Você sabe o que é xenofobia? O preconceito sofrido por uma participante no Big Brother Brasil levanta questões importantes sobre o preconceito sofrido pelos nordestinos. Como as crianças são impactadas por esse tema? E de que forma os pais podem trazer o debate do respeito às diferenças para dentro de casa?
A participação da advogada Juliette Freire na 21ª edição do programa Big Brother Brasil (Rede Globo) motivou reflexão e debate nas últimas semanas. O motivo? Juliette, natural da Paraíba, sofreu preconceito dos demais participantes. Seu sotaque, trejeitos, tom de voz e até expressões utilizadas por ela foram motivo de ironias e deboche dentro da casa mais vigiada do Brasil. Aqui fora, a situação repercutiu em movimentos de apoio à Juliette, inclusive de anônimos e famosos da região Nordeste, reforçando o orgulho de suas origens.
Entenda o que é xenofobia
Não é a primeira vez que o preconceito contra nordestinos, ou a chamada xenofobia* – caracterizada pela discriminação contra diferentes culturas e nacionalidades – é tema de debate na mídia e nas redes sociais. Durante as eleições de 2014, o tema também veio à tona, motivado pelos resultados de cada macrorregião na votação do segundo turno nas eleições presidenciais.
Da mesma forma, durante a atual pandemia de Covid-19, que teve início na China, foi verificado aumento de ataques xenofóbicos contra cidadãos asiáticos ou mesmo de ascendência asiática. Isso, entretanto, levantou em março de 2021 um movimento importante chamado Stop Asian Hate (em tradução livre, Pare o Ódio contra Asiáticos), que busca combater o preconceito contra asiáticos, especialmente ao associá-los com a propagação do novo coronavírus. Por isso, o Clube de Leitura Quindim propõe a seguinte reflexão: como os pais podem falar sobre o que é xenofobia e trazer o debate do respeito às diferenças para dentro de casa?
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Quando falar sobre o que é xenofobia com as crianças
Para a pedagoga e psicanalista Melanie Salgado, o preconceito contra estrangeiros ou pessoas que vêm de outras partes do Brasil é um assunto que merece atenção desde o início da vida da criança. “É importante que os pais percebam se eles mesmos se relacionam com pessoas de diferentes origens, qual é o contexto em que essa criança vive. Assim, a criança também pode conviver com uma maior diversidade de pessoas”, aponta.
Mesmo que seja ilusório pensar que os pais terão controle de tudo, desde aquilo que a criança irá escutar ou mesmo consumir de informação, a especialista recomenda atenção constante. Lembrando que o medo/ódio irracional de pessoas diferentes pode ser estimulado pela própria família (incluindo a família estendida, além do núcleo familiar, e também os agregados, como amigos dos pais e pais de colegas), assim como pela escola e outros grupos com os quais a criança se relaciona.
“Não é raro que a criança tenha tios, avós ou até pais de amigos em que esse preconceito fantasiado de opinião ou de piadas aparentemente inofensivas possa ser ouvido e assimilado pelas crianças. Tem uma fala interessante do Lacan [Jacques-Marie Émile Lacan, psicanalista francês] que diz que o nosso inconsciente é formado pela fala dos outros. A criança é formada por uma espécie de álbum de figurinhas. Ela vai ‘colando’ nesse inconsciente o que vai se apresentando no seu entorno, ou seja, é uma coleção – não de figurinhas – mas de referências para a vida”, compara Melanie.
Existe ainda a influência de contextos gerais, como a própria pandemia que estamos enfrentando. Não apenas o ódio contra pessoas asiáticas, erroneamente culpadas de disseminar o vírus, mas também contra pessoas de outros lugares e até regiões do Brasil, podem ser potencializadas pela situação generalizada de ansiedade e estresse. Dessa forma, o outro ou o diferente é visto como um bode expiatório para os problemas atuais que as pessoas estão enfrentando.
A especialista enfatiza a influência desse tipo de contexto para o aumento da discriminação e violência. “Estamos privados de lazer e de liberdade, não estamos contando com momentos de entretenimento e diversão. Isso faz com que as pessoas estejam inconscientemente se sentindo violentadas e acabam reproduzindo violências. Já foi verificado o aumento do uso de drogas lícitas, como bebidas, cigarros e remédios, além do aumento dos próprios índices de violência doméstica. Tudo isso reflete em comportamentos mais hostis e raivosos contra os diferentes”, analisa.
