Entenda por que esse tipo de narrativa faz crianças e jovens agarrarem seus livros e só soltarem quando desvendam o crime e quais as questões envolvidas nos medos de cada um. 

Pais, tios, avós sempre se questionam por que uma criança ou um jovem gosta tanto de livros com histórias de terror, de mistério, de suspense que envolve monstro, seres mitológicos, assassinos, detetives, policiais ou heróis do dia a dia. Sempre escuto os adultos dizendo “Mas não é perigoso esse tipo de leitura? As crianças e jovens não terão pesadelos à noite?” Eu sempre respondo, “Viva o sono e o sonho para elaborar questões do inconsciente”. Quando uma criança lê uma narrativa que contém cena de mistério um pouco mais forte, podendo até conter um pouco de violência, e depois tem um pesadelo, não é necessariamente ruim. Muito provavelmente ela estará elaborando questões psicológicas que para ela são importantes. O pesadelo é o auge do simulacro e da catarse.

Mas o que encontramos nesse tipo de narrativa que faz as crianças e os jovens agarrarem um livro e só soltarem quando desvendam o crime?

Como diria o detetive mais famoso do mundo, Sherlock Holmes, “É elementar, meu caro Watson”. Esse tipo de história é construída para manter a adrenalina do leitor sempre em alta. Um dos fatores mais significativos na criação de um suspense é a sua fragmentação. Você já imaginou uma pessoa (aqui independente se é criança, jovem ou adulto) quando vê um quebra-cabeça? Logo quer saber que figura surge. Começa a montar na brincadeira, vai ficando fascinada com cada peça que acerta e como tudo vai aparecendo à sua frente, mas conforme a dificuldade vai aumentando e não consegue encaixar novas peças, vai ficando angustiada. A leitura de um romance policial, por exemplo, funciona como brincar com um quebra-cabeça. O leitor busca a lógica dos acontecimentos. O raciocínio do leitor não se satisfaz com meios fatos, meias verdades, imagens incompletas. A ânsia de conhecer o todo gera uma inquietação, mescla de curiosidade, insatisfação e medo. Só conseguimos fechar o livro depois do quebra-cabeça montado.

Mas não estamos contribuindo para que crianças e jovens sejam agressivos?

Estaríamos contribuindo para que crianças e jovens fossem agressivos se tirássemos deles a possibilidade de vivenciar, por meio das histórias de suspense e mistério, seus próprios medos. Esse tipo de história, além de exercitar o raciocínio, que tenta encontrar uma lógica para cada nova pista, também possibilita que a atmosfera criada pelo escritor apresente não só os medos dos personagens, mas também os medos do leitor. Quando lemos sobre ventos de tempestades, uivos de lobos, pios de corujas, rangidos de portas, entre tantos outros artifícios usados pelo escritor para criar uma ambiência, estamos trazendo nossos medos juntos para ilustrar o cenário.  Revisitar os nossos medos é a única maneira de sairmos mais fortalecidos e preparados para enfrentá-los. Como nos comportamos quando falta luz, quando chove forte, quando escutamos um barulho num quarto onde a porta está fechada?

A culpa é sempre do mordomo?

Há séculos as narrativas de mistério e suspense que envolvem crimes, furtos, detetives profissionais ou amadores fascinam leitores de todas as idades. Os elementos do mistério e do suspense podem estar presente em todos os gêneros literários. Mas são nos gêneros de terror, suspense e policial que eles ganham o espaço total na narrativa, ocupando da primeira à última linha do livro.

Edgar Allan Poe é considerado o verdadeiro criador do gênero policial na estrutura que lemos hoje. Numa “receita” de inversão e embaralhamento dos fatos, a investigação a partir do crime até achar o criminoso, a possibilidade de várias pistas e de vários criminosos, desenredar todas as complicações até a descoberta final do verdadeiro criminoso e o efeito teatral do suspense.

Além de Edgar Allan Poe, temos escritores estrangeiros que se consagraram escrevendo narrativas de mistério e suspense como Sir Arthur Conan Doyle, Agatha Christie e Dan Brown. No Brasil, escritores como Stella Car, Lucia Machado de Almeida, João Carlos Marinho e Marcos Rey transformam o leitor em grandes detetives.

Histórias extraordinárias (escritor Edgar Allan Poe, ilustrador Poly Bernatene, editora Melhoramentos)

Os assinantes do Clube Quindim já receberam em sua casa o livro Histórias Extraordinárias, de Edgar Allan Poe, editado pela Nova Fronteira, para compor a sua biblioteca pessoal.

Muitos dos livros se tornaram filmes. Mas também series de televisão ou filmes se tornaram livros. Por exemplo, a série de televisão “Os detetives do Prédio Azul”, de Flávia Lins e Silva, virou livro e agora ganhou as telonas, conquistando a maior bilheteria do gênero dos últimos tempos. Isso demonstra que as crianças são curiosas e querem sim se embrenhar no mundo fascinante das descobertas e dos mistérios. Querem, sobretudo, enfrentar seus próprios medos e sua capacidade de imaginar diferentes mundos, incluindo os mundos fantasmagóricos.

Então, tire da estante estes livros para os jovens lerem. Leiam juntos, criem momentos de mistérios e suspense em seu lar para que a cada dia mais uma história seja contada, mais um crime seja desvendado e, principalmente, que todos os medos venham à tona para serem conhecidos.

Curiosidade: Estudiosos consideram o conto egípcio “A história de rampsinitos” como o primeiro texto de conto policial.

Algumas dicas do Quindim

– Gênio do crime: uma aventura da turma do gordo – João Carlos Marinho, editora Global

– Os criminosos vieram para o chá – Stella Carr, editora FTD

– O Escaravelho do Diabo – Lúcia Machado de Almeida, editora Ática

– O mistério do 5 estrelas – Marcos Rey, editora Global

– Os detetives do Prédio Azul – Flávia Lins e Silva, editora Zahar

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Volnei Canônica é formado em Comunicação Social – Relações Públicas pela Universidade de Caxias do Sul, com especialização em Literatura Infantil e Juvenil também pela Universidade de Caxias do Sul, e especialização em Literatura, Arte do Pensamento Contemporâneo pela PUC-RJ. É diretor do Centro de Leitura Quindim e colunista do Publishnews.  Ex-diretor de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas, do Ministério da Cultura. Coordenou no Instituto C&A de Desenvolvimento Social o programa Prazer em Ler. Foi assessor na Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Na Secretaria Municipal de Cultura de Caxias do Sul, assessorou a criação do Programa Permanente de Estímulo à Leitura, o Livro Meu. Também foi jurado de vários prêmios literários.