A diversidade é importante?
Que diversidade é essa?
Para quem é fundamental a diversidade?
Quando devo falar sobre isso com as crianças?
Para essas perguntas teríamos muitas respostas e cada pessoa vai elencar o seu porquê. Principalmente quando o assunto é relações étnico-raciais, convido você para dialogar mais de perto. Mesmo com muitas possibilidades de respostas, um ponto vai conversar com todas e todos que um dia se perguntaram sobre isso: a diversidade é boa para todo mundo e só pode ser reconhecida se for vivida diariamente, em todos os espaços.
Sim, diariamente, ou seja, todos os dias, não ano a ano quando chega o mês de novembro com o dia da Consciência Negra, no qual as escolas, instituições e redes sociais se mobilizam para falar sobre protagonismo negro e representatividade. Precisamos compreender que a diversidade existe a todo momento e o dia 20 de novembro é uma data importante para reflexões sobre o assunto, mas que só provoca reflexões e impacto se a gente chegar mais perto todos os dias das histórias e culturas africanas e afro-brasileiras, as histórias e as culturas do nosso país que têm protagonismo de pessoas negras.
“A gente vê, a gente ouve, a gente quer
Mas será que a gente sabe como é?
Quem vê de longe pode não gostar
Não entender e até censurar
Quem tá de perto diz que apenas é
Cultura, crença, tradição e fé”
(Criolo – Diversidade – Tabu Brasil)
Trago para esse papear o movimento proposto pelo músico e compositor Criolo, de chegar mais perto para construir vínculos com as culturas, crenças, tradições e fés de todos os grupos sociais. Neste caso, das histórias africanas e afro-brasileiras, pois a melhor forma de dialogar com a diversidade é se aproximar.
Para isso, as famílias podem e devem se compreender como um veículo de aproximação para as percepções de que todo corpo carrega em si uma pluralidade de saberes e muitas histórias. Ainda porque, se a gente não chegar mais perto para ver, se ficarmos de longe, se não convivermos, como iremos conhecer as diversas camadas de determinada história ou cultura? Como iremos nos apaixonar por elas? Como valorizar o que elas são? Como respeitar e amar quem as realiza?
É urgente pensarmos sobre isso tudo numa sociedade que segmenta e que mata em vida muitas formas de ser, perceber e estar nesse mundo. Uma pesquisadora e professora chamada Azoilda Trindade certa vez escreveu que o racismo é a morte em vida, a invisibilidade:
“A gente olha ,mas não vê, a gente vê, mas não percebe, a gente percebe, mas não sente, a gente sente, mas não ama e, se a gente não ama a criança, a vida que ela representa, as infinitas possibilidades de manifestação dessa vida que ela traz, a gente não investe nessa vida, e se a gente não investe nessa vida, a gente não educa e se a gente não educa no espaço/tempo de educar, a gente mata, ou melhor, a gente não educa para a vida, a gente educa para a morte das infinitas possibilidades. A gente educa (se é que se pode dizer assim) para uma morte em vida: a invisibilidade.”
Azoilda Trindade
Ao considerarmos essas questões, passamos a reconhecer as vidas de todas as pessoas, “precisamos insistir em que a presença de todos seja reconhecida”, como a escritora e pesquisadora bell hooks afirmou ao refletir sobre práticas de educação antirracistas em seu livro Ensinando a transgredir.
Quando falamos com as crianças é importante pensar na garantia do direito de cidadã em uma sociedade que insiste em colocar as existências negras na invisibilidade. Ainda porque não podemos esquecer que a diversidade é boa para todas as pessoas, inclusive para crianças brancas.
Crianças, desde cedo, podem aprender a não olhar para a diversidade, quando lhe são ofertadas referências únicas de mundo, representações positivas que são somente delas. É a partir das suas experiências, em seus grupos sociais, seja na escola, em casa ou nos grupos de amigos, que a criança vai sendo educada para a diversidade, em uma educação antirracista, para ela não se constituir racista. Nós, adultos que convivemos com crianças, precisamos nos atentar que é nossa obrigação caminharmos na direção oposta ao racismo, para isso, diariamente, temos que ser antirracistas.
Para além das histórias únicas
A escritora Chimamanda Adichie, em 2009, realizou uma palestra no TED Talk que, em 2019, virou livro pela editora Companhia das Letras. Em sua fala, trouxe várias questões para pensarmos no perigo de uma história única. Chimamanda questiona o acesso a uma única literatura que não retrata seu país, a Nigéria.
