Antes mesmo de os pequenos virem ao mundo, as comparações já começam a acontecer. O tamanho da barriga na gestação, as compras feitas para o enxoval, os planos para contratar uma babá ou escolher um berçário… Nada disso é incomum – somos seres sociais e, com isso, tomar o outro como referência é natural. Entretanto, comparar-se em demasia pode se tornar um problema quando o resultado é a criação de expectativas irreais e a própria diminuição enquanto indivíduo.
Ao transpor a prática para os filhos, mesmo que sejam ainda bebês, os prejuízos podem permanecer. Embora haja importantes marcos do desenvolvimento, por exemplo, com habilidades esperadas de serem adquiridas ao longo dos primeiro meses e anos de vida, é preciso lembrar que a comparação deve ser feita com responsabilidade. Vale lembrar ainda que é o pediatra o profissional habilitado para avaliar o desenvolvimento da criança, e não comentários alheios de familiares ou olhares muitas vezes infundados de outros que devem nortear o crescimento saudável da criança.
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Conforme os filhos crescem, essas comparações feitas por pais e cuidadores vão ganhando novas dimensões, seja em relação a pequenos que são irmãos, seja com amiguinhos ou filhos de parentes e colegas. E embora o comportamento se mostre natural, é preciso tomar cuidado, até porque, com o tempo, a própria criança passa a se comparar com o mundo ao redor.
“Mas isso não necessariamente é ruim ou danoso”, diz Filipe Colombini, psicólogo parental e CEO da Equipe AT. “A comparação é fundamental para o desenvolvimento da criança, pois ela precisa da referência e do modelo para entender quem ela é e quem é o outro. O humano é um ser social e que precisa do outro para se autoconhecer; essa é uma construção coletiva”, afirma.
Colombini destaca ainda que a comparação está relacionada ao desenvolvimento da linguagem na primeira infância. “Ele se dá por meio de modelos, exemplos, estímulos e troca. É através da linguagem que a criança vai desenvolvendo sua autopercepção, e os primeiros indícios de sociedade que ela tem são os pais”, reforça. Os modelos iniciais na vida do pequeno, portanto, são os familiares, mas depois vão se estendendo à escola, aos amigos e à comunidade. “Essas referências são essenciais para o desenvolvimento da subjetividade humana”, acrescenta.
Onde começam os problemas
Uma das questões centrais, destaca Colombini, é a base de valores a partir da qual essas comparações são construídas. O problema não é, necessariamente, tomar o outro como referência, mas o contexto em que isso acontece. “Obviamente, nós vivemos em uma cultura ocidental capitalista, que foca nas relações de competição, de desempenho, de trabalho, de status, de ganhar mais…”, diz o psicólogo. Por isso, ele reforça que é importante ensinar aos pequenos, desde cedo, princípios de cidadania, convivência, cooperação, empatia, entre outros valores humanos fundamentais.
“A comparação pode ser positiva, dependendo dos modelos que se colocam. Mas há valores que precisam ser referenciados, como a moral, a ética, o ensino do que é correto, da compaixão pelo outro, da autocompaixão, do auxílio, da doação…”, exemplifica o profissional, que acrescenta: “é função da família, da escola e de outras instituições dar esses modelos”.
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Os aspectos negativos da comparação e suas consequências
Outra questão importante é a forma e a razão pelas quais a comparação acontece. Existe uma grande diferença entre tomar outra pessoa como referência para balizar seu próprio comportamento e se ver sendo comparado apenas para juízo de valor. “Se for para causar desconforto no outro, as consequências da comparação podem, sim, ser ruins”, alerta Filipe Colombini.
Ainda que o objetivo não seja, conscientemente, incomodar o pequeno – ou que se acredite que o incômodo vai gerar nele uma mudança positiva – os resultados podem ser danosos. Mais do que isso, não é raro que eles se estendam de maneira negativa na infância, na adolescência e até depois, na vida adulta.
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É o que se vê, muitas vezes, a partir de comparações entre crianças que convivem com certa proximidade, sendo aquela entre irmãos a mais evidente. Falas como “olha como ele é quietinho quando sai para passear, enquanto você só faz bagunça” e “veja como seu irmão é inteligente e só vai bem nas provas, enquanto seu boletim é sempre cheio de notas baixas” são exemplos clássicos que podem até parecer inofensivos, mas não são.