Como a criança percebe o diferente em cada faixa etária
Como as crianças e adolescentes enxergam o diferente? Ao pensar na diferença focada na origem geográfica – como nacionalidade ou região do país em que a pessoa vive – a pedagoga e psicanalista Melanie Salgado apontou como as diferenças são percebidas pelas crianças de acordo com três grupos etários:
- Até 7 anos: nessa fase, as crianças praticamente não percebem as diferenças. À medida que eles se aproximam de uma fase da pré-alfabetização começam a entender as diferenças, a enxergar o outro como diferente.
- De 7 a 12 anos: a partir da alfabetização, período muito informativo, as crianças colhem elementos. Eles observam as diferenças entre eles e outras pessoas, como cor de pele, sotaque, hábitos. É como se nessa fase as crianças estivessem catalogando as diferenças. Nessa fase de 7 a 12 anos, a criança já tem capacidade de compreender o que está colhendo de informação, de como o mundo trata as pessoas de forma diferente.
- A partir dos 12 anos: a partir da adolescência, há uma necessidade muito grande de pertencimento. Então, há uma categorização clara diante das pessoas com quem eles se relacionam. Os adolescentes dividem as pessoas em relação a tribos. Caso os pais tenham um discurso politicamente incorreto, pode haver um embate. Os adolescentes podem ser defensores do respeito às diferenças.
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Como falar sobre xenofobia com as crianças
Mas como os pais devem abordar essas questões em casa? Para a especialista, os estímulos externos, como um programa de TV, um livro ou um filme podem auxiliar os pais a introduzir a conversa sobre o que é xenofobia. Outras abordagens também podem ser utilizadas. Separamos aqui algumas orientações para o debate:
- Quando a criança começa a buscar informações por conta própria, como assistir vídeos, seguir pessoas nas redes sociais, é necessário que os pais estejam por dentro do conteúdo. A aproximação pode acontecer de forma amistosa para que os pais possam ter acesso ao que o filho está consumindo. “Você pode perguntar: que legal, o que é isso que você está vendo? Estou vendo que você está se divertindo bastante com esse vídeo, quero ver também. Compartilha comigo esse link?”, aconselha a especialista.
- Ouvir o que a criança produz em seu discurso, quando está com os amigos, por exemplo, é um caminho para essa abordagem. Preste atenção se a criança conta piadas ou que tipo de comentários ela faz. Caso considere que precise abordar o assunto, faça sempre de forma tranquila, mas também sincera. “Os pais podem ser sinceros: olha, ouvi você falando isso e isso. Por que você acha ou pensa isso? É essencial que os pais não se sintam com medo ou desconfortáveis, porque essas são questões muito relevantes para a formação da criança”, ressalta.
- Ao questionar a criança por que tal comportamento, atitude, hábito ou sotaque gera riso ou estranhamento, argumente que esse tipo de piada não leva a nada. “Os pais devem tratar a diferença como riqueza. Esse é um valor que deve ser ensinado”, define a pedagoga e psicanalista. Filmes, desenhos animados ou livros que falem sobre diversidade são muito interessantes para a formação de crianças e de adolescentes e devem ser incentivados.
- Os pais também precisam se observar a todo momento. “Não apenas o que coloca para fora, literalmente, mas também o que transmite nas entrelinhas. Os filhos conhecem os pais, sabem o que os deixam felizes, irritados, tristes. É preciso ter autocrítica maior ainda quando se tem filhos, pois as crianças são bastante observadoras”, explica.
Aqui no Clube de Leitura Quindim nós valorizamos a diversidade e, por isso, enviamos mensalmente aos nossos assinantes obras de qualidade literária que fomentam a empatia e a diversidade cultural. Como sabemos que a arte é capaz de levantar reflexões e ampliar o nosso olhar sobre o outro, separamos aqui algumas listas que podem ajudar você a iniciar a conversa com os pequenos sobre o que é xenofobia e a importância de respeitar as diferenças e valorizá-las. Então, confira a nossa lista de livros sobre empatia, a lista de livros sobre diversidade e filmes sobre diversidade cultural para assistir com os pequenos.
* A xenofobia contra estrangeiros é considerada crime pela Constituição brasileira, passível de punição, prevista na Lei Nº 9.459, de 13 de maio de 1997 e pela nova Lei da Migração, vigente desde 2017. Pela legislação, são considerados “os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.