Uma das dúvidas mais comuns entre as famílias é sobre um livro ser adequado para crianças ou não. Quando o assunto são as ilustrações, essa dúvida se torna ainda maior: será que uma determinada obra tem desenhos o bastante para chamar a atenção do meu filho? Ou o oposto: será que tem muita arte e pouco texto? E será que a criança vai conseguir entender o que está ilustrado, se forem desenhos muito diferentes do que estamos acostumados a ver? O que dizer, então, das páginas quase que totalmente vazias, com poucas ou nenhuma ilustração?
São muitas dúvidas. Mas, antes de tudo, tenha em mente que as ilustrações em um livro, seja ele para crianças ou para adultos, têm uma função. Muito mais do que deixar uma obra bonita, ou torná-la impactante, os desenhos têm o poder de dialogar com o texto escrito, complementando o que está sendo dito, mas também podem se contrapor às palavras, contando uma narrativa diferente. As ilustrações são tão poderosas que são ainda capazes de contar, sozinhas, toda uma história, sem precisar de uma palavra sequer.
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Mitos sobre ilustrações em livros infantis
No entanto, assim como acontece com vários outros aspectos dos livros infantis, como a quantidade de palavras, o gênero literário e os temas abordados, as ilustrações nos livros para crianças também são envolvidas em diversos mitos.
Para que você não se limite a oferecer sempre os mesmos tipos de obras para as crianças, contribuindo para a formação leitora dos pequenos e também para a construção de um repertório cultural rico, amplo e bem diverso, conheça algumas das mentiras mais comuns sobre as ilustrações em livros para os pequenos.
1. Todo livro para bebê ou criança pequena precisa ter mais imagem do que texto
Renata Nakano, idealizadora e diretora-geral do Clube Quindim, comenta sobre esse mito começando por um ponto fundamental, que é: a literatura, enquanto arte, não pode ter leis rígidas. “As regras na arte existem para serem rompidas, quebradas. O que acontece é que, como os bebês têm um tempo de concentração menor e ainda estão assimilando as primeiras palavras do seu vocabulário, a fluência de leitura é menor. Com isso, é comum que o livro tenha pouco texto, porque um livro com muito texto não vai conseguir reter a concentração dessa criança por muito tempo”, explica.
Mas isso não quer dizer que, obrigatoriamente, um livro para bebês e crianças pequenas terá todos os seus espaços preenchidos por ilustrações. “Pode ser um livro mais silencioso, por exemplo, com pouco texto e muito espaço — e não necessariamente esses espaços serão preenchidos com imagens”, afirma Renata.
2. Imagem em preto e branco não é para criança
Como já abordado pela escritora e ilustradora Graça Lima, esse é outro equívoco que costuma ser bastante comum: a ideia de que, para ser bom para uma criança, um livro precisa ter ilustrações muito coloridas. Como o preto e o branco também são cores, Renata explica que essa é, portanto, muito mais uma questão cultural, de um imaginário construído sobre a cultura da infância, do que algo que tem relação com uma argumentação concreta. “Há até um aspecto muito interessante sobre isso”, diz Renata: “nos bebês pequenos, a visão ainda não está muito desenvolvida; então, as imagens com alto contraste, como o preto e o branco, os ajudam a enxergar melhor”.
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3. Ilustração para criança precisa ser bonita
“A noção do que é belo é algo construído culturalmente. Assim, o que é belo para uma cultura pode ser feio para outra”, explica Renata. É comum que algumas famílias esperem que ilustrações voltadas para crianças sejam perfeitas, com traços claros e bem definidos, como nos desenhos da Disney, por exemplo. Mas existem muitos outros tipos de ilustração, que podem usar linhas “rabiscadas”, desenhos sem bordas, traços espessos e combinações de diferentes técnicas, como recorte, colagem e pintura, por exemplo, que são riquíssimas e podem contribuir muito para o repertório visual das crianças.
“Trabalhar essa questão, do que é esquisito, daquilo que nos causa estranhamento, é muito interessante na ilustração. A ilustração é muito mais do que beleza, até porque a beleza é obediente, ela obedece a uma certa norma. Então, quando você chega com uma ilustração que causa estranhamento, ela pode estar, também, rompendo com aquelas normas vigentes”, complementa Renata.
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4. Qualquer um pode compreender qualquer imagem
Você sabia que existem mais de 7 mil idiomas no mundo? Impressionante, não é? As imagens também são um tipo de linguagem e, embora não tenham uma gramática estabelecida, como uma linguagem verbal, elas também precisam ser aprendidas para que sejam compreendidas.
“Isso quer dizer que uma criança que está começando a aprender a ler imagens não dispõe de uma série de convenções que nós, adultos, fomos aprendendo ao longo da vida”, diz Renata. “Então, por exemplo, uma criança pequena pode não ter aprendido, ainda, que uma imagem que está no centro da página, em tamanho maior, costuma ser mais importante do que aquilo que está na periferia. Por isso, muitas vezes ela acaba explorando as imagens de um jeito diferente, acompanhando personagens que estão no cantinho da página, pequenininhos, e que o adulto sequer tinha percebido”, explica.
Renata complementa explicando que, se entendemos a imagem como uma linguagem que precisa ser aprendida, sabemos que ela faz parte de uma construção cultural também. “Se temos um repertório amplo de leitura de imagem, a gente consegue identificar quando essa imagem é mais pasteurizada, e quando são usados artifícios para nos levarem a determinadas leituras. Na era da imagem, como essa em que a gente vive, isso é super importante”.
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5. livro infantil não deveria ter “vazio” nas páginas
Embora os espaços vazios nas páginas não sejam exatamente um desenho, podemos dizer que em muitos casos eles são, sim, utilizados intencionalmente. Por exemplo: você lembra de já ter visto uma imagem em que o personagem era bem pequeno, posicionado no meio de uma página vazia? Se sim, possivelmente o sentimento que essa construção passou foi de solidão, isolamento, distância ou pequeneza, a depender do contexto da história.
Os espaços vazios nas páginas podem ser entendidos como pausas e silêncios. O adulto que acompanha a criança na leitura não precisa se sentir compelido a preenchê-los, nem com palavras que não estão no livro, nem com suas próprias interpretações do que está acontecendo na história. Naturalmente, podemos conversar e trocar com as crianças para saber o que elas entenderam do que foi trazido na narrativa, mas não é necessário ceder a angústia de preencher tudo, de oferecer explicações para toda e qualquer coisa. Não precisamos ter todas as respostas.
Por isso, procure pelas boas histórias, foque na narrativa, e abra mão de ideias rígidas e pré-concebidas sobre como “deve ser” a literatura para crianças e jovens. As boas histórias, aquelas que se tornam inesquecíveis, que nos divertem, emocionam e questionam, estão em toda parte e têm múltiplos formatos, que vão infinitamente além de características como número de ilustrações e quantidade de texto.
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Estante Quindim
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