Vem chegando a noite, e com ela aquele momento gostoso de leitura junto ao pequeno. Você, que faz parte da Família Quindim, mal pode esperar para mergulhar no novo título que acabou de chegar. Mas a sua criança tem outros planos: ela quer, mais do que isso, ela precisa ler pela enésima vez aquele livro recebido há meses, com uma história tantas vezes já contada, quase decorada.
Pode ser que você se pergunte se está fazendo algo de errado no processo de apresentar novos títulos para seu filho. Pode ser que, já entregue e resignada, aceite que nem tão cedo vocês vão embarcar, juntos, em uma nova aventura literária. Mas, ao contrário do que muita gente pensa, esses pedidos de repetição da mesma história não são apenas normais, mas também esperados e até desejados – são sinais de que seu filho está se desenvolvendo.
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Sempre a mesma história (ou quase)
Mas, afinal, por que ler o mesmo livro várias vezes para a criança? Pamella Moura é pedagoga, especialista em Educação Infantil e Coordenadora Pedagógica da Escola Favinho, localizada no Rio de Janeiro, que atende crianças em idade pré-escolar. Com anos dedicados à educação infantil, ela explica que a leitura repetida de um mesmo livro serve para que a criança se aproprie das falas, do enredo, de como é feita a entonação e muito mais.
“A cada momento de leitura, seja com a mesma pessoa ou com pessoas diferentes, no mesmo lugar ou em lugares diferentes, a criança observa novos detalhes. Ela memoriza e aprende outros significados, tem novas experiências, faz novas conexões. Tudo isso dentro de uma mesma história”, afirma Pamella.
Então, podemos dizer que quando uma criança pede para ouvir mais uma vez a mesma história, não é exatamente a mesma história que ela está ouvindo. Diferentemente de nós, que temos bem mais repertório e referências, para uma criança tudo é novidade. Sendo assim, se na primeira leitura de uma história ela prestou atenção nas ilustrações, cores e formas, na segunda vai notar as palavras e o espaço ocupado por elas em cada página. Depois, pode perceber a entonação usada por você para fazer a voz de cada personagem, uma piada ou brincadeira com a linguagem, e por aí vai.
Na infância, o desenvolvimento passa, necessariamente, pela repetição. Assim como é preciso balbuciar para aprender a falar, engatinhar e cair para aprender a andar, e muitas tentativas até aprender a amarrar os calçados, as releituras de um mesmo livro são como pedaços de um todo, que vão sendo descobertos e se complementando ao longo do tempo e das repetições.
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A segurança da previsibilidade
Além da função de desvendar as várias facetas de uma mesma história, a repetição da leitura traz também algo muito importante na infância: a previsibilidade que, por sua vez, traz segurança. Você já deve ter ouvido falar sobre a importância da rotina na vida da criança, certo? A certeza do que esperar na constância do dia a dia contribui muito para desenvolver a autonomia das crianças, e com a leitura não é diferente.
Para os pequenos, não é apenas divertido saber de cor as falas de um livro, mas esse saber traz consigo um sentimento bom, de segurança e conforto. Se a experiência de leitura de um livro foi especialmente agradável da primeira vez, a criança vai querer resgatar essa sensação pedindo para que o adulto leia o livro novamente, muitas e muitas vezes.
O mesmo acontece com filmes, brincadeiras, jogos e fantasias que a criança gosta de vestir, por exemplo. A repetição ajuda as crianças a:
- descobrir e consolidar interesses, que muitas vezes estarão presentes por toda a vida;
- sentirem segurança, que por sua vez é fundamental para o desenvolvimento da autonomia (“se eu sei o que preciso fazer e já fiz muitas vezes, me sinto capaz de fazer sozinho”);
- desenvolver a concentração, necessária para perceber e compreender as várias camadas de uma história;
- fixar informações e aprendizados, reforçando o que foi visto anteriormente;
- fortalecer a autoconfiança (“se eu sei o que vai acontecer e já domino o assunto, sou capaz de aprender outras coisas também”);
- ampliar o repertório e o vocabulário.
Além dessas questões mais “práticas”, por assim dizer, a repetição da leitura tem um papel importante também no sentido emocional. “A partir dessas sensações, a criança também vai aprendendo a lidar com as suas próprias emoções. O que aquele livro, naquele momento, está trazendo para ela? [É a reflexão a esse respeito] que faz com que a criança forme suas referências simbólicas”, explica Pamella.
“São referências afetivas e de pensamento que irão permanecer sempre na memória dessa criança, e vão influenciar a criação de comportamentos, de ideias e, principalmente, da sua sensibilidade e da capacidade de aprender o mundo a partir de sensações, a partir da sua imaginação criadora”, complementa a educadora.
E se o prazer virar uma obrigação?
Quando falamos dessa necessidade de reler várias vezes as mesmas histórias, vale dizer que não é a mesma coisa que uma simples repetição mecânica. É preciso observar se aquilo continua fazendo sentido e gerando interesse para a criança ou se virou apenas um hábito.
Se for esse o caso, chegou a hora de mudar. Mas vá com calma – não precisa forçar a barra, até para que a criança não perca o interesse nos livros de maneira geral. Uma boa ideia é observar os temas de interesse do pequeno e propor outros títulos que sejam semelhantes, ou que tragam o mesmo universo e personagens, por exemplo. Pamella diz que a melhor maneira de fazer isso é envolver a criança no processo, procurando entender a relação que faz com que ela tenha prazer na leitura.
Se mesmo assim você perceber que é muito difícil para o pequeno aceitar pequenas mudanças na rotina, ou uma rigidez excessiva na maneira como as coisas devem ser feitas, pode ser necessário buscar o apoio de um especialista. Converse com o pediatra que faz o acompanhamento do seu filho para definirem juntos a melhor maneira de seguir.
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Dica de ouro para apresentar novos livros
Se seu filho ainda não estiver pronto para trocar o livro favorito do momento por outro, você pode tentar estabelecer um acordo em que a obra será retomada a cada dois ou três dias, e que no intervalo vocês lerão novos títulos juntos, por exemplo. Mas, em vez de simplesmente dizer “vamos ler este livro” e ponto final, chame a criança para escolher o que ela gostaria que fosse lido. Afinal, ela é a maior interessada.
“Não tem dica melhor para escolher um livro que desperte o interesse da criança do que envolvê-la nesse processo. É isso que vai fazer a grande diferença, que vai fazer com que a criança se sinta ouvida” explica Pamella. “Quando você tem uma escuta sensível e um olhar atento ao que seu filho gosta, e isso inclui os bebês, a criança se sente ouvida e vê que está sendo levado em conta aquilo que ela quer naquele momento”.
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Sendo assim, se seu filho está na fase de amar repetir as mesmas histórias, aproveite, por mais que por hora pareça chato ou cansativo. Muito em breve ele vai descobrir outras obras e novos interesses. O que vai ficar para sempre são as lembranças desses momentos juntos, o vínculo entre vocês e as marcas das mãozinhas nas páginas já desgastadas daquele livro tão querido, agora na estante.
Estante Quindim
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