A compreensão da criança de quem ela é passa pelo reconhecimento do seu próprio corpo e, consequentemente, da sua aparência. O ideal é que esse processo seja gradativo e conduzido com respeito por si e acolhimento. No entanto, não é sempre assim que acontece e a infância pode se tornar o início de uma relação turbulenta com a própria imagem.

Embora seja uma questão mais recorrente na adolescência, problemas de autoimagem também atingem crianças pequenas. A psicóloga Teresa Muller, especializada em transtorno alimentar, explica que o público infantil começa a entender a própria imagem entre os dois e três anos, quando se olha no espelho. “Essa percepção se aprimora à medida que os cuidadores nomeiam as partes do corpo da criança e ela passa a reconhecê-las”, pontua Muller. 

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Foto: Canva

Se essa apresentação do próprio corpo à criança é realizada com afeto e reforçando as características positivas — com frases como “você é bonita”, “você é forte”, “você é capaz” —, a probabilidade da autoestima infantil ser construída de forma positiva é maior. “No entanto, se o ambiente no qual ela está inserida é permeado por críticas, ela tende a internalizar esses comentários e desenvolver uma percepção negativa de si mesma”, reflete Muller. 

Já dos cinco aos sete anos, a relação da criança com a própria imagem não se restringe mais a influência apenas dos seus cuidadores. Com a entrada na escola e a convivência com seus pares, o pequeno passa a se perceber a partir da comparação com o outro. “As comparações fazem parte do processo de desenvolvimento e construção da identidade, mas podem tornar-se problemáticas quando passam a ser usadas como critério de desvalorização pessoal, especialmente ligadas ao corpo e aparência”, enfatiza a psicóloga.

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Quais são os sinais que demonstram o descontentamento da criança com sua imagem?

As demonstrações da criança de estar infeliz com a sua aparência podem ser objetivas ou não, vocalizadas ou não. E embora possam ser bastante particulares a cada indivíduo, é possível perceber alguns sinais comuns, como:

  • Comparar-se com outras colegas, verbalizando frases como “as meninas da minha escola são mais bonitas do que eu” ou “minha amiga é mais magra” — e aqui, atenção para frases em que haja reforço da ideia errônea de que magreza é uma referência somente positiva ou desejada;
  • Fazer escolhas baseadas na vergonha da própria aparência, como deixar de usar um peça de roupa por não se sentir bem dentro dela;
  • Fazer comentários autodepreciativos, como ‘sou feia’ ou ‘ninguém gosta de mim porque sou gorda’, revela novamente como certos padrões corporais são vistos como negativos em comparação a outros considerados ideais;
  • Evitar se olhar no espelho;
  • Ficar irritada ao ter que escolher roupas;
  • Recusar-se a tirar fotos ou querer se esconder atrás durante o clique;
  • Preferir roupas mais largas, que escondam o corpo;
  • Evitar eventos sociais por vergonha de si;
  • Mudanças no comportamento alimentar, como recusar comida, evitar certos alimentos por medo de ganhar peso, comer escondido e entre outros.

“Esses sinais indicam que a criança está desenvolvendo uma percepção negativa a respeito da própria imagem. Caso esse sofrimento não seja acolhido pelos cuidadores, pode evoluir para quadros mais graves, como ansiedade, depressão, transtornos alimentares…”, alerta Muller. 

Ainda segundo a psicóloga, essa relação negativa da criança com a sua aparência não surge repentinamente e se dá por uma soma de fatores. Ela cita o bullying; um ambiente familiar crítico em que há comentários frequentes sobre o corpo da criança ou dos próprios pais, fazendo com que ela associe seu valor pessoal à aparência; padrões estéticos irreais observados em brinquedos e desenhos; exposição precoce à internet sem monitoramento, entre outros fatores sociais e familiares.

Sobre o último ponto, Muller reforça: “Filtros que alteram a aparência podem levar a criança a rejeitar sua imagem real no espelho. Além disso, conteúdos que promovem dietas milagrosas, culto ao corpo magro e/ou musculoso e rotinas de exercícios exaustivas podem incentivar comportamentos disfuncionais relacionados à alimentação. A criança, com pensamento crítico ainda em formação, pode acreditar que precisa se moldar a esses padrões para ser aceita ou valorizada. A exposição a esses conteúdos pode aumentar a vulnerabilidade para o desenvolvimento de transtornos alimentares”.

6 atitudes práticas para ajudar a criança fortalecer sua autoestima

Na primeira infância, com as bases em formação, é fundamental observar, escutar e experimentar diferentes formas de ajudar a criança a enfrentar uma situação que a incomode. É o caso de quando ela não está conseguindo lidar com a própria aparência. Pensando nisso, a psicóloga especializada em transtornos alimentares listou seis maneiras de ajudar seu filho ou filha a construir uma autoestima mais fortalecida.

1. Lembre a criança que o corpo dela é mais do que aparência

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Foto: Canva

Ao invés de tecer elogios baseados no peso, altura ou características específicas, o indicado é que os pais exaltem outras qualidades da criança. E, ao falar sobre o corpo, ressaltem que ele é belo, importante e valorizado do jeito que é. E mais: que nosso corpo não é um objeto apenas para ser admirado e manipulado, mas que permite nossas vivências e experiências no mundo.

2. Estenda os elogios para as pessoas próximas

Uma das formas de aprendizagem da criança é pela observação. Isso significa que não adianta os pais elogiarem os corpos dos filhos e dizerem atrocidades sobre suas próprias aparências ou a dos outros. Além da confusão mental que fica para a criança, esse tipo de comportamento normaliza comentar sobre o corpo do outro, como se ele fosse público — e não, ele não é.

3. Estimule a diversidade corporal

A criança precisa ser ensinada, ainda na primeira infância, que corpos são diferentes e todos têm a sua beleza. Para tornar o assunto palatável ao público infantil, Muller orienta os pais a usarem livros e outros materiais com personagens diversificados. 

O mesmo vale para quando for comprar os brinquedos, priorizando bonecos de diferentes formatos e cores, e assistir a desenhos e filmes com protagonistas que tenham aparências variadas. Já nas brincadeiras práticas, o ideal é evitar reforçar estereótipos, como estabelecer que a princesa é magra e linda, enquanto que a vilã é feia e gorda.

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4. Acompanhe de pertinho o uso de telas

A internet pode ser uma ferramenta importante para ajudar a criança a entender a pluralidade do mundo que existe ao seu redor. Mas, para isso, é preciso que os pais e cuidadores orientem os pequenos sobre o uso de telas, pois há também muito conteúdo nocivo que só cria mais gatilhos negativos em quem assiste.

Além de verificar qual conteúdo está sendo consumido, é fundamental dialogar sobre ele. Faça perguntas como: “o que você achou do que assistiu?”; “você se sente bem com esse tipo de desenho”?; “qual personagem desse filme você mais se identifica?”. 

Veja também: Como as famílias podem estabelecer um consumo mais saudável de telas?

5. Estimule o diálogo sobre o assunto

Antes de dormir, durante o almoço, se preparando para o banho… Qualquer lugar é propício para iniciar conversas descontraídas sobre o dia a dia da criança e reforçar para ela que não há nenhum assunto que ela não possa conversar com os pais. 

O diálogo afetuoso e acolhedor é tão importante que “crianças que se sentem à vontade para falar sobre seus sentimentos com seus familiares têm menos chance de desenvolver transtornos alimentares, pois aprendem a validar seus sentimentos e emoções e não reprimi-los”, reflete Muller.

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Foto: Canva

Em outras palavras, aprender a expressar qualquer emoção livremente, sem medo de julgamentos, graças a um ambiente seguro criado em casa, evita que a criança tente reprimir seus sentimentos a qualquer custo.

6. Busque ajuda profissional, se necessário

Muller alerta: “Se notar sinais de sofrimento psíquico, mudanças no comportamento alimentar ou autodepreciação, procure acompanhamento psicológico especializado em infância e transtornos alimentares. A escuta empática e o apoio profissional podem prevenir o agravamento do quadro”.

Os comportamentos citados anteriormente são perigosos, podem evoluir para transtornos e não devem ser levados como algo temporário da infância, já que é nesse período que se constrói a base da criança.

Veja também: 8 livros para ler com seu filho num dia ruim na escola

ESTANTE QUINDIM

Conheça três livros infantis cujas histórias retratam preocupações sobre a aparência e incentivam a construção de uma autoestima positiva.

Feio, eu? (escritora Silvana Tavano, ilustrações Mariana Demuth, editora: Livros da Matriz)
Feio eu?, de Silvana Tavano e Mariana Demuth
Bicho Bolota (autora Olga de Dios, editora Boitatá)
Bicho Bolota, de Olga de Dios
Elmer, o elefante xadrez (autor David McKee, editora WMF Martins Fontes)
Elmer, o elefante xadrez, de David McKee