O Dia das Mães está chegando, e com a data começam a surgir perguntas como “O que você quer ganhar de presente?”. Pode ser que algumas de nós recebam uma peça de roupa, um par de sapatos, um item de maquiagem ou quem sabe até uma massagem em um spa. Mas, além dos abraços, beijinhos e carinhos sem ter fim, vamos arriscar um palpite: o que a maioria de nós gostaria mesmo é de poder descansar.
Mas não bastaria um simples descanso breve, de um cochilo no meio da tarde ou um fim de semana com as amigas. Parece que nem mesmo dormir por cinco dias seguidos resolveria a situação. Nosso cansaço é tão denso que talvez fosse necessário praticamente entrar em suspensão para conseguir reparar um pouco da exaustão materna.
A realidade é que ser mãe cansa. E não é “só” o cansaço físico de acordar de madrugada para amamentar, de manter guarda 24 horas por dia para que o bebê que está começando a engatinhar ou andar não se machuque, ou de monitorar os aplicativos que a criança de 13 anos está acessando quando fica no próprio quarto.
O cansaço materno é muito maior, mais profundo e mais perene do que isso. A falta de rede de apoio, a dificuldade de conciliar maternidade e vida profissional, de entrar no mercado de trabalho e conseguir permanecer nele, e a inexistência de políticas públicas que aliviem o peso que é manter vivo e educar um ser humano contribuem decisivamente para uma legião de mães cansadas.
Mommy burnout: por trás de uma mãe cansada, um entorno que não acolhe
Os primeiros meses com um recém-nascido guardam desafios que só quem viveu consegue compreender verdadeiramente sua dimensão. Além da amamentação, que é natural mas raramente é fácil, e das tentativas de compreender aquele serzinho totalmente dependente e vulnerável que durante um bom tempo só vai conseguir chorar para expressar suas necessidades, temos a questão da privação do sono, que é real e já foi bastante discutida.
Inclusive, recentemente voltou à baila em forma de meme um estudo de 2019 que afirma que os pais só voltam a dormir melhor depois que a criança completa seis anos de idade. Ou seja, para quem acabou de se tornar mãe e não está nem perto desse marco, os próximos meses podem ser incrivelmente longos e difíceis.
Mas um dos problemas reside justamente aí: como sabemos, a maior parte da carga de cuidados primários recai sobre as mulheres. Então, acaba sendo nossa a tarefa de levantar várias vezes durante a noite, como se não fosse necessário se manter de pé no dia seguinte para dar conta dos outros afazeres da casa, da criança, do trabalho e dos relacionamentos. Assim, é claro que as tarefas que dizem respeito diretamente à mãe cansada, como higiene pessoal, lazer e trabalho, ficam comprometidas.
O resultado são mulheres com quadros de exaustão física e emocional extrema, o chamado mommy burnout. E não se engane: esse não é um fenômeno recente, mas, sim, algo que acontece há muito tempo e somente agora está sendo devidamente observado.
Tristeza, medo, insegurança e muito estresse relacionado à administração do tempo e realização de tarefas são alguns dos sintomas que parecem dominar as mães cansadas. Com eles, irritabilidade e culpa, sempre ela, completam o pacote que consome o melhor das mulheres que são mães.
A culpa materna: é impossível dar conta de tudo
Um dos dizeres populares mais comuns sobre mães afirma que quando nasce uma mãe nasce uma culpa. É óbvio que, se é atribuída à mulher grande parte da responsabilidade relacionada aos filhos, tudo o que “der errado” vai recair sobre ela. Por isso é tão urgente rever e transformar as relações em sociedade no que diz respeito às crianças.
Um dos maiores nomes da indústria do entretenimento mundial, a cineasta, diretora e produtora americana Shonda Rhimes é um exemplo de mulher que é mãe (solo, inclusive), profissional e tem vida pessoal. E não um exemplo no sentido de ser uma “super mulher”, mas sim de ser sincera sobre a realidade que envolve conciliar carreira e família.
Um discurso de Rhimes para formandos da universidade americana de Dartmouth em 2014 voltou a circular pelas redes recentemente, e carrega uma mensagem importante. Em um trecho (que você pode acompanhar especificamente a partir da minutagem 17:36), a cineasta afirma que sempre que está sendo bem-sucedida em uma área de sua vida, quase certamente está falhando em outra. Porque é impossível dar conta de tudo.
