Você já parou para pensar sobre qual é a sua princesa da Disney favorita? Se a resposta for a meiga ruivinha Ariel, com seu avassalador desejo de deixar de ser uma sereia no fundo do mar para se transformar em uma menina capaz de viver na superfície ao lado do seu príncipe encantado, talvez você decida pensar um pouco melhor quando conhecer as raízes dessa história.
Assim como fizemos com A Bela Adormecida, neste artigo vamos conversar sobre as origens do conto de fadas da Pequena Sereia, e sobre como a história vem se transformando ao longo do tempo.
Atenção: o artigo trata de temas sensíveis como violência, abuso e suicídio.
A história da Pequena Sereia: primeiros registros
Quem conta um conto aumenta (ou, ao menos, transforma) um ponto. Com o dinamarquês Hans Christian Andersen, que escreveu A Pequena Sereia em 1837, não é diferente. Segundo registros, ele teria se inspirado em um conto alemão chamado Undine, que conta a história de um espírito do mar que se casa com um ser humano para conquistar uma alma imortal.
Criado por Friedrich de La Motte Fouqué, Undine, por sua vez, consiste em uma versão mais leve e romântica (veja só) de uma lenda assíria com mais de 3 mil anos, que fala sobre uma deusa chamada Atargatis.
Atargatis teria se apaixonado perdidamente por um pastor mortal chamado Hadad. Juntos, tiveram uma filha, chamada Semíramis, que futuramente viria a se tornar rainha assíria. Ela, inclusive, se tornou bastante conhecida por ter criado os chamados Jardins Suspensos da Babilônia.
Atargatis teria causado acidentalmente a morte do seu amado Hadad. Não suportando a culpa, a dor e a tristeza de ter que viver sem seu grande amor, a deusa tirou a própria vida ao se jogar em um lago para se afogar. No entanto, sua beleza era tanta que nem mesmo a água era capaz de escondê-la. Os deuses, então, decidem poupá-la, transformando-a em uma mulher com cauda de peixe. Atargatis, assim, passa a ser conhecida como a primeira sereia, e, também, como a deusa-sereia.
A versão de Hans Christian Andersen
A Pequena Sereia de Andersen era uma menina de 14 anos com cauda de peixe, filha do Rei dos Mares, que vivia nas profundezas do oceano com suas cinco irmãs mais velhas, uma tia e uma avó. No livro, ela não só não é chamada de Ariel como não tem nome algum, assim como os demais personagens.
A menina aprende que as sereias recebem autorização para visitar a superfície quando completam 15 anos de idade. Assim, dia após dia, ela vê suas irmãs explorando e descobrindo esse outro mundo cheio de mistérios, o que vai aumentando cada vez mais sua curiosidade e ansiedade pelo momento em que poderá fazer o mesmo.
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Quando, enfim, chega a sua vez, a Pequena Sereia nada até a superfície e avista um príncipe em um barco que enfrentava uma grande tempestade. Quando o príncipe cai no mar, ela evita que ele se afogue, resgatando-o e levando-o até um templo na costa, onde mais tarde vem a ser encontrado por uma outra jovem.
Depois disso, a Pequena Sereia pergunta para sua avó qual a diferença entre as sereias e os humanos, além da capacidade de respirar fora da água e de ter pernas para caminhar e dançar. A avó explica que as sereias podem viver até 300 anos, mas que, quando morrem, se transformam em espuma do mar e, eventualmente, desaparecem. Os humanos, por sua vez, têm vidas bem mais curtas, mas ao morrer não deixam simplesmente de existir e continuam a viver no céu, por conta de suas almas, que são eternas.
A Pequena Sereia, com isso, decide que quer viver ao lado do príncipe, por quem se apaixonou durante o resgate, e que deseja mais do que tudo ter uma alma imortal. Ela vai, então, em busca da ajuda da Bruxa do Mar.
A Bruxa do Mar e o tal amor verdadeiro
Esse é, talvez, o ponto mais semelhante entre a história de Andersen e a versão contada pela Disney. A Bruxa do Mar exige a voz da Pequena Sereia em troca pelo feitiço que lhe dará as pernas que tanto deseja. Mas a versão do dinamarquês apresenta detalhes muito mais cruéis: para que a princesa não fale mais, a bruxa lhe corta a língua.
Além disso, a bruxa avisa: caminhar sobre suas pernas fará com que sinta dores terríveis, como se andasse sobre facas afiadas, e seus pés sangrarão muito. A Pequena Sereia não poderá jamais entrar no mar de novo, e durante a ingestão da poção sentirá dores implacáveis, como se estivesse sendo atravessada por uma espada.
