Quem foi Edgar Allan Poe?

Pai da narrativa policial e um dos escritores mais importantes do século XIX, o contista, poeta, editor e crítico literário Edgar Allan Poe foi publicamente aclamado por nomes como Júlio Verne, Arthur Conan Doyle e Charles Baudelaire. Filho de atores de teatro, Edgar Poe nasceu em Boston (EUA) no dia 19 de janeiro de 1809. Muito cedo, porém, a vida lhe mostrou um lado triste e sombrio: foi abandonado pelo pai (de quem herdou o nome) antes de completar 1 ano de vida e perdeu a mãe com tuberculose no ano seguinte. Separado de seus irmãos, o menino foi criado pelo empresário John Allan e sua esposa, Frances, que nunca o adotaram formalmente.

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A série Wandinha possui inúmeras influências da obra de Edgar Allan Poe.

Nos primeiros anos escolares, Poe viveu na Inglaterra com essa família, onde teve uma educação de alto nível. Suas relações familiares, entretanto, eram marcadas pela frieza. A partir da adolescência, sua vida foi um tanto atribulada, principalmente por causa de sua rebeldia. Depois da morte de Frances, a mãe “adotiva”, a relação com John Allan ficou cada vez mais complicada.

Edgar Allan Poe não só foi o pai das narrativas policiais, como também o mestre do horror, ou do gótico, como muitos preferem. Por isso, toda essa história familiar é importante para que você entenda essa persona. Separado dos Allan e já conhecido nos meios jornalístico e literário, Poe foi morar com a tia e a prima, Virginia Clemm, com quem se casou aos 27 anos. Mas parece que o azar não dava trégua para o escritor. Depois de 11 anos de casamento, Virginia morreu vítima de tuberculose.

Junto dessa perda, Poe se envolveu em muitas brigas literárias: adoeceu, recuperou-se, tentou suicídio e até cortejou algumas mulheres, mas nunca mais se casou. A pobreza, o descuido com a saúde e as incontáveis frustrações literárias, jornalísticas e amorosas roubaram o resto de sua já escassa energia vital.

A morte de Poe colaborou definitivamente para a construção de seu mistério. Ele foi encontrado em estado de delírio, com roupas de outra pessoa e morreu depois de quatro dias sem retomar a consciência. Em 9 de outubro de 1849, um obituário publicado no New York Daily Tribune anunciava: “Edgar Allan Poe está morto. Faleceu anteontem em Baltimore. Este anúncio surpreenderá a muitos, mas poucos vão lamentá-lo”. Esse texto foi escrito pelo antologista Rufus Griswold, antigo rival de Poe e, acredite, executor literário de suas obras, além de ser o autor da primeira biografia do autor. De fato, Poe estava morto. Mas, como o leitor vai perceber, as mortes de Poe nunca duram para sempre.

Uma obra permanente

A influência do trabalho de Poe não se dá apenas na literatura, mas em diversos campos, como no cinema, na música, na televisão, nas HQs, na moda… Como poeta, Edgar Allan Poe representa quase sozinho o movimento romântico estadunidense. É o primeiro que fez de seu estilo uma ferramenta, pois sua poesia é trabalhada como uma joia. Ele amava ritmos complicados, mas dava a eles uma harmonia profunda. Seu poema mais famoso se chama “O corvo” (“The Raven”). Mesmo que você não conheça nenhum verso, onde muitas vezes aparece a expressão “nunca mais”, já deve ter visto um retrato do autor com um corvo empoleirado no ombro. Essa imagem se tornou um ícone!

E se você ainda não viu a série da Netflix, preste atenção não apenas no nome da escola para onde a filha dos Addams é enviada mas em todos os detalhes. Do começo ao fim, os contos e os poemas do mestre ganham expressão.

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Lápide onde jaz Edgar Allan Poe. Nela pode-se observar a citação “Quoth the Raven ‘Nevermore‘”, que significa ““Disse o corvo, ‘nunca mais’”, célebre frase de um dos seus mais famosos contos, O Corvo.

Como contista e romancista, Poe é o único em seu gênero. Os diferentes trabalhos espalhados em revistas foram reunidos em dois grupos: Histórias extraordinárias e Contos de Edgar A. Poe, edição Wiley & Putnam (Tales of the Grotesque and Arabesque, de 1839, e Tales, de 1845).

Nenhum autor jamais contou com tanta magia as estranhezas da vida humana e da natureza, o morrer das estações repletas de esplendores enervantes, a alucinação deixando lugar à dúvida e depois se tornando certeza, o absurdo se instalando na inteligência, governando-a com uma lógica espantosa, a contradição entre os nervos e o espírito, e o homem descontrolado, a ponto de exprimir a dor por meio do riso. Há quem diga que os personagens de Poe são o próprio Poe.

Quem ainda não leu esse atormentado escritor pode se perguntar: por que ainda ler suas obras? A força de seu horror e de suas fantasias é capaz de causar nos leitores de hoje a emoção aterrorizante que causava no século 19? É capaz de roubar o fôlego do jovem leitor? O que os espectadores de Tim Burton sentiriam se lessem ou ouvissem os contos do mentor de Nunca Mais?

