Em termos científicos, aprender a escrever à mão – e praticar a escrita – ativa uma ligação direta com o cérebro, que recebe um feedback das coordenações motoras juntamente à sensação do toque do lápis e do papel para depois nossa visão reconhecer a letra caligrafada. Esse processo é fundamental para a aprendizagem e a memorização, principalmente entre as crianças e os adolescentes. Mas, apesar dessa importância, a pesquisa Alfabetiza Brasil, do Ministério da Educação (MEC), realizada em 2021, apontou que apenas quatro em cada dez crianças do 2º ano do Ensino Fundamental estavam alfabetizadas no país naquele ano, o que acende um alerta para professores e pais incentivarem mais a escrita em sala de aula e dentro de casa.

Com a intensa digitalização presente em diferentes setores da sociedade, escolas ao redor do mundo se apressaram para encher as salas de aula e os laboratórios com computadores e tablets. Nesse contexto, livros impressos e cadernos deixam de ser o foco da aprendizagem nas instituições escolares e em casa – além de estar no centro do debate de políticas públicas para a educação e a infância. No entanto, a escrita à mão se mostra essencial para o processo de alfabetização, o aprendizado de diferentes áreas do conhecimento e até mesmo ao desenvolvimento neurológico e subjetivo dos alunos.

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Quais são os benefícios de escrever à mão?

Menino escrevendo com lápis em folha de papel.

Segundo Larissa Fonseca, psicopedagoga e especialista em Comportamento e Desenvolvimento Infantil, quando uma criança escreve à mão, ela registra melhor, pensa melhor e é capaz de elaborar as ideias de forma mais organizada. “A aprendizagem se torna mais significativa e efetiva, já que é cientificamente comprovado que o aprendizado está diretamente relacionado às atividades motoras, seja escrever, pintar, colorir, desenhar e até fazer trabalhos manuais”, explica. A psicopedagoga reforça que essas atividades possibilitam o desenvolvimento das sinapses cerebrais, preparando e conscientizando os pequenos para um mundo repleto de novas tecnologias onde o novo e o velho não são necessariamente excludentes, mas, sim, complementares.

A escrita à mão, então, começa como um desenho. De acordo com a professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Santa Cruz do Sul, Rosângela Gabriel, aprendemos a desenhar as letras e as palavras e a prática desse gesto vai se tornando cada vez mais fácil e demandando menor esforço.

“Ao ver uma letra, a criança associa o som que ela representa e cria-se uma conexão entre a memória visual e a memória do som. Quando a criança aprende a desenhar a letra, uma nova memória é associada às demais e agora já temos três memórias associadas, visão-audição-gesto, ou seja, tudo isso graças ao movimento feito para escrever.”

Para a pesquisadora, a associação de memórias cria redes de neurônios cada vez mais densas, cada vez mais eficientes e mais rápidas, que trabalham de forma cooperativa, tornando a leitura e a escrita habilidades que exigem gradativamente menos trabalho consciente. “E como qualquer aprendizagem, o início pode ser um pouco lento e a família e a escola precisam acompanhar o aluno, compreendendo as dificuldades e encorajando a persistir, além de festejar as pequenas vitórias”, completa.

O melhor clube de assinatura de livros infantis do Brasil

Entretanto, estimular as crianças a escreverem em um mundo repleto de telas pode ser desafiador e é necessário estabelecer estratégias. Segundo Gabriel Salgado, coordenador de Educação do Instituto Alana, criar um ambiente propício à escrita é fundamental. “Os adultos podem disponibilizar materiais como lápis, canetas coloridas, cadernos e papéis, em casa e na escola. Ter um espaço dedicado à escrita, como um cantinho ou uma estação de arte, também pode motivar as crianças a escreverem espontaneamente”, afirma. “É claro que os contextos e as condições são diversos, mas o convite é para que, junto das crianças, possamos criar alternativas possíveis e criativas.”

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Como os professores podem incentivar essa prática?

Em sala de aula, pode ser interessante promover atividades que estimulem a criatividade e a imaginação, como escrever histórias, poesias ou cartas para amigos e familiares. “Essas tarefas permitem que as crianças expressem suas ideias e emoções por meio da escrita”, aponta Gabriel. Contar histórias, em vez de apenas assistir a vídeos ou ler livros, encoraja as crianças a contarem suas próprias histórias e, em seguida, escrevê-las. “Isso pode ajudar a desenvolver suas habilidades de narrativa e interesse pela escrita.”

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Professora de frente para a classe dando a palavra para um aluno com mão levantada.

Estimular jogos e brincadeiras com escrita também é um caminho. “Jogos de palavras, charadas e adivinhações que envolvam a escrita podem tornar o processo mais divertido e motivador”, conta. É possível ainda criar um sistema de incentivo, como um desafio para escrever um determinado número de páginas ou concluir um projeto de escrita a partir de uma pergunta provocadora. “Isso estimula o interesse das crianças em escrever mais”.

E escrever em grupo pode ser lúdico e eficiente. “Promover atividades de escrita com vários alunos, como teatros ou roteiros de filmes em clubes, em que as crianças possam colaborar e compartilhar ideias, ajuda a superar a influência exclusiva dos conteúdos digitais e cultiva o prazer pela escrita nas crianças e nos adolescentes em diferentes momentos da vida.”

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Como equilibrar o uso das tecnologias e incentivar a escrita em casa?

É importante definir horários específicos para o uso de tecnologias no aprendizado em casa. “Por exemplo, durante o horário das lições ou tarefas escolares, e é recomendável evitar o uso excessivo ou sem controle ao longo do dia”, explica o coordenador do Instituto Alana. “É necessário ainda se certificar de que as crianças tenham tempo suficiente para outras atividades importantes, como brincar ao ar livre, para a realização de exercícios físicos e para as próprias interações sociais.”

Alternar atividades offline e online é um incentivo também para o desenvolvimento de diferentes habilidades. “Promover uma variedade de atividades de aprendizado, revezando entre o uso de tecnologias digitais e atividades offline, como leitura de livros físicos, brincadeiras criativas, jogos de tabuleiro e tarefas manuais torna o equilíbrio possível dentro de casa.”

Menina pequena deitada de bruços sobre a cama assistindo um tablet.

Para estimular as crianças a escreverem no ambiente familiar, uma dica é reservar um momento do dia para a escrita regular, como antes de dormir ou após a escola, nem que seja começando com pequenos bilhetes ou avisos divertidos. Assim, a prática consistente pode ajudar a criar o hábito de escrever. “E é essencial mostrar o valor da escrita, se as crianças veem os adultos escrevendo e valorizando a escrita, é mais provável que se sintam incentivadas a fazer o mesmo.”

Por fim, explorar diferentes formas de escrita, além da tradicional, incentiva ainda os pequenos a experimentarem outras maneiras de escrever, como em blogs, por meio de histórias em quadrinhos, em redações criativas, listas e poemas. “A chave para estimular as crianças a escreverem mais é tornar a experiência divertida, significativa e relevante para elas. As crianças e os adolescentes não são folhas em branco para serem preenchidas, eles já sentem, criam e têm seus próprios desejos e opiniões. Um caminho é descobrir os interesses das crianças e tentar relacionar a escrita com esses temas”, conclui.