Já com relação à sua alma, ela somente se tornará imortal caso receba um beijo de amor verdadeiro. Assim, o príncipe precisa corresponder seu amor e se casar com ela. Do contrário, na primeira noite do casamento dele com outra mulher, a Pequena Sereia morrerá com o coração despedaçado, transformando-se em espuma e desaparecendo para sempre.
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Depois de beber a poção
A Pequena Sereia ingere a poção, mesmo sabendo de todos os males que isso representa. Ela perde a voz e conquista, às custas de muito sofrimento, as tão sonhadas pernas e a habilidade de respirar fora da água, indo diretamente ao encontro do príncipe.
Como não consegue mais falar, ela dança para ele, mesmo sentindo as horrorosas e lancinantes dores que a Bruxa do Mar havia mencionado. O príncipe se interessa por sua beleza, mas encontra-se prometido em casamento a uma princesa de um reino vizinho que, inclusive, foi quem o encontrou no templo após ser resgatado do naufrágio.
Assim, é com esta jovem que o príncipe decide se casar, deixando a Pequena Sereia desesperada e certa de que irá morrer. Suas irmãs, em uma última tentativa de impedir que isso aconteça, vão até a Bruxa do Mar e fazem um novo acordo: dão a ela seus lindos e longos cabelos em troca de uma faca de prata. Se a Pequena Sereia matar o príncipe e deixar que o sangue dele caia aos seus pés, ela voltará a ser uma sereia e não vai precisar morrer.
Ela chega a ir ao quarto do príncipe durante a noite, onde o encontra dormindo ao lado da sua, agora, esposa. No entanto, seu amor por ele é tamanho que não tem coragem de matá-lo, escolhendo atirar-se ao mar em uma tentativa de tirar a própria vida.
A Pequena Sereia se transforma em espuma mas, ao contrário do que se espera, não desaparece: seu esforço para conquistar uma alma imortal é reconhecido e ela, aos poucos, sente o calor do sol e termina por se transformar em um espírito do ar.
Outros espíritos dizem, então, que se ela se dedicar por 300 anos a realizar boas ações em benefício dos seres humanos, irá conquistar, enfim, a alma eterna que tanto deseja.
A Pequena Sereia na versão da Disney
A versão da Disney segue mais ou menos o mesmo fio narrativo do conto de fadas de Andersen, mas sem tanta violência, abuso e sofrimento, é claro. Além dos pontos que já citamos, a principal diferença fica guardada para o final da história que segue à risca a cartilha do felizes para sempre.
Ariel recupera sua voz, que vinha sendo mantida dentro de uma concha presa a um colar da vilã Úrsula, que faz as vezes da Bruxa do Mar nesta adaptação. Assim, o príncipe Eric descobre que foi ela quem o salvou do naufrágio e reconhece assim o seu grande amor.
Depois de vários minutos daquela confusão crescente típica das animações da Disney, em que tudo se resolve e fica bem no final, o pai de Ariel se compadece do amor que a filha sente pelo príncipe e enfim a transforma, libertando-a de uma vida infeliz como sereia e longe do seu amor. Ariel e Eric se casam e vão embora juntos em um navio em direção ao pôr do sol.
Live-action: diversidade e representatividade
Assim como outros clássicos da Disney, como O Rei Leão, Aladdin, Mulan, A Bela e a Fera, e Malévola, a Pequena Sereia também terá uma nova versão lançada em breve. Utilizando atrizes e atores em lugar de animação, a história será contada novamente com grandes nomes no elenco, como Melissa McCarthy, no papel de Úrsula, e Javier Bardem, como o Rei Tritão.
Já o papel principal será de Halle Bailey, uma talentosa atriz e cantora americana. Quando a escolha foi divulgada pelos estúdios Disney, muitas foram as críticas e mensagens de ódio por se tratar de uma atriz negra.
Infelizmente, casos como esse deixam evidente como ainda é necessário reforçar o óbvio: Ariel é uma sereia, e sereias não existem. Sendo assim, o papel da personagem no live-action poderia pertencer a qualquer atriz com competência para tal. Qual a dificuldade e resistência, então, em aceitar que a escolha ideal é mesmo Bailey?
A melhor resposta para aqueles que se recusam a compreender a importância da diversidade, aceitando e colaborando efetivamente para que haja representatividade em absolutamente todos os campos do trabalho e da vida, são os inúmeros vídeos e postagens extremamente emocionantes de jovens meninas e mulheres negras assistindo ao trailer do filme, que está previsto para ser lançado este ano.
São pessoas que, finalmente, estão tendo a oportunidade de se verem representadas como princesas e heroínas no cinema, e que passam a acreditar que para elas também é possível ocupar esses espaços. Cabe a todos nós lutar para que isso seja cada vez mais frequente.
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