O Brasil enfrenta números preocupantes quando o assunto é indisciplina escolar. Uma pesquisa feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta que os professores brasileiros chegam a perder 20% da aula com bagunça na classe – o que representa 35 dias letivos ao ano. Apesar de o problema acontecer em sala de aula, o tema deve ser tratado nas coordenações das escolas e nos ambientes familiares, engajando todo o corpo docente e os pais em busca de estratégias.
Porém, o desenvolvimento de ações voltadas especificamente para o enfretamento da indisciplina nas escolas ainda é incipiente no país. A questão, por vezes, se restringe aos professores, mas diretrizes não são contempladas na formação inicial e continuada dos docentes e pedagogos. Dessa forma, o problema é responsabilidade de todos – do poder público, com a valorização da educação e da ética; da escola, que deve reconhecer o problema e oferecer capacitação aos professores; e das famílias, que precisam ser ouvidas e orientadas, assumindo as responsabilidades em conjunto.
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O que é indisciplina escolar?
A indisciplina escolar é um fenômeno complexo. Existem diversos fatores que podem influenciar o mau comportamento dos alunos, como a forma como as crianças e os adolescentes lidam com suas emoções e constroem suas identidades, o contexto social e econômico em que estão inseridos, a realidade e as dificuldades da própria escola, além de como as relações são constituídas dentro de casa.
Para Luciano Campos da Silva, professor do departamento de Educação da Universidade Federal de Ouro Preto, as regras de disciplina são importantes, uma vez que socializar as crianças e os jovens os prepara para viver em um mundo que também é pautado por normas. “Isso significa dizer que às escolas e aos professores não basta que os alunos se comportem bem em sala de aula, seja por apatia ou por medo das punições, mas que internalizem o respeito às regras como parte integrante de suas condutas nos diferentes espaços em que convivem. É necessário, ainda, que os alunos consigam adotar uma postura crítica frente a essas regras, sabendo questioná-las quando se mostrarem arbitrárias, inadequadas ou antidemocráticas”, pontua.
Assim, estimular a disciplina escolar é uma oportunidade para os estudantes de interiorizarem certos valores e atitudes indispensáveis ao exercício da cidadania, como o cumprimento de obrigações, o senso de responsabilidade, o gosto pelo trabalho, o zelo pelo patrimônio público, o respeito às pessoas, às leis e às diferenças culturais.
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Quais situações caracterizam a indisciplina nas escolas?
Por não serem graves e não causarem danos imediatos aos alunos, os atos de indisciplina podem, inclusive, ser ignorados pelos professores por um tempo. “É somente à medida que se tornam frequentes que passam a assumir uma maior gravidade, perturbando a relação pedagógica e impedindo que a aula transcorra com tranquilidade que a indisciplina passa a se configurar como um problema com grandes repercussões para o trabalho pedagógico, chegando até mesmo a inviabilizá-lo”, afirma o professor.
São exemplos comuns de indisciplina nas salas de aula as conversas paralelas, os gritos e barulhos durante a aula; os deslocamentos não autorizados; os atrasos, a não realização das atividades escolares; o uso não autorizado dos celulares durante as aulas; as gozações ou brincadeiras indevidas com os colegas e professores e a desobediência às ordens dos docentes. “Embora aparentemente sutis, especialmente quando comparados aos casos de violência escolar, esses comportamentos, quando generalizados, possuem forte impacto no desenvolvimento das atividades pedagógicas. Não por acaso o fenômeno da indisciplina tem sido frequentemente associado ao mau desempenho escolar dos alunos.”
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Como os pais podem ajudar a superar esse problema?
“É necessário exercer o diálogo continuo com os filhos, estimulando a reflexão e a interpretação das diferentes razões que levam à indisciplina escolar”, afirma Silvia Gasparian Colello, professora da pós-graduação da Faculdade de Educação da USP e autora do livro “Crianças na escola…e agora?”. A pesquisadora reforça que a conversa pode acontecer em qualquer idade, desde a educação infantil, respeitando as características de cada fase. Segundo ela, os pais podem ainda contribuir com disciplina escolar acompanhando e incentivando a vida escolar dos filhos, demonstrando que se importam com o desenvolvimento deles e agindo como parceiros das escolas na solução de problemas disciplinares dos filhos.
O desenvolvimento de uma autoridade mais dialogada, não baseada em ameaças e castigos físicos, tende a contribuir com a internalização de regras e valores mais favoráveis à escolarização. O mesmo pode ser dito do desenvolvimento de relações mais harmoniosas no ambiente familiar, pautadas no respeito, na afetividade e confiança mútua entre pais e filhos. Isso tende a criar as condições para que os valores transmitidos pelas famílias possam ser efetivados.
Entre as diferentes estratégias que podem ser adotadas dentro de casa pelas famílias, a leitura se mostra importante, pois atua como uma janela oportuna para se pensar a realidade. “Pode-se recorrer à literatura ficcional, mas também a textos jornalísticos que discutam ocorrências significativas do nosso tempo e geram reflexão, como casos de preconceito e racismo”, pontua. Paralelamente, é essencial estimular a participação em projetos na escola, que, por sua vez, pode aplicar seminários, atividades culturais, teatro musical e campanhas que se integram ao currículo – motivando o desenvolvimento dos alunos como sujeitos críticos.
Como deve ocorrer a comunicação entre a família e a escola?
A indisciplina não deve ser o único motivo para a interação entre a família e a escola. É importante que os contatos não ocorram apenas nos momentos de acusações, lamentações ou queixas. É preciso que pais e professores estejam abertos a ouvir, dialogar, entender o que está ocorrendo e buscar soluções conjuntamente. O bom comportamento também pode motivar esses encontros.
“As reuniões devem ser sistemáticas e os encontros devem ser diversos, como em celebrações, a exemplo de festa junina e de Dia dos pais, além de agendamentos para apresentar o projeto pedagógico”, ressalta. Silva ainda pontua que o diálogo deve ser contínuo e a comunicação pode acontecer por diferentes vias, como bilhetes, informes e atividades presenciais.
A construção de condutas disciplinadas e respeitosas é um projeto a longo prazo. “Para lidar com a indisciplina escolar, é preciso buscar a reparação e a integração, não é apenas uma ação imediata, como castigar, pedir para o aluno se retirar da sala ou ainda se ausentar por alguns dias, é acenar para uma negociação depois, propor uma atividade que repare aquele mau comportamento e abrir uma conversa sincera com a criança ou adolescente.”
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Estante Quindim
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