Para estimular mais algumas perguntas e incitar a curiosidade de jovens leitores, além dos que já apreciam as paradas sinistras presentes nas telas e aqueles que querem uma nova aventura, convido a passar os olhos nos trechos de 10 contos de Edgar Allan Poe que deixarei por aqui.

10 contos de Edgar Allan Poe

1 – Manuscrito encontrado numa garrafa (1831)

Nesse conto, o narrador retrata a sua estada em um navio, à deriva, em águas estranhas. Entediado, junto do protagonista em meio a uma calmaria anormal, você é surpreendido por algo sombrio que muda o rumo da história.

Quando a noite chegou, todo sopro de ar desapareceu, e uma calmaria mais completa é impossível de se conceber. A chama de uma vela ardia sobre a popa sem o menor movimento perceptível, e um longo fio de cabelo, seguro entre o indicador e o polegar, pairava sem que fosse possível detectar qualquer vibração. Entretanto, conforme afirmou o capitão, ele não conseguia perceber nenhum indício de perigo e, como éramos levados na direção da costa, ordenou o ferrar dos panos e que a âncora fosse lançada. Nenhum quarto de vigia foi determinado, e a tripulação, consistindo principalmente de malaios, largou-se deliberadamente pelo convés.

(Trecho retirado de Contos de Imaginação e Mistério, p. 68)

2 – William Wilson (1834)

O tema primordial nesse conto é o da duplicidade. William Wilson, personagem e narrador da história, em determinado momento da vida, será abordado por um personagem que se revelará como seu duplo. Para decidir se esse personagem é real, você precisa ler até o fim.

Minhas mais antigas lembranças de uma vida escolar estão ligadas ao prédio grande, irregular, elisabetano de um vilarejo na Inglaterra, onde havia um vasto número de árvores gigantescas e contorcidas, e onde todas as casas eram excessivamente antigas. De fato, era um lugar onírico e que trazia paz ao espírito, esse antigo e venerável povoado. Neste exato momento, em minha imaginação, sinto o revigorante frescor de suas alamedas profundamente sombreadas, inspiro a fragrância de seus incontáveis arbustos e torno a estremecer com indefinível deleite sob o repique profundo e cavernoso do sino da igreja rompendo, de hora em hora, com seu troar repentino e taciturno, a quietude da fusca atmosfera em que se encravava serenamente o dilapidado campanário gótico.

(Trecho retirado de Contos de Imaginação e Mistério, p. 25-26).

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3 – O homem da multidão (1840)

Tem também como tema a duplicidade. Um narrador sem nome segue um homem numa Londres superpovoada. Em sua perseguição, fica fascinado pela multidão e reflete sobre o quão isoladas as pessoas pensam que estão. Depois de ler esse conto, vale a pena fazer uma pesquisa sobre o poeta Charles Baudelaire. Você vai se surpreender.

À medida que caía a noite, aumentava meu interesse na cena. Não só o caráter geral da multidão se alterava (os rostos mais suaves desaparecendo no recolhimento gradual da parcela mais ordenada da massa, substituídos por faces mais grosseiras, pois a hora tardia atraía toda espécie de infâmia para fora da toca), como a iluminação dos lampiões a gás, inicialmente fraca em sua luta contra o dia que agonizava, finalmente saíra vencedora do combate e derramava sobre a rua seu clarão inquieto e vulgar. A noite estava sombria, mas esplêndida, como o ébano a que o estilo de Tertuliano foi comparado.

(Trecho retirado de Edgar Allan Poe: medo clássico, vol. 2, p. 57)

4 – O retrato oval (1842)

É verdade que Allan Poe tinha uma obsessão pelo tema, porque nesse conto de terror, mais uma vez está a presença do duplo. Ocupando apenas duas páginas, é um de seus contos mais curtos, mas tremendamente perturbador. E preste atenção na menção à rainha do romance gótico.

O castelo onde meu criado ousou forçar a entrada, para que eu não passasse a noite gravemente ferido ao relento, era uma daquelas construções que mesclavam o lúgubre com o grandioso e há muito povoavam os Apeninos, tanto na vida real como na imaginação da sra. Radcliffe.

(Trecho retirado de Edgar Allan Poe: medo clássico, vol. 2, p. 65)

5 – O poço e o pêndulo (1842)

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Nesse conto, o contexto é a Inquisição na Espanha. Em uma atmosfera de morte, o narrador se vê atirado em um calabouço, onde aguarda sua sentença sob tortura física e psicológica.

Desmaiara; mas mesmo assim não direi que perdi de todo a consciência. O que dela restava não tentarei definir, nem sequer descrever; contudo, nem tudo estava perdido. No sono mais profundo — não! No delírio — não! Em um desmaio — não! Na morte — não! até mesmo no túmulo, nem tudo está perdido.

