Perdas gestacionais e o luto de famílias que perderam os filhos durante a gestação ainda são temas tabus em nossa sociedade. O diretor João Carlos Furia e sua esposa, Daniele Putnoki, enfrentaram essa situação em 2020, durante a pandemia de COVID-19.

Dessa vivência, surgiu a ideia de criar um livro infantil que abordasse o processo de luto de uma perda gestacional através da arte. Mas, durante o processo, João optou por utilizar a realidade virtual e produzir um projeto inovador.

Pôster filme 40 dias sem o sol
Pôster do filme 40 Dias Sem o Sol.

A seguir, falamos sobre o processo de luto de uma perda gestacional, a importância de se falar sobre esse tema e a criação do filme 40 Dias Sem o Sol.

Veja também: 10 dicas para mães de primeira viagem para ajudar você na gestação e na maternidade.

ÀS MÃES E AOS PAIS DE ANJOS, por JOÃO E DANIELE

“O coração não está batendo. A gravidez não evoluiu. O bebê não vai nascer.” 

Abortos espontâneos são comuns: cerca de 23 milhões de gestações terminam em aborto espontâneo a cada ano no mundo. Estima-se que 25% das perdas gestacionais acontecem nos três primeiros meses da gestação.

Porém, apesar de comum, não significa que esta perda não doa; que seja fácil de superar; que não afete a saúde física e mental dos pais.

Uma parcela significativa dos profissionais de saúde no Brasil ainda não está consciente do trauma envolvido e não sabe como acolher e orientar os pais de forma empática e humanizada. Diversos tipos de descaso e violências emocionais são relatadas por famílias enlutadas neste momento tão sensível. Também é comum que familiares e amigos não saibam como agir e digam frases como: “Deus sabe o que faz”; “Logo vocês têm outro”; “Ainda bem que foi no comecinho”; “Sofrer é uma escolha”; “Ah, e se ele tivesse algum problema?”; “Mas você já tem filho, por que está sofrendo?”; “Você deu nome – ele chegou a nascer?”

Assine o clube quindim

Essas frases são tentativas de consolar, mas elas acabam por gerar mais solidão, raiva e sofrimento. Por trás, está a mensagem: “Pare de sentir o que você está sentindo, pare de sentir a dor, saia do seu luto”. Não são validados sentimentos, nem a perspectiva ou a experiência de maternidade/paternidade – tampouco a existência de uma filha ou um filho não nascido.

Existem dois assuntos tabus nesta situação: o luto e as perdas gestacionais. Evitar falar de morte não faz que a morte não exista. Evitar falar de luto não diminui o sofrimento – pelo contrário. As perdas gestacionais são banalizadas, silenciadas – mas precisam ser consideradas, compreendidas, faladas e vistas.

Perder um bebê que não nasceu é uma perda difícil de elaborar. Ter companhia e espaço para expressar o que sente; ser escutada e escutado sem julgamentos; ter acolhimento e validação; tudo isso é essencial para cuidar da saúde mental da mãe e do pai na travessia desse deserto cheio de culpas, raivas, desesperos, confusões e dores profundas.

Dizem que o luto costuma durar dois anos, mas cada processo é individual. Quando não há apoio para a elaboração, o sofrimento tende a ficar mais intenso e agravam-se as manifestações de raiva, depressão e sentimentos desconfortáveis. Com a perda gestacional, pode ser difícil tomar consciência da dor envolvida, já que socialmente espera-se certa neutralidade sobre o evento. Receber o devido suporte de profissionais, familiares, amigos – ou mesmo de fontes inesperadas, como a arte – é fundamental para que todos os tipos de luto sejam realmente respeitados.

Mães e pais de anjos, como denominam-se os genitores de filhos não nascidos, reconhecem que a validação desses filhos como parte de sua família gera maior liberdade para seguir com suas vidas. Ao homenagear aqueles que se foram sem nascer, enlutam não só a perda dessas vidas, mas também deste sonhado futuro não vivido.

Se você estiver em contato com uma mãe ou um pai enlutado, você pode dizer: “Eu sinto muito pelo que você está passando”; “Tem coisas tão difíceis que não deveriam acontecer com ninguém”; “Você quer me contar como está se sentindo?”. Deixe a pessoa escolher se quer falar ou não. Caso ela queira, ofereça espaço e faça companhia. Escute com presença, sem julgamentos e sem dar conselhos.

Para quem é mãe ou pai de anjo (mesmo que a perda tenha acontecido há anos), você pode:

  • procurar apoio gratuito nas rodas de conversa do Instituto do Luto Parental;
  • assistir ao documentário Colo Vazio, disponível no YouTube;
  • ler o livro Perdi Meu Bebê – uma companhia para atravessar o luto gestacional, perinatal e neonatal, escrito pela psicóloga e coordenadora do Instituto do Luto Parental, Damiana Angrimani.
O melhor clube de assinatura infantil

O projeto “40 Dias Sem o Sol

40 Dias Sem o Sol, um projeto inovador desenvolvido em realidade virtual por João Carlos Furia, trata justamente da perda gestacional e do luto. O filme teve sua estreia em outubro de 2023 no festival Raindance Immersive, em Londres. Também teve as primeiras exibições no Brasil no Lugar de Ler, espaço dedicado ao estudo, formação e discussões acerca de livros ilustrados.

Veja também: Luto infantil: como tratar sobre esse tema delicado, mas necessário.

Ao passar pela perda gestacional de seu filho Matheus em 2020, durante a pandemia, o diretor João Carlos Furia viu-se com poucas informações e com dificuldade de compreender o processo vivido por sua esposa, Daniele Putnoki. Decidiram juntos escrever um livro infantil sobre o tema, de modo a compartilhar sua experiência e colaborar com outras famílias que passassem pela mesma situação.

Justamente no Lugar de Ler, com a mentoria de Daniela Gutfreund, foi iniciada a escrita do livro. Porém, ao longo do processo, o autor decidiu pela ferramenta da realidade virtual para contar sua história e assim possibilitar uma vivência muito imersiva, mágica e transformadora para o espectador, usando a tecnologia de óculos específicos.

Contada em primeira pessoa por uma criança, os espectadores vivem junto de uma família a expectativa da chegada de um novo bebê, sua perda e o processo de luto.  A triste história é elaborada com bastante sensibilidade e a experiência pode ser vivenciada de forma muito poética. Repleto de simbolismos e com a trilha sonora emocionante da cantora Clara Dum, o filme sensibiliza todas as pessoas que já passaram por um processo de luto. Os espectadores podem refletir sobre suas experiências, sentindo-se vistos e homenageados em suas dores, e com liberdade para sentir suas emoções.

Assista ao teaser da animação 40 Dias Sem o Sol:

O filme de realidade virtual também tem uma versão que pode ser assistida em telas planas comuns (por computador ou televisão) e os autores estão promovendo sessões de exibição online gratuitas, seguidas de rodas de conversa sobre o tema. Você pode se inscrever para participar dessas exibições nos links abaixo:

  • Inscreva-se neste link para assistir ao filme online na quarta-feira 6/12/23 às 19h
  • Inscreva-se neste link para assistir ao filme online no sábado 9/12/23 às 10h 

Para quem quiser compreender mais sobre luto, os autores também recomendam os conteúdos e ações disponibilizadas pelos profissionais das organizações: