Percorrido o processo de alfabetização e letramento, com todas as dores e as delícias que dele fazem parte, acontece um fenômeno curioso: a estrada se bifurca e, para um lado, vão aqueles que “sabem escrever”, enquanto para outro, numa via toda escura e chuvosa, se encaminham cabisbaixos os que “não sabem escrever”.
Nesta visão comum do que se segue, o “saber” não teria relação com o domínio do sistema e do código da escrita, mas sim com a aura quase mágica que acompanha aqueles que não se apavoram diante de uma folha em branco. Como se, em resumo, saber escrever fosse algo reservado apenas aos que se sentem à vontade com o processo criativo.
Pois eis a grande revelação: escrever é prática desconfortável para todos aqueles que nela se aventuram. Uns mais, outros menos, todos os escritores e as escritoras precisam sair do lugar quentinho e automático do dia a dia para poder criar seus textos, mundos, relatos, ficções.
O pensamento de que apenas alguns escolhidos teriam “o dom” de escrever é partilhado pela grande maioria dos que amam a literatura e se interessam por criar suas próprias histórias, mas que se reprimem porque acreditam que este não é um mundo para qualquer um.
Pois ele é para todos, e nem tem idade mínima para quem quer entrar. Generosa, a escrita criativa não exige dos interessados nada além do desejo de brincar. Brincar de agora eu era herói e nossos cavalos só falavam inglês, brincar de fazer os outros rirem, de emocioná-los, de calçar os sapatos de alguém que eu conheço e ver como seria dançar com eles por alguns instantes.
Todo mundo sabe escrever. A diferença está na abertura que cada um tem para tudo que o processo exige: concentração, perseverança, paciência e tantas outras coisas sempre raras, mas ainda mais em tempos de dispersão total diante das telas.
As férias escolares são um excelente momento para adquirir junto da criança o hábito da escrita por prazer (prazer com ligeiro desconforto, nunca esquecer!). Criar um diário de férias, com registros ou até mesmo na forma de um caderno ficcional, pode ser um excelente começo.
No entanto, vale pensar que a escrita criativa também precisa de rotina para brotar, com regas senão diárias semanais, no constante exercício de criar amor pelo que se faz. Então, todo dia é dia de escrever.
5 Exercícios divertidos de escrita criativa para trabalhar em sala de aula ou em casa
Os temas abaixo convidam à criação em forma de texto, mas isso não significa que o momento de escrever precise ser engessado e monótono. Papel e caneta ou lápis podem ser grandes amigos, mas não os únicos: caso o responsável ou educador perceba que estar diante da folha em branco é angustiante para a criança, adicione elementos como recorte de figuras, colheita de elementos da natureza, gravação de áudios no celular etc. O texto pode, então, vir a partir deles.
Mais importante que o formato final, a escrita criativa busca conduzir o processo de invenção e emancipação do pensamento. Permita que o jovem escritor reconheça e acolha seu próprio método de criar.
Veja também: Como estimular a criatividade infantil? Descubra e aplique agora.
1. ASTRONAUTA
Criança, você é a primeira ou o primeiro astronauta a pisar definitivamente em Marte. Sua missão é a pioneira, e você foi enviada ou enviado para habitar o planeta vermelho. Você é chefe de todos que estarão lá. Aliás, você sabe dizer se há mais alguém com você ou você foi sozinha/sozinho? Seu cachorro te acompanhou na viagem?
Vamos escrever sobre este importante momento da sua vida, que é também um enorme passo para a humanidade. Antes de tudo, como você está se sentindo hoje, ao embarcar no foguete que o levará para Marte? Está feliz? Preocupado? E agora que seu foguete acabou de pousar, estes sentimentos mudaram? Que nome eles têm?
Neste seu primeiro dia em Marte, o que você prefere fazer? Podemos passear e reconhecer o lugar, ou coletar materiais interessantes que virmos pelo caminho, quem sabe montar nossa nova casa e fazer comida lá dentro. Nós comeremos comida de astronauta ou em Marte tem macarrão?
Temos 30 minutos para escrever sobre tudo que está acontecendo neste dia marcante, seja do lado de fora da nave, seja do lado de dentro da gente. Imagine-se vivendo isso e registre tudo no seu caderno ou folha de papel.
2. PROFESSOR
Você tem uma professora ou professor favorito? Como ele se chama e quais aulas ela/ele dá? Pois hoje a brincadeira é escrever como se fôssemos esta pessoa. Vamos calçar os sapatos dela/dele, vestir suas roupas, assumir seu corte de cabelo e tom de voz para viver um dia no seu lugar.
No seu texto, você vai escrever em primeira pessoa, que é a forma com que escrevemos quando todas as ações de um texto acontecem com a gente mesmo. Vamos fingir com todas as forças que não somos nós mesmos, mas sim esta outra pessoa que escolhemos para a brincadeira.
“A aula de hoje no 4ºB foi terrível!”, você pode começar escrevendo, antes de contar que alguns alunos (que não vamos dizer o nome porque somos muito corretos) fizeram a maior bagunça do ano, soprando bolinhas de papel com cuspe no teto da sala de aula. Você conversou com eles? Como fez para mostrar que aquela baderna não era legal?
Seu texto também pode ser sobre a linda formatura que seus alunos organizaram. Você estava lá presente assistindo tudo e, com muita emoção, entregou todos os diplomas a cada um dos estudantes que agora vão para outra unidade do colégio. Você sentirá falta deles? O que eles faziam que você adorava? E o que eles faziam que você não achava legal e não sentirá a menor falta?
Como você se sente sendo uma/um profissional tão importante para tantas pessoas? É legal ser um adulto assim fundamental para todos?
3. DIÁRIO DE FÉRIAS
Em um caderno que pode ser novo ou reaproveitado dos anos anteriores, você vai criar o Diário das Férias. Todos os dias, registre nele o que aconteceu em casa, nos passeios que talvez você possa dar ou na viagem que quem sabe você terá a oportunidade de curtir. Aqui, o importante é saber que até mesmo as coisas que parecem muito triviais também merecem ir para o diário.
Caiu um meteoro no seu quintal? Incrível, escreva a respeito no caderno! Tinha arroz com feijão no almoço e os adultos ficaram o dia todo ocupados sem tirar os olhos do computador? Pois é, isso também precisa ser registrado no Diário de Férias, mesmo que pareça não ter absolutamente graça nenhuma. Vale escrever sobre o que você viu, o que você sentiu, o que você falou e fez. Alguém visitou sua casa ou você foi até a vovó? Anote a conversa que vocês tiveram naquele formato de diálogo, com travessões, interrogações e tudo mais.
Pode ser que seu diário, ao final das férias, esteja bem parecido com um livro.
Veja também: A importância do tédio para a saúde e a criatividade.
4. HISTÓRIA CLÁSSICA RECONTADA
Era uma vez a história que você mais gostava que sua mãe, pai, avó ou professora contassem, e que, de tanto ouvir muitas e muitas vezes, você já até decorou tudo que acontece com todos os personagens. Ou era outra vez aquele filme legal pra caramba que você já assistiu tantas vezes que já decorou as falas de todas as atrizes e atores, que sabe as dancinhas e músicas, e que gosta de rever sempre que não consegue escolher algo novo no streaming.
Hoje, vamos pegar esta história que você conhece de cor e salteado e vamos recontá-la. Dá para fazer isso de várias maneiras, e aqui vão algumas sugestões: em vez de se dar bem, o mocinho perde tudo no final; quem acabava a história triste agora vai acabar feliz, e vice-versa; vamos acrescentar mais um personagem novo à história e ele vai ser superimportante nela; vamos eliminar algum personagem, e ver como a história se vira para acontecer sem ele.
Nesta proposta de brincadeira, você pode inventar tudo na cabeça, contar em voz alta para sua família, e só depois passar as invenções para o papel. Assim talvez fique mais fácil de deixar tudo bem redondinho na versão final.
5. ADJETIVOS
Adjetivos são as palavras que usamos para dar características às coisas e pessoas. Características não são necessariamente boas ou ruins, qualidades ou defeitos – elas são o que são. Como quando um cachorro é brincalhão, quando um bolo está quente ou se alguém se sente feliz ou triste.
Pois neste exercício é com os adjetivos que você vai trabalhar. Escreva um texto sobre qualquer assunto: pode ser uma história inventada, uma página do seu Diário de Férias, um relato dos seus sentimentos. Ou, se o dia não estiver muito bom para a criatividade, vale pegar uma história que já existe, escrita por outra pessoa – se escolher este formato, digite a história no computador ou escreva-a no papel.
Com essa história em mãos, vamos localizar todos os adjetivos que existem nela e apagá-los. Se tiver dificuldade, peça ajuda de um responsável ou educador. Com todos apagados, como sua história ficou? Você acha que ela ainda faz sentido?
Se ela parece meio maluca, ou se parece que não vai ficar de pé por muito tempo antes de desmoronar, vamos para a segunda parte da brincadeira. Sem colocar de volta os adjetivos antigos, mexa no seu texto para tentar fazer a história tornar a ser boa. Vale acrescentar novos adjetivos ou mesmo reescrever algumas partes sem usar essa classe de palavras.
A ideia é se divertir e abalar as estruturas da língua!
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Estante Quindim
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