Mulher, mãe, jornalista, professora, Ana Maria Machado ocupou espaços que o público não imagina

Dia 24 de dezembro de 2021 é uma data de comemoração especial. Não falo do Natal, mas dos 80 anos de uma vida de luta pela literatura, pela leitura, pela liberdade, por uma infância crítica, que começou quando muitos de nós sequer tínhamos nascido. A história de Ana Maria Machado nessa luta começa antes mesmo de ela publicar seu primeiro livro. Poucos sabem, mas Ana lutou ao lado dos professores contra a ditadura na década de 1960. E por essa luta, ela foi presa. Teve de sair em exílio. O que a levou por um caminho de muito estudo. Enquanto vivia o exílio e os primeiros anos da maternidade, escrevia sua tese orientada por Roland Barthes. E lutava. Seja nos espaços dos jornais, seja nas histórias que já escrevia para a Revista Recreio. Foi lá, na Revista Recreio, que ela começou a escrever para crianças. Só alguns anos depois de voltar do exílio que Ana publicou seu primeiro livro, Bento-que-Bento-é-o-frade. Foi em 1977. Nesse ano, Ana Maria tirou outros textos da gaveta. E não parou mais.

Quantos que leem este artigo não leram na infância História meio ao contrário? Quantos não leram para seus filhos História meio ao contrário? Quantos não leram para seus netos História meio ao contrário? E Bisa Bia, Bisa Bel? E a série Mico Maneco? E a Menina bonita do laço de fita?

São muitos, mais de cem livros que ultrapassaram gerações para serem lidos por milhões de leitores. E não são 2, 3, 5 milhões. Mas muito mais de 20 milhões. Porque esse é o número de exemplares vendidos. E se um livro, em especial um livro infantil, costuma ser lido por mais de uma pessoa, esses 20 milhões de exemplares vendidos, pensando em leitura compartilhada, se multiplicam para pelo menos 40 milhões.

São livros que conquistaram não só os leitores, mas também os críticos. São 50 anos de carreira e mais de 50 prêmios – mais de um prêmio por ano –, muitos deles internacionais, que deram destaque não só à Ana Maria Machado, mas a nós, brasileiros. Pois com a Ana Maria Machado, nossa língua, nossa pátria ganhou espaço mundo afora. E para citar um deles, fiquemos com o Prêmio Hans Christian Andersen, o nobel da literatura infantil. Ana levou a literatura infantil brasileira por lugares nunca habitados. Foi vice-presidente da IBBY. Para quem não sabe, a IBBY, International Board on Books for Young People, é uma importante organização mundial que busca promover a literatura para jovens leitores em todo o mundo. E tivemos uma brasileira, a Ana, lá nos representando. Ocupando esses espaços. Como Ana faz na Academia Brasileira de Letras. A primeira escritora de literatura infantil a ocupar uma cadeira na ABL. E também a presidência da ABL, aliás, a segunda mulher – antes, tivemos apenas Nélida Piñon, em 1997. E ao ocupar esse espaço, conseguindo institucionalizar projetos de fomento à leitura, conseguindo institucionalizar projetos que façam com que nossos autores sejam estudados no exterior.

Ana realmente levou a literatura infantil brasileira para outras esferas. Das histórias que ela ouvia nos verões passados na praia de Manguinhos, em sua infância, do livro que marcou sua vida para sempre, Reinações de Narizinho, do diário que ganhou de aniversário aos 7 anos – fichário preto, de três furos, para guardar tudo o que quisesse –, até a sua primeira publicação, aos 12 anos, na Revista Folclore – que aliás não dizia que a autora do texto tinha 12 anos –, daí para as aulas que deu de português, latim, francês, à… maternidade, esse processo transformador da maternidade, ao encontro com sua amiga-cunhada de toda a vida, Ruth Rocha, à Revista Recreio, a Barthes, à Menina Bonita do Laço de Fita… uma jornada de protagonismo feminino.

Aos 79 anos, Ana Maria ainda encontra disponibilidade para atuar como voluntária em projetos como o do Clube de Leitura Quindim, levando mais de 180 mil livros infantis indicados por ela e outros curadores a 15 mil crianças em todos os estados brasileiros.

Quando pensamos em Ana Maria Machado, é inevitável pensar em livros infantis – uma área bastante ocupada por mulheres, uma vez que está relacionada à educação e ao cuidado de maneira geral. Conhecer a história de Ana Maria revela que sua jornada é ainda maior. Muito maior. E tudo em apenas 80 anos. Comemoremos!

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