É simplesmente impossível. Para equilibrar dois, três ou vinte pratinhos, alguns outros certamente vão cair, quebrar, rachar, ou permanecer na pilha de louça suja para lavar depois. E isso não acontece só com você, ou comigo, ou com as mães da escola do seu filho, ou mesmo com a Shonda, que tem uma uma equipe gigantesca e várias pessoas que podem ajudá-la. Acontece com todas nós que estamos dedicadas a criar filhos.
Mães que trabalham fora, mães que trabalham em casa, mães empreendedoras, mães que ainda precisam ouvir que “só” cuidam dos filhos, como se esse não fosse um trabalho gigantesco, real, absolutamente importante e fundamental, ainda que não remunerado (o que é um absurdo). Todas nós passamos por isso porque é impossível estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
Mas, mais do que impossível, isso não deveria ser necessário. Não deveria estar apenas sobre nós essa carga imensa que é colocar crianças no mundo, educá-las, orientá-las, mantê-las saudáveis e em segurança. Esse não deveria ser um trabalho para uma pessoa só.
A mãe cansada na sociedade
A mãe cansada não está cansada à toa. Nós estamos exaustas porque é raro ter uma rede de apoio que não seja intrometida e impositiva, que não critique nem julgue todo e qualquer passo que a mãe dá.
Estamos exaustas porque mesmo quando fazemos parte do mercado de trabalho temos nossas competências e prioridades questionadas o tempo todo. E não só pelos homens mas também por outras mulheres, que muitas vezes são mães, e que frequentemente reproduzem, sem sequer perceber, os mesmos discursos que as ferem, diminuem e tolhem diariamente suas potencialidades.
Estamos exaustas porque a carga mental de cuidar da casa e dos filhos é quase que exclusivamente nossa, e porque ainda temos uma imensa maioria de “pais que ajudam”, em vez de adultos funcionais ativamente corresponsáveis pela criação de seus filhos.
Somos mães cansadas porque nos cobram que trabalhemos como se não tivéssemos filhos, e que tenhamos filhos como se não trabalhássemos.
Veja também: Licença parental: conheça a medida benéfica para a infância, para a realização dos pais e para a carreira das mães.
A influência dA JORNADA de trabalho no cansaço materno
Uma das causas mais agudas de cansaço materno são as oito horas diárias exigidas pelo mercado de trabalho. Mas você sabe de onde veio isso? Hoje é algo totalmente estabelecido, mas, na época em que foi definida, essa carga horária foi um avanço e tanto: em meados do século XIX, com a Revolução Industrial a todo vapor, as oito horas de trabalho diárias foram uma conquista muito significativa dos operários que lutavam por melhores condições de vida. Isso porque as jornadas eram muito mais longas, as circunstâncias de trabalho eram extremamente precárias e não havia tempo para mais nada. No Brasil, a conquista da jornada de oito horas diárias ocorreu em 1932.
Assim, a ideia de ter oito horas para descansar, oito horas para trabalhar e mais oito horas para viver parecia um oásis em meio ao deserto. E realmente foi, para a época. Porém, grande parte desses postos de trabalho ainda eram pensados para homens, que contariam com o apoio de uma mulher cumprindo a função de cuidar dos filhos e da casa.
Dessa maneira, considerando como o mercado de trabalho brasileiro se transformou desde 1932, é urgente refletir de que maneira isso se encaixa nos tempos em que vivemos hoje, nas nossas demandas contemporâneas e, especificamente, na maternidade.
Basta imaginar o seguinte cenário: uma mãe que mora ao lado do trabalho e pode ir a pé para o escritório, que tem uma excelente rede de apoio formada por pessoas de confiança, condições financeiras ideais para oferecer o melhor para os filhos e funcionários que podem colaborar com as demandas da casa. Ainda assim, em maior ou menor grau, essa mãe terá que fazer um certo malabarismo para conciliar as oito horas no trabalho com as atividades relacionadas aos filhos e à casa, sem falar nos relacionamentos com familiares e amigos e, claro, nas suas próprias necessidades.
Agora, vamos enxergar além e pensar nas mães atípicas, naquelas que passam três ou quatro horas diariamente no transporte público para ir e voltar do trabalho, nas que precisam de mais de um emprego para garantir o sustento da família e nas que não tem nenhuma rede de apoio. Compreende como a conta não fecha?
Por isso é tão importante discutirmos o quão positivo seria reduzir a carga horária para cinco ou seis horas por dia, por exemplo, ou rever a semana para que tenha somente quatro dias úteis. De que maneira a concentração das demandas num intervalo menor de tempo poderia beneficiar a sociedade como um todo e as mães, especificamente? A pandemia trouxe muitas dessas reflexões, inclusive com a adoção do home office e do trabalho híbrido, mas falta um olhar específico para a maternidade e para a quantidade de tempo, esforço e energia que o sistema trabalhista consome das nossas relações afetivas, familiares, com nossos filhos e com nós mesmas.
