Nos últimos anos, a Educação Positiva tem ganhado um espaço importante no debate público e chegado a um número cada vez maior de famílias que descobrem, por meio dela, que certas atitudes naturalizadas há décadas são violentas e têm resultados negativos a curto e longo prazo. Apesar disso, o assunto pode ser um terreno espinhoso: confundida com permissividade entre aqueles que pouco a conhecem, essa forma de educação é vista, muitas vezes, como “perigosa” por tirar o poder do adulto e dá-lo à criança. É aí, porém, que começa toda a confusão.

Não se trata de mudar o poder de mãos, mas, justamente, de enxergar a educação fora dessa dicotomia simplista. “Na Educação Positiva, quando falamos que não acreditamos em uma relação hierárquica na qual o adulto manda, as pessoas automaticamente pensam que, se o adulto não manda, a única opção que existe é ser permissivo e, assim, a criança acaba mandando. O que tentamos mostrar para a sociedade é que há uma alternativa fora dessa polarização”, explica Maya Eigenmann, neuropedagoga e educadora parental autora dos livros A raiva não educa. A calma educa (2022), Pais feridos, filhos sobreviventes (2023), e do recém-lançado infantil Por que não posso ser criança? (2024), todos pela Astral Cultural.

“O autoritarismo e a permissividade são apenas dois lados da mesma moeda, já que o adulto continua sendo o centro da educação – é sobre ele, suas necessidades e expectativas”, acrescenta Maya. A Educação Positiva é o oposto disso: a ideia é que o centro seja a criança e o seu desenvolvimento, sem nunca perder de vista que o cérebro dela ainda está em formação. O adulto, portanto, é o ser com maturidade e experiência que vai ajudá-la nesse processo, e não uma figura que precisa assumir uma posição de poder sobre ela.

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A Educação Positiva impõe limites?

Não se trata de “impor” limites, mas de entender que regras vão existir e que deverão ser respeitadas. Para a surpresa de muitos, Maya Eigenmann afirma que, na Educação Positiva, é até mais natural que as crianças compreendam e respeitem as regras do que nas formas tradicionais de criação que, em geral, ou ficam no polo autoritário ou no permissivo. “Nessas relações, não há diálogo, há apenas negligência ou imposição. Nunca se conversa sobre regras, não há explicação nem respeito, inclusive, pela indignação que a criança possa vir a sentir”, pontua Maya.

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A questão é não ceder à tentação de buscar obediência ou, ainda pior, uma obediência cega que forma indivíduos conformados e que não sabem questionar o porquê das coisas. Não é sobre mandar e obedecer, mas sobre poder conversar e construir uma relação de respeito mútuo. “Na Educação Positiva, os adultos conversam sobre o sentido da regra e permitem que a criança expresse a indignação dela, caso venha a sentir. Ela não tem apenas que obedecer e executar o que está sendo mandado”, diz a neuropedagoga.

3 passos fundamentais para que a criança respeite os limites sem autoritarismo

Primeiro, Maya ressalta que é preciso perder a ideia de que os pequenos não conseguem entender os limites, “pois eles conseguem entender muito bem”, reforça. Isso posto, embora não haja uma cartilha de passo a passo a seguir, é possível elencar alguns pontos fundamentais que ajudam nesse processo.

1. Desenvolver um relacionamento de confiança 

mãe com filho
Crédito: Canva

Uma questão essencial na educação infantil é a construção diária de um relacionamento respeitoso com os filhos. “É importante construir, desde sempre, uma relação de confiança e respeito mútuos com a criança. Não é assim que tratamos as relações amorosas e de amizade?”, questiona Maya. Esse relacionamento é primordial para que os pequenos se sintam seguros e amados, principalmente quando as situações desafiadoras acontecerem. Com essa base cada vez mais sólida, o respeito aos limites – pelos seus motivos, e não pelo medo do castigo – tende a ficar mais natural conforme a criança cresce.

2. Ser o exemplo daquilo que você deseja ver na criança

mãe com filho
Crédito: Canva

Mais uma questão primordial é lembrar que o adulto é o exemplo dentro de casa. “Esse é o ponto mais importante e o menos seguido. Os adultos são péssimos como exemplos para os filhos”, alerta a educadora parental. Não adianta dizer à criança que ela não pode bater e falar certas palavras se ela presencia com frequência os adultos cuidadores tendo esse tipo de comportamento. O mesmo cabe até para situações simples, como hábitos de vida. Vale lembrar que, para os pequenos, é muito mais natural imitar do que seguir orientações que não são praticadas pela família.

3. Explicar os motivos pelos quais cada regra existe

Educação positiva: como respeitar os limites sem castigos?
Crédito: Canva

É mais fácil agir de acordo com as regras e respeitar os limites quando entendemos o porquê de eles existirem – e isso também vale para nós, adultos. A questão é que certas coisas são tão óbvias para pais e cuidadores que eles acabam se esquecendo de que, para um serzinho que está na Terra há apenas cinco anos, certas relações não são automáticas. Nesse mesmo processo, escutar possíveis reclamações faz parte e é até importante que os pequenos saibam questionar.

