Esta é a história do Senhor Aparecido, um homem com traços tão bonitos e marcantes, admirado por todos. Não importava seu nome nem quem ele era, nem do que gostava ou não gostava. Apenas importava o que ele aparentava ser. Então, o homem comprou um celular com uma câmera de última geração e passou a registrar sua presença em toda parte.
Eram cliques, cliques e mais cliques — e o Senhor Aparecido vivia entretido e bem satisfeito com isso, até perceber que, a cada foto que tirava, um pouco menos definido ficava o seu rosto na vida real!
Antes mesmo das reflexões absolutamente necessárias, a obra da espetacular dupla formada pela escritora polonesa Olga Tokarczuk e pela ilustradora Joanna Concejo, virá provocar um enorme incômodo. É o desconforto de testemunhar alguém com um comportamento no mínimo reprovável, ao mesmo tempo em que nos damos conta, secretamente, de que fazemos o mesmo.
As páginas iniciais do livro se abrem como um antigo álbum de fotografias e, assim, somos conduzidos pela infância do personagem; sobrevém a página de rosto com um vermelho terroso, apresentando o título, os nomes das autoras, a tradução, a editora, mas também intrigantes círculos pretos... é a partir deste ponto que a narrativa verbal se mescla com a linguagem cinematográfica e a divisão em quadros de uma novela gráfica — e o conto seguirá seu ritmo, levando-nos a refletir sobre tudo o que abrimos mão, dentre muitas outras coisas, em troca das recompensas oferecidas pela exposição nas redes sociais... Este livro nos permite evocar os versos de Cassiano Ricardo, no poema “O relógio” —
Diante de coisa tão doída
Conservemo-nos serenos.
Cada minuto da vida
Nunca é mais, é sempre menos.
Ser é apenas uma face
Do não ser, e não do ser.
Desde o instante em que se nasce
Já se começa a morrer.
O quanto deixamos de viver e experimentar planejando apenas o melhor ângulo para posts e stories? Quando vale um like, um compartilhamento? Quanto custa o milímetro quadrado do padrão de beleza atual?