Veja também: Sobrecarga materna: você sabe o que é carga mental?
A origem do cansaço
Uma pesquisa da Cinematerna, organização sem fins lucrativos que oferece sessões de cinema adaptadas para famílias com crianças de até 18 meses, fez um levantamento em 2019 sobre as principais dificuldades da maternidade.
Como é possível conferir nesta matéria do Estadão, dentre os principais pontos abordados estão justamente a desigualdade nas transformações de vida enfrentadas por uma mulher que se torna mãe e um homem que se torna pai.
O acúmulo das atividades da casa e da criança, as cobranças e os julgamentos, a falta de tempo e de energia para olhar para si mesma e suas necessidades, tudo isso contribui para que as mães fiquem cansadas. E isso porque o estudo foi realizado em um grupo de mulheres cuja maioria tem ensino superior e reside no Sudeste do país. Imagine só, então, como é a realidade de quem não faz parte desse recorte.
Mas vale reforçar: uma mãe cansada não está cansada de ser mãe. Pode ser que, para aquela mulher, ser mãe seja sua faceta favorita. Mas priorizar outra pessoa o tempo inteiro, em todo e cada aspecto da sua vida, é cansativo, sim. E muito. E não há nada de romântico nisso.
É claro que há momentos em que tudo o que você quer é tomar banho sem plateia, comer uma comida ainda quente sem ninguém sentado no seu colo, assistir a um programa de TV sem interrupções. Ou, simplesmente, ficar em silêncio.
Mas as origens do nosso cansaço não são as crianças. Talvez, dentre essas raízes que não param de brotar mães cansadas como fruto, esteja a solidão das decisões que são tomadas apenas por nós.
Como ajudar uma mãe a descansar
Não há nada de errado em oferecer um presente especial no Dia das Mães. Mas pequenas e consistentes mudanças diárias podem fazer muito mais por uma mãe cansada do que um único e grande gesto em um dia isolado.
Por isso, para ajudar uma mãe cansada a descansar, o melhor é que as pessoas ao seu redor façam cada uma a sua parte ao compartilhar a responsabilidade, que é de todos, de criar uma criança.
Companheiros precisam parar de agir como rede de apoio e assumir, definitivamente, seu papel, dividindo não só as tarefas da casa mas também a carga mental de planejá-las. Do contrário, a maior parte do trabalho pesado continuará sendo feito pelas mães.
Amigos e familiares podem se tornar uma rede de apoio de confiança para que as mães tenham mais tempo e energia para olhar para si mesmas. Você não precisa encher a criança de presentes para fazer parte da vida dela. Converse com a mãe para saber como apoiá-la e, principalmente, respeite as suas escolhas.
Na prática, isso quer dizer o seguinte: pode ser que a mãe prefira continuar com as atividades relacionadas ao bebê, como dar banho, alimentar e colocar para dormir, enquanto você ajuda com as roupas que precisam ser lavadas e guardadas ou prepara refeições que possam ser congeladas e consumidas ao longo da semana. Não se trata de oferecer a ajuda que você quer, mas sim a que a mãe precisa. Do contrário, em vez de se sentir confiante e aliviada por poder contar com você, sua ajuda se tornará mais um problema a ser resolvido por essa mãe.
Ainda que você não tenha nenhuma mulher que é mãe no círculo de pessoas mais próximas da sua vida, enquanto cidadão e membro ativo da sociedade você pode e deve cobrar instituições públicas e privadas por melhores condições de trabalho para todas as mulheres. Lute por creches e escolas gratuitas e de qualidade, por vagas inclusivas e afirmativas para mães, e também pela ampliação da licença-paternidade, para que a responsabilidade com os filhos seja igualmente compartilhada desde o parto ou a adoção.
Promova trocas e conversas com mães de todos os tipos, e não esqueça que o seu recorte da realidade nada mais é do que isso mesmo, um recorte. Existem muitas maneiras de ser mãe, e não é possível reduzir todas elas aos estereótipos que cabem somente nos comerciais de TV.
Ofereça a uma mãe cansada aquilo que ela costuma oferecer sempre para todos. Seja abraço, seja colo, seja amparo. Ofereça seu tempo, sua atenção, seu afeto e seu compromisso. Toda mãe é única, mas nós não precisamos ser tudo o tempo todo.