No Brasil não é muito diferente, por muito tempo a nossa sociedade ignorou as muitas histórias sobre nós quando elas eram narrativas dos povos tradicionais e pessoas negras. Assim, a produção de conhecimento no Brasil nos apresentou uma única forma de ser, portanto, uma ação antirracista é buscar outros conhecimentos produzidos por diversas pessoas, sejam conhecimento teóricos ou literaturas, sejam outras linguagens artísticas ou entretenimento. Porque, como já falamos, as nossas escolhas mudam o mundo, e essas escolhas podem e devem trazer diferentes mundos dialogando entre si e não de forma hierárquica, colocando um conhecimento em detrimento do outro.
Todos os grupos sociais produzem culturas que são valorosas para eles, e aproximar as crianças delas é proporcionar uma criança mais empática, com maior percepção do outro e escuta. Quanto mais eu conheço o outro, mais eu percebo a mim mesmo e vou preenchendo sentidos, ganhando camadas de conhecimentos. Portanto, uma criança que dialoga com o diverso, sem construir hierarquias, vai desenvolver uma responsabilidade com o todo, uma responsabilidade social.
E a literatura é um convite – dos muitos existentes – para construir esse diálogo. Para crianças, e adultos também, é possível conhecer mundos, construir pontes e quanto mais diversos forem os mundos apresentados nos livros maior nossa capacidade de se comunicar.
Quando pensamos nessa literatura como um território de muitos encontros, temos a certeza de que ninguém volta desse encontro o mesmo. Retorna, como a pesquisadora e autora Eliane Debus diz, repensando seu próprio viver: “A palavra ficcional arrebata o leitor para um tempo e espaço que não são seus. Desse modo, ele experencia um viver distante do seu, ao mesmo tempo, tão próximo, e, ao voltar desse encontro ficcional, já não é o mesmo; ele é capaz de reconfigurar o seu viver.”
A criança olha para a sua história a partir da experiência vivida na ficção, encontra conexões e também lacunas, passa a questionar e, por que não, contribui para transformar. Pois, na medida que a criança começa a conviver com a diversidade e ver beleza nela consegue desenvolver uma inteligência emocional, aprendendo a lidar com os sentimentos e emoções sobre si e sobre o outro.
O papel da literatura na conscientização
Mas precisamos compreender a literatura como um lugar de construção dessa consciência antirracista quando as narrativas apresentam personagens e histórias negras sem estereotipar. Não é mais possível colocar corpos de personagens negras e suas histórias como subalternos. Devemos lembrar, sempre, que é a representação de um ser humano e que há de ter respeito com a sua existência. É necessário que o livro seja um território seguro para qualquer criança sentir aconchego e desaconchego, sem ter sua imagem depreciada.
Portanto, os livros que vamos apresentar às crianças passam por muitas questões para garantia da diversidade. Vamos a eles!
1 – Trazer autoria negra, tanto na escrita quanto na ilustração
Por muito tempo livro de autoria negra era difícil de publicar e quando publicados circulavam em poucos lugares. Hoje temos muitos livros sendo publicados em editoras negras, pequenas e grandes editoras ou de forma independente, nos deixando inúmeras possibilidades de escolhas.
2 – Trazer livros com personagens negras vivendo situações diversas do dia a dia
Há muitas possibilidades de existência para uma criança. Sendo ela negra não pode ser diferente. Elas têm o direito de ir à biblioteca, de serem representadas com família, brincando, ou seja, de todas as formas possíveis.
3 – Trazer livros de históriaS e culturas africanas e afro-brasileiras
Essa é uma forma de se aproximar dos muitos modos de compreender o mundo e nossa própria história.
4 – Trazer livros que apresentem personalidades negras
Muitas pessoas construíram nosso país e tiveram suas histórias invisibilizadas, não narradas. É preciso apresentar para as crianças as diferentes pessoas que fizeram e fazem parte da construção do nosso Brasil.
5 – Trazer livros que falem das religiões brasileiras de influência africana
Não há um único modo de ter fé, é preciso chegar mais perto para ver como são potentes e belas as diferentes religiões que compõem o nosso país.
6 – Trazer livros que transbordam afeto
Todas as crianças têm o direito a construir relações afetivas pautadas no respeito, na boniteza e no carinho.
Lógico que essas são pequeninas sugestões, há muitos e muitos outros livros para as infâncias que contribuem para diálogos afetivos e existências diversas, mas, principalmente, que compreendem a literatura como território de recriação onde todo corpo que nele habita carrega histórias. Seja a personagem, seja a pessoa que lê, seja a autoria.
Nesse recriar, as literaturas passam a ser espaços em que crianças possam se ver e ver as outras crianças, diferentes delas. Possam sentir e perceber o mundo e principalmente, ser uma criança que também tem a possibilidade de recriar esse mundo. Porque muitas narrativas são possíveis e, com a pluralidade, nos convidam a aprender a sonhar.
E, nesse sonha que se sonha junto, clicando aqui você acessa a página de Seleções do Clube Quindim onde pode conhecer todos os livros com protagonismo negro já enviados pelo clube aos seus assinantes.