidade, tentam abordá-la com publicidade. “No ano passado, os produtos mais vendidos no Dia das Crianças nos Estados Unidos foram kits de skin care, algo de que criança nem precisa”, lembra Sheylii.
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todos juntos em busca de solução
Embora os pais sejam responsáveis por supervisionar o uso da internet por crianças e adolescentes até que atinjam a maioridade, não há como eles assumirem essa tarefa sozinhos. “É um problema que não foi criado pelos pais, pela escola ou pelo governo. Foi criado por três ou quatro empresas, que mandam em toda essa maquinaria. Então, elas precisam ajudar a resolver”, afirma a escritora. “Então, sim, temos a família como responsável, mas também temos a escola, que vai precisar educar todo mundo nesse sentido, o governo, que precisa fazer leis para regular, e precisamos das próprias redes, que criaram o problema, atuando na solução”, defende.
Por que, afinal, tanta gente é contra quando se fala em regular redes sociais? Para Sheylii, isso está ligado ao fato de poucas pessoas terem disponibilidade e dedicação para estudar o assunto com a devida profundidade. “Para as famílias, que saem cedo para trabalhar e voltam tarde, e não têm isso como objeto de estudo, é muito difícil entender essa lógica. Para elas, em geral, as redes sociais são boas. Se você vende algum produto, um artesanato, uma bijuteria, qualquer coisa, as redes têm benefícios, porque ajudam a divulgar o trabalho”, exemplifica. O conteúdo praticamente infinito, distrai e entretém as crianças, enquanto os adultos realizam outras tarefas ou descansam.
O que fazer antes de deixar que seu filho tenha acesso
Seja por meio de plataformas de jogos, de vídeos, aplicativos de mensagens ou de redes sociais, a resposta sobre quando as crianças estão prontas para, finalmente, terem acesso à internet, não é simples e nem única. “A recomendação internacional para que a criança tenha um celular é a partir dos 14 anos e rede social a partir dos 16, mas é a família que tem de decidir”, diz Sheylii.
Ela dá o exemplo de uma amiga que, ao decidir que o filho poderia ter acesso, pediu que ele escolhesse apenas uma rede social em que gostaria de estar, para que ela tivesse tempo de monitorar, já que não conseguiria ficar de olho em todas. Outras pessoas optam por desligar a internet de casa à noite, no horário que a família tem para passar um tempo junto. “Cada família tem de tomar as suas decisões de acordo com as suas necessidades, mas, para isso, é preciso que saibam quais são as recomendações e os riscos envolvidos”, alerta a especialista.
Outro ponto a se considerar quando for decidir se a criança está ou não preparada para ter um celular ou acesso às redes é: será que ela está pronta para ter as conversas necessárias? E mais: será que vocês, pais, estão preparados para tocar em assuntos complexos com seus filhos? “Você tem de estar disposto a falar sobre pornografia, suicídio, uso de drogas ilegais, vape, consumismo, apostas, autolesão, comparação, distúrbios alimentares… Porque tudo isso vai aparecer nas redes”, alerta Sheylii.
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vai ter celular com internet? Olhar atento o tempo todo!
Uma vez decidido que, sim, seu filho pode ter acesso a conteúdos online e talvez até a um celular, existem medidas essenciais que as famílias devem tomar, além de manter o diálogo aberto, como você já sabe. Aqui, Sheylii lista alguns dos pontos principais:
- De olho em tudo: É indispensável acompanhar tudo o que eles fazem. Antes de dar o aparelho, faça um acordo, combinando de verificar as mensagens e aplicativos com certa frequência, diga que você precisa ter a senha de tudo e use aplicativos de controle parental como Family Link e Qustodio, entre outros.
- Saiba que vai dar trabalho: Não dá para permitir o uso do aparelho e simplesmente confiar que seu filho está seguro. Saiba que vai dar trabalho, você precisará monitorar, orientar, decidir, impor limites, bloquear o que for necessário e, sobretudo, ter conversas importantes sobre o que seu filho vê na internet.
- Limites de tempo: As redes sociais, jogos e plataformas de streaming têm conteúdos infinitos. Quando um vídeo está terminando, por exemplo, logo aparece outro. Além disso, o algoritmo é projetado para prender sua atenção, assim como as notificações. Se não é fácil manter o controle sendo adulto, imagine para uma criança. Defina limites de tempo de uso, estabeleça regras como a de não usar celular na hora das refeições e não levar o celular para o quarto, na hora de dormir. E, é claro, siga as regras você também.
- O aparelho é dos pais e não da criança: Como a responsabilidade por tudo o que seu filho faz, enquanto for menor de idade recai sobre você, deixe claro que aquele aparelho é seu e que você está emprestando à criança. Parece bobo, mas faz diferença na hora de manter o controle e a supervisão.
- Seu filho não pode ter medo de você: Embora seja fundamental estabelecer limites e regras, os pais precisam garantir que a relação seja clara e abrir espaço para um diálogo saudável. A criança precisa saber que, se houver algum problema, ela pode recorrer a você, que você vai ouvir e ajudar a resolver e não tirar o celular dela, por exemplo. Caso contrário, a tendência é esconder e omitir.
- Observe e conheça seu filho: É o ponto principal. Fique atento ao comportamento, em eventuais mudanças, se está obcecado (a) em se arrumar demais, em consumir, se está se comparando com outras pessoas, se não quer ir para a escola, se quer ficar o tempo todo nas redes sociais, alterações no sono, no apetite, mudanças de humor, irritabilidade, se está viciado no celular… Além disso, tenha momentos de conexão offline, assistam a filmes juntos, conversem, passeiem, leiam juntos, façam programas em família. Entenda quem seu filho é e do que gosta.
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Estante Quindim
Conheça 3 livros infantis que podem ajudar as famílias a conversarem sobre o uso da internet com os filhos e entender a importância da educação midiática.