A falta de paciência tanto dos adultos quanto das crianças não é surpresa em uma sociedade que corre contra o tempo. No entanto, ela ser corriqueira não significa que seja saudável, principalmente para os pequenos que estão se desenvolvendo. Entende-se, então, que é preciso procurar recursos para nutrir a calma, mas o processo exige compaixão – dos mais velhos aos mais novos.
É o que Maya Eigenmann, neuropedagoga e educadora parental, reflete sobre os prejuízos de ser um adulto que cresceu em um ambiente sem paciência — devido a uma ferida geracional — e está educando uma criança a partir do que viveu, embora tenha o desejo de fazer diferente. Sim, o dilema é profundo.
“O problema de ser impaciente o tempo todo é que vai minando as relações. Por exemplo, quando não se tem paciência com o outro, ele vai se afastar e eu também. Se você não tem calma consigo, vai destruir a sua autocompaixão. Só que é preciso ser carinhoso nesse processo de entender que tem muitos fatores contra nós, enquanto família, mães e pais, que estão acontecendo, que são os combustíveis do caos e que dificulta bastante. Mas a ideia aqui é de redução de danos e não de perfeccionismo”, reforça a especialista.
O que faz com que pais tenham menos paciência com os filhos?
Segundo a neuropedagoga, não são poucos os fatores que influenciam a falta de paciência dos pais com os filhos, mas ela elenca os cinco principais e os apelida de “combustíveis do caos”.
O primeiro é o cansaço associado a sobrecarga que mães e pais vivem diariamente. Embora o popular provérbio africano diga que é preciso uma aldeia para criar uma criança, na prática, sabemos que essa função está restrita a duas pessoas ou até mesmo a apenas uma em muitas famílias. Sem contar que o cuidado infantil costuma estar associado a outras tarefas do dia a dia que o adulto precisa fazer, gerando um acúmulo de demandas.
“O segundo combustível do caos é a falta de referência respeitosa. Não crescemos vendo nossos pares se acalmando para falar, logo, é muito difícil aplicar algo que não presenciamos. Os adultos vão apenas replicar o que presenciaram que, muitas vezes, é engolir as emoções e explodir”, pontua Eigenmann.
O que leva ao terceiro fator que é a soma de traumas e, consequentemente, gatilhos que os pais trazem da própria infância e sem recursos emocionais para lidar com eles. Consequentemente, as mesmas feridas podem ser abertas nas crianças quando os adultos repetem as atitudes que os machucaram.
“O quarto é a crítica e o julgamento. Muitas vezes, os pais querem educar de uma forma respeitosa, mas são criticados por outras pessoas, depreciados por quererem fazer isso. Sem contar a autocrítica de acharem que nunca são bons ou competentes o suficiente”, reflete a neuropedagoga.
Por último, a especialista cita a dificuldade do adulto entender que o comportamento infantil desafiador não é uma forma da criança afrontar o adulto. É o jeito que o pequeno consegue se comunicar por ter menos recursos emocionais e, consequentemente, um lembrete de que ele precisa de uma referência para ajudá-lo a criar a ponte entre o sentir e o agir.
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E o que fazer com a falta de paciência das crianças?
É esperado que os menores sejam naturalmente menos pacientes do que os adultos, uma vez que o cérebro deles ainda está em formação e possuem menos estofo emocional para saber esperar. Mas há um fator externo importante que tem deixado o público infantil mais impaciente: o uso de telas.
“O cérebro é ultra-acelerado por meio das imagens que mudam rapidamente e é uma gratificação instantânea: a criança reclama ou não quer esperar e já recebe o celular. Isso vai minando a habilidade de desenvolver resiliência”, explica Eigenmann.
Essa influência cibernética também afeta os adultos. Com o celular em mãos, os pais querem respostas rápidas, o que pode acarretar até mesmo em impaciência com o desenvolvimento dos filhos. Esse comportamento pode atropelar o processo infantil e fazer com que a criança tenha ainda mais dificuldade de entender que tudo tem seu tempo e que ela não está atrasada na vida.
Os principais sinais de que a criança está impaciente não difere tanto do adulto. O pequeno costuma ficar agoniado, reclamar e precisar de mais atenção de quem está cuidando dele. O corpo também pode responder à falta de calma com movimentos repetitivos das mãos e pernas.
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O que fazer para ter mais paciência com os filhos?
A neuropedagoga reforça que não existe fórmula mágica para os pais desenvolverem mais paciência e nem ensinar os filhos a terem mais calma. A principal orientação da especialista é em relação aos pais permitirem que a criança sinta a frustração gerada pela impaciência e crie formas saudáveis de passar por ela sem anular suas emoções.
“Quando ela estiver passando por um desafio, ao invés de distraí-la e mudar o que ela está sentindo, realmente a deixe atravessar isso, andando ao seu lado. Permita que ela sinta enquanto o responsável a auxilia no processo. Depois de passar pela frustração, ela vai ter desenvolvido um pouco mais de resiliência”, explica Eigenmann.
Para ajudar o filho a passar pela impaciência, é importante que os pais não depreciem as emoções que surgem a partir da frustração. Muito pelo contrário, é necessário acolher esses sentimentos desafiadores com diálogo.
Frases como “é difícil esperar, né, filho? Mas estou com você!” ou “você se sente frustrado quando tem que aguardar, né? Também me sinto assim” podem auxiliar a criança a nomear suas emoções e entender que ela não é a única que passa por aquele tipo de situação. A identificação é uma ferramenta importante para o desenvolvimento emocional infantil.
Vale lembrar que não é preciso que os pais criem circunstâncias frustrantes para os filhos para que eles aprendam a ser resilientes. “A vida naturalmente apresentará as situações nas quais a criança precisará de paciência. Nesses momentos, ela vai reclamar e demandará dos adultos. Estes vão acompanhá-la, acolhê-la e não mudar o que ela está sentindo. Quando ela vencer esse desafio, vai ter desenvolvido mais calma”, reflete a neuropedagoga.
Eigenmann reforça que a resiliência é um passo que antecede a paciência e que ambas são fundamentais para que a vida como um todo funcione com harmonia.
“O ritmo [do mundo] está mudando de uma forma assustadora nos últimos tempos. Mas, ainda assim, existem questões que necessitam de tempo e exigem paciência, resiliência e autocompaixão. É necessário conseguir desenvolvê-las para a vida não ficar sofrida e insustentável”, pontua a especialista.
Estante Quindim
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