(Trecho retirado de Contos de Imaginação e Mistério, p. 51)

6 – A máscara da Morte Vermelha (1842)

Dependendo da tradução, você pode encontrar títulos como “O baile da Morte Rubra” ou “A máscara da Morte Rubra”. Nesse conto, também permeado pela atmosfera de morte, em um castelo isolado na Itália, acontece um baile de máscaras enquanto uma peste assola as vilas distantes.

Foi próximo ao final do quinto ou sexto mês de sua reclusão, e enquanto a pestilência assolava com o auge da fúria do outro lado, que o príncipe Prospero ofereceu a seus mil amigos um baile de máscaras da magnificência mais extraordinária.

(Trecho retirado de Contos de Imaginação e Mistério, p. 144)

7 – O gato preto (1843)

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É um dos contos mais lidos de Allan Poe e considerado um estudo sobre a psicologia da culpa. O mistério que envolve a conclusão da história ameniza a violência assustadora do personagem.

Para a narrativa sumamente extravagante e contudo sumamente trivial em que tomo da pena, não espero nem peço crédito. De fato, louco seria eu de esperar tal coisa, num episódio em que até meus próprios sentidos rejeitam o que testemunharam. Contudo, não estou louco — e, decerto, tampouco estou sonhando. Mas amanhã morrerei e hoje quero desafogar minha alma.

(Trecho retirado de Contos de Imaginação e Mistério, p. 81)

8 – O escaravelho de ouro (1843)

Conto cheio de aventura e suspense, pode ser colocado na esfera detetivesca, apesar do terror que carrega. Numa ilha próxima à Carolina do Sul, coisas estranhas acontecem em torno de um mistério quando um escaravelho de ouro é encontrado.

Durante esse diálogo, nenhuma parte do corpo de Júpiter pôde ser vista; mas o besouro, que ele fizera descer, estava visível agora na ponta do cordão, e cintilava, como um globo de ouro polido, sob os derradeiros raios do sol poente, alguns dos quais ainda iluminavam debilmente o cume onde nos encontrávamos. O scarabæuspendia livre de qualquer galho e, se deixado cair, teria pousado aos nossos pés.

(Trecho retirado de Contos de Imaginação e Mistério, p. 276)

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9 – A carta roubada (1845)

Dos contos policiais, esse é considerado o mais brilhante. O famoso detetive Auguste Dupin é designado para resolver uma intriga política que mantém a atenção do leitor do início ao fim.

Em Paris, ao anoitecer de uma tarde tempestuosa no outono de 18 –, desfrutava o duplo deleite de estar entregue aos meus pensamentos e a um charuto de mineral turco, na companhia de meu amigo C. Auguste Dupin, em sua biblioteca, na rua Dunôt, número 33, terceiro andar, Faubourg St. Germain. Já estávamos em profundo silêncio por pelo menos uma hora; para qualquer observador casual, cada um parecia ocupar-se apenas, de maneira absorta e exclusiva, com os sinuosos redemoinhos da fumaça que oprimia a atmosfera do aposento. 

(Trecho retirado de Edgar Allan Poe: medo clássico, p. 209)

10 – O barril de amontillado (1846)

Pense em uma história de vingança! O interessante é que conto é narrado do ponto de vista do assassino.

As mil injustiças de Fortunato, suportei o melhor que pude; mas quando ele se aventurou ao insulto, jurei vingança. Os senhores, que tão bem conhecem a natureza de minha alma, não irão supor, entretanto, que dei vazão a alguma ameaça. No fim eu teria minha vingança…

(Trecho retirado de Contos de Imaginação e Mistério, p.133)

Legado

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Casa em que, entre 1832 e 1835 viveu Edgar Allan Poe, em Baltimore, Estados Unidos. Atualmente ela é chamada de Casa Poe, e serve como um museu dedicado ao autor.

Ao todo, Edgar Allan Poe produziu aproximadamente 72 narrativas, alternando o mistério, a violência, o grotesco, o horror, a total racionalidade. Ele começa suas histórias de maneira solene, sempre mantendo o leitor alerta, que desde o início percebe que o assunto é sério. Pouco a pouco, no desenrolar dos acontecimentos, somos atraídos por coisas que pareciam imperceptíveis, mas que sempre estiveram por perto, porque quando lemos Edgar Allan Poe, descobrimos que todos nós, sem exceção, temos medo, sentimos tristeza, dor, mas todos também sonhamos. Usando as palavras do mestre, seus contos são dedicados para os sonhadores, para todos aqueles que acreditam nos sonhos como única realidade da vida.

Boa leitura!

Referências

  • POE, Edgar Allan. Contos de Imaginação e Mistério. Prefácio de Charles Baudelaire; tradução de Cássio de Arantes Leite. São Paulo: Tordesilhas, 2012.
  • POE, Edgar Allan. Edgar Allan Poe: medo clássico. Coletânea inédita de contos do autor. Tradução de Marcia Heloisa Amarante Gonçalves. Rio de Janeiro: Darkside Books, 2017.
  • POE, Edgar Allan. Edgar Allan Poe: medo clássico. Vol. 2. Tradução de Marcia Heloisa Amarante Gonçalves. Rio de Janeiro: Darkside Books, 2017.