O leite materno é o alimento mais completo para o bebê. Não é à toa que a Organização Mundial da Saúde reforça sua manutenção como alimento exclusivo até que o pequeno tenha, pelo menos, seis meses, podendo ser mantido como alimento complementar até os dois anos de idade ou mais.
Mas, como sabemos, oferecer o peito para uma criança é muito mais do que garantir a sua nutrição. Dar de mamar é sinônimo de acolher, confortar, dar segurança e, justamente por isso, o desmame precisa ser conduzido com todo o cuidado.
A questão é que, assim como quase tudo o que envolve a relação mãe e bebê, não existem regras absolutas e uma cartilha rígida a ser seguida. É preciso tentar, com calma e paciência, até descobrir o que funciona melhor para você e seu filho.
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O que é o desmame gentil
O desmame gentil, ou desmame gradual, é composto por um conjunto de atitudes que podem ser tomadas para conduzir o processo de interrupção da amamentação no seio. Nesse percurso, há várias questões importantes a serem consideradas, mas duas delas são absolutamente fundamentais e merecem destaque.
Primeiro, a criança vai precisar suprir suas necessidades nutricionais de outra maneira, então é importante que se alimente bem, com variedade, qualidade e regularidade. Em segundo lugar, não podemos esquecer das demandas emocionais que são atendidas quando uma criança mama no peito, que deverão ser acolhidas de diferentes formas e, também, por outras pessoas além da mãe.
No processo de desmame, o bem-estar da mãe e do bebê são prioridade, mas outros adultos do convívio com a criança podem e devem ajudar. Mas, atenção: ajudar não é o mesmo que interferir. Opiniões não solicitadas e comentários sobre como a criança já está bem grandinha para continuar mamando não ajudam em nada, e podem deixar ambos – mãe e filho – estressados e ansiosos com a situação.
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Dimensões do desmame gentil
Ainda que existam sugestões de passo a passo para seguir até que o desmame esteja efetivamente concluído, essas etapas podem variar em cada situação. Sendo assim, o melhor é ter em mente as diferentes dimensões que estão envolvidas no processo de desmame, tanto para que você possa atuar em várias frentes, quanto para indicar para as outras pessoas como você deseja e pode ser apoiada.
Contexto: escolha o momento com cautela
Se você está decidida a iniciar o desmame, avalie se o momento é propício ou se a criança está atravessando uma fase com outros desafios importantes. Aqui, pode se tratar da chegada de um irmãozinho, uma mudança de casa, de escola ou a adaptação a uma nova realidade, como passar a dormir no próprio quarto. Talvez o momento perfeito ou ideal não exista, mas procure não sobrecarregar a criança com mais uma grande mudança enquanto ainda lida com outras questões.
Comunicação: estabeleça diálogo com o seu filho
Quando a criança já é maiorzinha, é possível estabelecer uma boa comunicação com ela para entender quais são seus desejos e necessidades. Mas, mesmo com as crianças que ainda não falam, ou que falam poucas palavras, é possível permanecer atento para entender o que de fato elas precisam, entendendo que não necessariamente será mamar.
Uma boa maneira de fazer isso é observar a criança e se antecipar às suas questões. Se você sabe, por exemplo, que no meio da manhã a criança pede o seio para tirar um cochilo, não espere que ela chore para iniciar esse processo, pois será mais difícil acalmá-la.
Muitas vezes, a criança chora e pede o peito porque precisa de atenção, seja por estar com dor, com sono, cansada ou, realmente, com fome. Entenda o que a criança está pedindo e aja sobre isso. Ah, e uma coisa bem importante: atender os pedidos não significa fazer tudo o que a criança quer. Se não for hora e lugar de mamar segundo os combinados de vocês, explique para a criança os motivos, acolha o choro e procure redirecionar a atenção.
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Regulação: acesso, duração e frequência
Essa dimensão do desmame gentil conversa diretamente com a anterior, justamente porque em muitos casos os pedidos para mamar são, na verdade, pedidos de atenção. Então, observe individualmente cada solicitação que a criança fizer para verificar se a necessidade é mesmo do seio ou de outra coisa, decidindo caso a caso.
Esperar a criança pedir, em vez de oferecer o peito, também pode ajudar bastante, bem como a substituição de blusas e vestidos com decotes largos, botões e zíperes por outros mais difíceis de abrir. No meio tempo entre a solicitação e você conseguir tirar o seio da roupa, dá para avaliar melhor se é mesmo o caso de mamar ou não.
Vai ser hora de mamar apenas enquanto estiver sol, em casa, e num cantinho especial de vocês dois? Cada mamada vai durar o mesmo tempo de uma música ou um livro especial? Fazer desse momento uma oportunidade para a leitura compartilhada também pode ajudar. Combine claramente com sua criança quando serão feitas as mamadas e cumpra esses combinados, pois tudo isso vai ajudar a organizar essa nova dinâmica.
Envolvimento: inclua a criança nas atividades da casa, da família e da escola
Nessa dimensão, o apoio de outros adultos é fundamental. A criança pode ser inserida em atividades de acordo com a idade para se sentir efetivamente participando da rotina da família, enquanto estabelece contato e laços de confiança com outras pessoas.
Ajudar a dobrar a roupa, a levar a louça para a pia, a arrumar a cama e guardar os brinquedos na companhia de outros adultos de confiança não só é uma boa estratégia para fortalecer esses vínculos como será muito útil para a própria criança quando estiver maior.
Organizar idas ao parquinho para brincar com outras crianças, sem a presença da mãe, também é uma ótima pedida. Contato com a natureza e brincadeiras ao ar livre são ainda melhores.
Você: mulher e mãe, para além da amamentação
Você certamente já ouviu histórias sobre crianças que entraram na escolinha sem nem olhar para trás, deixando uma mãe em frangalhos chorando na porta. Talvez tenha passado por isso você mesma. Sendo assim, sabe bem como muitas mudanças podem ser mais difíceis para nós do que para eles, e talvez a amamentação seja uma dessas.
Por mais que você queira o desmame e até anseie por ele, se despedir dessa fase de um contato tão íntimo e próximo com seu filho pode não ser fácil. A constatação de que a criança não depende exclusivamente de você realmente é uma moeda de duas faces, bem como várias outras questões ambíguas da maternidade.
Assim, procure descobrir e redescobrir atividades prazerosas para você enquanto indivíduo. Ocupe sua cabeça e seu tempo: reencontre amigos, leia um livro, volte a fazer exercícios ou invista naquele sonho que há tempos está esquecido dentro da gaveta.
Se preciso for, adie o processo
Nem sempre somos bem-sucedidas logo na primeira tentativa de algo novo na maternidade (ou quase nunca, não é mesmo?). Assim como acontece com a introdução alimentar e o desfralde, por exemplo, é preciso ter paciência, persistência e humildade para recuar quando percebemos que o ritmo que estabelecemos não está sendo adequado para a criança.
Está tudo bem adiar um pouco e recomeçar o processo em outro momento, desde que isso seja o melhor para vocês dois. Os palpites e as observações inconvenientes de pessoas próximas e da sociedade em geral, sobretudo quando são crianças maiores que “ainda mamam”, podem incomodar bastante, mas a experiência é exclusiva de vocês.
Talvez você sinta saudades do tempo que amamentou, talvez se sinta livre por não precisar mais oferecer o peito, talvez um pouco dos dois. O importante mesmo é ficar claro, tanto para você quanto para o seu filho, que aquilo que une vocês existe para muito além da amamentação.