“Acaba gerando apenas uma competição pela competição, além de não dar à criança a possibilidade de mudança, pois ela acaba rotulada”, o psicólogo chama a atenção. E os prejuízos podem ser, inclusive, para aqueles que são usados como modelos “positivos”. “A situação pode ser prejudicial para ambos os filhos, pois se acaba manejando expectativas – um que sente que precisa ser sempre o inteligente e outro que se vê como incapaz. Os dois podem ter questões emocionais decorrentes disso, vivendo em um estado constante de ansiedade por terem que suprir as expectativas dos pais”, acrescenta Filipe, reforçando que produzir rótulos é muito prejudicial à evolução infantil.
Como consequência, as crianças podem ter problemas de autoestima, vivenciando sentimentos de tristeza, desamparo, isolamento e de incapacidade.
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Respeitar e incentivar a individualidade dos pequenos
Para evitar esse tipo de situação, Colombini destaca que é importante contextualizar os comportamentos, trazendo cada pessoa à luz de sua individualidade. Vale lembrar que, ainda que sejam irmãos, tenham a mesma criação e vivam no mesmo ambiente, cada criança é única e tem suas características próprias.
“Usar a comparação para rotular pode prejudicar muito as crianças e, consequentemente, a relação de harmonia entre irmãos. Você já dá um status fixo aos filhos, o que é extremamente prejudicial, porque as pessoas mudam, se transformam”, pontua o psicólogo. Para mudar, porém, é preciso sentir-se capaz disso, e é o ambiente familiar que pode ajudar ou tolher essa transformação nos primeiros anos de vida.
Outro ponto importante que o psicólogo parental levanta é o uso do verbo ser – “você é isso”, “você é aquilo” – dando status de definição imutável. Uma criança que, desde pequena, escuta que “é” preguiçosa, bagunceira ou tímida, por exemplo, tende a crescer acreditando nisso, o que dificulta a mudança não apenas na infância, mas depois, ao longo da vida adulta.
Certamente, entre irmãos esse tipo de comparação ganha contornos mais fortes, mas ele acontece também com outras crianças da família ou da convivência rotineira e pode trazer consequências igualmente negativas.
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Encontrar o próprio equilíbrio para ser capaz de orientar e educar
Para evitar esse tipo de comportamento em relação aos pequenos, Filipe Colombini destaca a importância da autorregulação emocional dos adultos, mas lembra que, nem sempre, esse equilíbrio é alcançado sem amparo e orientação profissional. “Reproduz-se muito a ideia de que não há manual para criar os filhos, mas existe uma referência que é da sua própria criação. E se ela não foi tão boa assim? E se você tiver déficits em habilidades parentais?”, questiona.
Sabemos que, na maioria dos casos, nossos pais fizeram o melhor que puderam a partir das ferramentas que tinham e dos conhecimentos disponíveis na época em que fomos educados. Isso não significa, porém, que precisamos reproduzir tudo – o adulto que foi alvo de constantes comparações na infância pode encontrar meios de não repetir o comportamento com seus próprios filhos.
“É comum reproduzir certas situações que foram aversivas ou ir no extremo oposto, por exemplo. Ou se vai pelo modelo ou pela antirreferência, mas precisamos encontrar um equilíbrio”, explica Colombini. Isso só é possível, muitas vezes, por meio de ajuda, buscando psicólogos e orientadores parentais. “É preciso entender que a comparação vai existir, pois ela é inerente ao humano. Mas é importante sempre se perguntar ‘por que’, para quê’ e ‘como’”, conclui.
Por fim, vale lembrar que a literatura é, como sempre, uma importante ferramenta na educação infantil. Uma maneira gentil e respeitosa de trazer referências para os pequenos – que, como vimos, precisam de modelos para se reconhecer no mundo – é por meio dos livros. Conversar de forma descontraída sobre o comportamento das personagens evita a comparação direta com outras crianças, além de colaborar para o entendimento de sua individualidade e das próprias emoções.
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