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Quando for viável, vale apresentar alternativas

Apesar da trend satírica que tem circulado pelas redes sociais sobre Educação Positiva e que mostra duas opções oferecidas a alguém, sendo uma delas completamente negativa, não se trata disso. A prática de dar escolhas pode ser muito útil nas questões negociáveis do dia a dia – embora não deixe de ser uma espécie de manipulação. O ponto é que, quanto mais alternativas são dadas a uma criança, maior poderá ser a desorganização. Por isso, é preciso oferecer possibilidades dentro do que o nível de entendimento dela é capaz de gerenciar.

“Vamos usar o cérebro maduro do adulto a favor da criança e dar alternativas viáveis para resolver as questões”, diz Maya, lembrando que, muitas vezes, as decisões devem ser tomadas pelos pais, cuidadores e educadores. “Os responsáveis não podem apenas deixar a criança escolher se vai escovar os dentes ou se vai escovar na hora que ela quiser. Essas são responsabilidades dos adultos, que precisam sustentá-las, mas de maneira paciente, acolhedora e amorosa”, acrescenta. 

O aprendizado na prática também é válido, mas com o suporte necessário

Educação positiva: como respeitar os limites sem castigos?
Crédito: Canva

Mais uma vez, é preciso relativizar a obviedade dos fatos e lembrar que há certas coisas que só são aprendidas na prática. Você até pode se cansar de dizer à criança que ela deve vestir a jaqueta de chuva, por exemplo, pois o tempo vai virar e ela vai se molhar. Mas talvez ela só entenda isso, de fato, quando as gotas começarem a cair – e isso não significa que ela deva ser castigada por não ter te ouvido.

“A criança não tem como mensurar as consequências de sua escolha ainda, ela não tem experiência de vida nem maturidade para isso”, explica Maya. “Se ela não quer vestir a jaqueta, o adulto pode levá-la na mochila para, se começar a chover, conseguir vesti-la. Ela ainda está aprendendo o que se faz. Mas não diga que avisou e que ela deveria ter feito de outra forma, pois estará se impondo como uma autoridade inquestionável”, reforça.

E no momento em que a criança não respeita os limites e faz “birra”, como agir?

Como sabemos, a infância é um período de intenso aprendizado e de experimentação, o que significa que o pequeno nem sempre vai agir da forma que pais ou cuidadores querem. Mas isso nada tem a ver com ele, e sim com o que o adulto espera que ele faça. “O maior problema é a expectativa do adulto a respeito da criança e a visão da educação tradicional, que afirma que ela não deveria estar se comportando de tal forma e que esse é um sinal de necessidade de domesticação. Quando as pessoas partem desse ponto, a tendência é serem violentas, autoritárias e repressoras com a criança”, elucida Maya.

É inevitável que existam momentos desafiadores. A questão é como nós, adultos, lidamos com eles – lembrando que castigar não tem espaço na Educação Positiva. “Se, quando a criança não cumpre com a autoridade, ela acaba pagando um preço, aprende que os responsáveis por ela são fontes de castigo e não de segurança”, alerta a neuropedagoga.

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Certamente, essa virada de chave não acontece do dia para noite e o estudo da parentalidade positiva pode contribuir largamente nesse processo, feito de mudanças progressivas. A primeira atitude, segundo Maya, é começar a mudar essa mentalidade e entender que é preciso se acalmar no momento da birra para tentar ajudar a criança a também ficar mais calma. 

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“Vale iniciar com pequenos passos”, aconselha Maya. “Em vez de começar a se preocupar com como lidar com a birra no shopping, você pode pensar em como lidar com a birra dentro de casa, que é um espaço seguro”, orienta, lembrando que o estado de espírito do adulto tem forte influência na reação da criança. “A neurociência diz que quanto mais calmos e acolhedores os responsáveis são, mais fácil será para a criança se regular, já que ela não consegue fazer isso sozinha – precisa de um cérebro maduro para corregulá-la”, explica.

Ao se acalmar e conseguir acalmar o pequeno, é importante explicar, mesmo que apenas num momento posterior, quais limites foram ultrapassados ali, por que aquilo não pode acontecer e por que você precisou intervir, por exemplo. Conversar de forma clara, mas amorosa, é primordial. Ainda assim, é certo que nem sempre tudo vai sair conforme o planejado, mas com uma relação de confiança, respeito e segurança vai ficando mais fácil trilhar esse caminho. 

Estante Quindim

Conheça dois livros já enviados pelo Quindim para conversar com os filhos em família:

Boa noite, Bo (escritora Kjersti A. Skomsvold, ilustradora Mari Kanstad Johnsen, editora Baião)
Boa noite, Bo, de Kjersti A. Skomsvold e Mari Kanstad Johnsen
O menino, o pai e a pinha (escritor Yuri de Francco, ilustradora Ionit Zilberman, editora Ciranda na Escola)
O menino, o pai e a pinha, de Yuri de Francco e Ionit Zilberman