Uma, duas, três… Nove histórias. Essa é a quantidade de livros que a protagonista Stella, de “Cadê o sono da Stella?”, da autora Anete Melece, desbrava enquanto seu pai tenta colocá-la para dormir. Após tantos títulos, o que resta é investigar por que a pequena não consegue adormecer (será que o sono fugiu? Foi roubado?). De forma bem humorada, a escritora convoca detetives para resolver esse mistério e, ao mesmo tempo, dialoga com os pais sobre as noites intermináveis que eles conhecem tão bem. Mas e quando a dificuldade para descansar se torna um problema de saúde? 

“A insônia infantil é caracterizada por dificuldade persistente para iniciar ou manter o sono, mesmo com condições adequadas para dormir, acompanhada de impacto durante o dia”, explica a neuropsicóloga Maria Suelen C. De Oliveira Aoki, psicóloga clínica e do sono. As consequências da dificuldade para descansar nas crianças são, por exemplo, sonolência, irritabilidade, dificuldade de concentração e/ou comportamento desorganizado ao longo do dia.

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E aqui, é importante frisas que a insônia infantil pode acontecer em qualquer faixa etária. No entanto, ela é mais comum de ser diagnosticada a partir dos seis meses, uma vez que o sono já deveria ter um padrão mais consolidado desde essa faixa etária. “Antes disso, despertares frequentes são esperados como parte do desenvolvimento neurológico”, pontua Aoki. 

Quais motivos levam uma criança a ter dificuldade para dormir?

Durante a primeira infância, ou seja, até os seis anos, é esperado que o sono infantil seja afetado por fatores relacionados ao desenvolvimento. Por exemplo, é comum que a criança apresente dificuldade para descansar, porque suas estruturas neurológicas ainda estão amadurecendo. 

É o caso de quando o pequeno passa pela aquisição de novas habilidades, como começar a engatinhar, andar e falar. São aprendizados que costumam gerar excitação na criança antes de dormir e, consequentemente, tornar o momento mais desafiador.

É fundamental ter isso em mente porque cada conquista infantil merece ser celebrada, mas elas podem exigir jogo de cintura dos cuidadores, intensificando ações voltadas à chamada higiene do sono. Logo mais falaremos sobre isso!

insônia infantil
Foto: Canva

De acordo com Aoki, a qualidade do sono infantil também pode ser afetada pela ansiedade de separação. O quadro, mais comum a partir dos oito meses até os três anos, consiste em um medo profundo que gera sofrimento na criança ao se afastar de figuras por quem tem apego e são sua referência de segurança. 

O sentimento tende a amenizar conforme os pais ajudam os filhos a entender que, embora eles fiquem horas do dia longe um do outro, os cuidadores retornarão. Treinar separações mais curtas inicialmente, priorizar despedidas breves e tranquilas, dialogar sobre o que será feito após o reencontro e tentar explicar o que é a separação são alguns dos recursos que os pais podem recorrer para os filhos criarem essa compreensão sobre a ausência.

Mudanças na rotina e no ambiente de descanso também impactam na facilidade infantil para descansar, bem como pesadelos, medos noturnos e o processo natural de aprender a adormecer sozinho. “Essas manifestações são esperadas e não configuram um distúrbio, desde que sejam transitórias e não interfiram de forma intensa na qualidade de vida da criança e da família”, esclarece a neuropsicóloga. 

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Quando não conseguir dormir se transforma em um problema de saúde?

Para além da interferência na rotina familiar, Aiko pontua que a dificuldade para dormir configura-se como um problema de saúde, ou seja, um quadro de insônia comportamental da infância, quando persiste por mais de três semanas.

Entre os principais desafios para adormecer, a especialista cita:

  • Demora por mais de 30 minutos para embalar no sono;
  • Acordar diversas vezes ao longo da noite e não conseguir retornar para o descanso;
  • Recursar-se a ir para cama, com crises de choro e/ou birra constantes;
  • Precisar sempre de um adulto para adormecer, sem a criança conseguir fazer isso sozinha nunca. 

Consequentemente, é esperado que o pequeno apresente comportamentos desafiadores ao longo do dia, uma vez que a noite de sono não foi restauradora. Os benefícios de um descanso adequado vão desde questões fisiológicas, como fortalecimento do sistema imunológico, até comportamentais como consolidação da memória e regulação do humor. “Um psicólogo do sono pode ajudar a diferenciar o que é fase esperada do desenvolvimento e o que já evoluiu para um quadro de insônia comportamental, oferecendo estratégias baseadas em evidências e respeitosas à fase da criança”, reforça Aiko. 

Veja também: Como criar uma rotina de descanso mais tranquila para o seu filho

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Higiene do sono: o que fazer para ajudar a criança a dormir melhor 

Se nós, adultos, precisamos desacelerar para conseguir dormir, com as crianças não é diferente. A sequência de cuidados para descansar é nomeada como higiene do sono que, assim como um banho, visa limpar tudo o que pode estar “sujando” o momento de adormecer. 

1. Estabeleça uma rotina para descansar 

Chegar em casa da escola, brincar um pouquinho, jantar, tomar banho, ir diminuindo as luzes, ler uma história baixinho e… dormir. No dia seguinte, repetir tudo de novo.

Estabelecer uma rotina para que a criança entenda que a hora de dormir está chegando é fundamental para que esse momento seja menos desafiador. A constância é uma ferramenta potente no aprendizado infantil. 

Além disso, a rotina faz com que a criança não seja pega desprevenida e, consequentemente, não tenha um estímulo excessivo de ansiedade – o que já entendemos que é um fator estressante e afeta diretamente o sono. 

2. Crie associações positivas ao sono 

diversidade familiar
Foto: Canva

Deitar para dormir, após um dia cansativo, pode ser um conforto para quando se é adulto. Mas e quando o momento de descansar acontece bem no ápice daquela brincadeira ou interrompe o desenho que a criança queria tanto assistir? 

Para além dos combinados inteligentes, que ajudam a diminuir a frustração infantil, é necessário que o sono traga associações positivas para a criança. Para isso, vale apostar em um banho relaxante antes de deitar, ler uma história tranquila já na cama, ouvir uma música calma e até fazer um alongamento se o pequeno curtir. 

3. Evite o uso de telas antes de deitar

A neuropsicóloga pontua que crianças devem evitar o uso de telas nas duas horas anteriores a dormir. Os eletrônicos hiperestimulam o cérebro, causando agitação no pequeno e, consequentemente, dificultando o seu descanso. 

Vale lembrar que as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria, atualizadas em 2024, são: 

  • Evitar a exposição de crianças menores de 2 anos às telas, sem necessidade;
  • Limitar o tempo de telas em até uma hora ao dia para crianças entre dois e cinco anos; 
  • Limitar o tempo de telas em até duas horas ao dia para crianças entre seis e dez anos;
  • Limitar o tempo de telas até três horas ao dia entre adolescentes de 11 e 18 anos. 

Entre as crianças de dois a dez anos, é importante que o período de uso de telas seja sempre supervisionado por um adulto.

4. Ensine a criança a dormir sozinha 

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Foto: Canva

Aiko orienta os pais a incentivarem os filhos a dormirem sozinhos conforme vão amadurecendo, oferecendo segurança emocional, mas não substituindo o esforço deles.

O processo deve ser gradativo e acolhedor. Para isso, o diálogo com a criança sobre cada etapa da hora de dormir precisa ser lembrada, assim como o valor de ter autonomia. Neste ponto, não a deixe esquecer que, caso precise dos pais, eles estarão por perto, mas isso não significa ceder a própria cama diante de um despertar noturno. A paciência e a constância conduzirão o processo. 

Mesmo diante da práticas das dicas anteriores, a criança pode apresentar dificuldade para dormir e ser necessário recorrer a ajuda especializada. É primordial não subestimar a importância de uma boa noite de descanso e os desafios que esse processo pode trazer para o pequeno.

Estante Quindim

Boa noite, Bo (escritora Kjersti A. Skomsvold, ilustradora Mari Kanstad Johnsen, editora Baião)
Boa noite, Bo, de Kjersti A. Skomsvold e Mari Kanstad Johnsen

Já para cama, monstrinho, de Mario Ramos e Bruno Berlendis de Carvalho

Histórias cansadas (escritor Mario Levrero, ilustrador Diego Bianki, editora FTD)
Histórias cansadas, de Mario Levrero e Antônio Xerxenesky