Um ursinho de pelúcia, uma fralda de pano, uma naninha, um travesseiro… Ainda que seu filho nunca tenha sido extremamente apegado a um item como esses, é possível que você já tenha visto alguma criança andando para lá e para cá agarrada a um objeto de apego – aquele que nunca pode ser esquecido, perdido e que, quando lavado, geralmente causa algum estresse. A isso, Donald Woods Winnicott, pediatra e psicanalista que viveu no Reino Unido de 1896 a 1971, deu o nome de objeto transicional ou objeto de transição.

“Trata-se de um objeto que a criança usa para se sentir segura e confortável, especialmente durante a separação da mãe ou do cuidador principal”, explica a psicóloga e psicanalista Rosa Maria Mariotto, doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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foto: Canva

para que serve o objeto de transição?

O termo de Winnicott foi publicado pela primeira vez em um artigo no começo da década de 1950 e, poucos anos depois, incluído em sua coletânea de ensaios intitulada Through Paediatrics to Psychoanalysis, tornando-se um conceito fundamental quando o assunto é o desenvolvimento dos bebês.

Rosa Maria elucida que a ideia do “transicional”, como a própria palavra sugere, está ligada a um período de transição essencial em que o pequeno começa a descobrir sua individualidade. “Por volta dos seis aos nove meses, o bebê começa a entender que ele e a mãe não são a mesma pessoa. Essa etapa é superimportante para o desenvolvimento emocional e psíquico dele, pois marca o início da separação e da individuação”, pontua a pesquisadora.

Então quer dizer que, antes dessa fase, o bebê se vê como extensão ou parte da mãe? Para Winnicott, que se inspirou nos estudos de Melanie Klein, pioneira no atendimento psicanalítico infantil, sim. É o que ele chama de estado de dependência absoluta da figura materna – com o concomitante investimento intenso da mãe em relação ao filho – que cria uma espécie de simbiose entre os dois.

Winnicott traz a imagem do seio da mãe para ilustrar a questão: segundo sua teoria, no início da vida, o bebê acha que aquele seio é parte de seu corpo. Apenas com o passar do tempo e com períodos cada vez mais frequentes de ausência materna, chega-se a um novo estado chamado de dependência relativa (por volta dos seis meses de vida), em que ele começa a entender os limites de seu próprio corpo.

É importante frisar, porém, que não se trata de um problema, pelo contrário: esse é um processo natural e importante para que o pequeno comece a se enxergar como um ser separado da mãe e a entender sua subjetividade.

A questão é que esse processo não vem sem dor, e é justamente aí que entra o papel do objeto transicional. “Embora nem toda criança tenha um, a presença desse objeto ajuda a lidar com a ansiedade da separação”, diz Rosa Maria. Ao não ser mais atendido sempre imediatamente e não estar mais o tempo todo com a mãe, o pequeno investe afeto em objetos materiais, como se preenchesse essa lacuna de outra forma. Ao mesmo tempo, o objeto funciona como uma intermediação entre o mundo interno e o externo do bebê, ajudando-o a demarcar os próprios limites e contornos.

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O objeto de apego não é, necessariamente, um objeto

Por ser um processo natural, o objeto é escolhido pela própria criança – não adianta tentar forçar ou esconder algo que já tenha despertado o apego dela. Além disso, “não necessariamente é um objeto físico”, ressalta a psicóloga e psicanalista. “Pode ser uma rotina, uma canção, uma história ou um carinho específico. O importante é haver o espaço transicional que se abre entre a mãe e a criança”, acrescenta. Sobretudo na hora de dormir, essa questão se faz mais perceptível em atos como chupar o dedo, enrolar o cabelo, abraçar um ursinho ou esfregar um cobertor no nariz, por exemplo.

Um fato interessante é que, além de receber amor e carinho do bebê, objetos de apego também são, frequentemente, alvo de agressão da criança, que se exercita nessa experimentação. É um olho do bichinho que cai, uma orelha que acaba arrancada, uma fralda que vai sendo desfiada… Aqui, é importante que o pequeno veja que seu objeto é capaz de sobreviver às suas investidas e que ele pode ser reconstruído.

Página do livro Meu favorito sobre objeto de transição
Página do livro “Meu Favorito“, já entregue pelo Clube Quindim. Foto: Rodrigo Frazão

O que fazer caso o objeto de apego seja perdido?

Se você já passou por essa situação, seja em uma perda permanente ou uma ausência temporária (por exemplo, ao ser esquecido na saída para uma viagem de férias), sabe que pode ser um evento doloroso para o pequeno. “A perda do objeto transicional pode, sim, causar frustração e sofrimento”, avalia Rosa Maria. Para lidar com a situação, ela traz algumas orientações: “mantenha a calma, ofereça conforto, evite punir ou ridicularizar e crie uma rotina de substituição temporária”.

Nesse caso, é importante não forçar nada e não fazer comparações como “olha só como esse bichinho é muito mais legal que o outro”. A intenção é dar à criança a possibilidade de substituir temporariamente o objeto ausente, mas essa é uma escolha que caberá apenas a ela.

Quando houver necessidade de lavar o objeto (que, com tamanha frequência de uso, tende a ficar sujo e acumular bactérias), vale conversar com o pequeno e também oferecer uma substituição durante o tempo em que o objeto principal estiver secando.

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Até quando a criança permanece apegada ao objeto?

Se o seu filho já deixou de ser bebê, mas continua com o objeto de apego e isso te causa preocupação, calma. Rosa Maria ressalta que esse é um processo progressivo. “O desligamento ou abandono do objeto de transição ocorre gradualmente, entre dois e cinco anos de idade. A criança vai perdendo a dependência do objeto à medida que desenvolve outros recursos mais simbolizados diante da ausência materna”, explica a psicóloga e psicanalista. “Ela não precisa mais ter um objeto externo que, imaginariamente, representa a mãe,  porque ela constrói representações mentais dessa mãe, suportando melhor sua ausência”, acrescenta.

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foto: Canva

Caso o pequeno já tenha passado dessa idade (lembrando que ela varia de acordo com o desenvolvimento de cada um) e ainda demonstre forte apego, de modo que lhe cause angústia não ter o objeto por perto, Rosa Maria destaca que o ideal é não tomar ações bruscas. “Não se deve tirar o objeto de forma repentina, pois isso pode gerar sofrimento psíquico”, alerta. “É importante respeitar o apego da criança e oferecer alternativas a fim de reduzir gradualmente a dependência”, orienta. Caso os cuidadores sintam necessidade, podem buscar ajuda profissional, recorrendo a um psicólogo infantil para ajudar a criança a desenvolver outros recursos.

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Objeto de apego na cultura pop e na literatura

Mônica com Sansão, seu inseparável coelho azul dos gibis de Mauricio de Sousa, o tigre de pelúcia, fiel companheiro de Calvin, em Calvin e Haroldo, Linus e seu querido cobertor azul em Peanuts, Andy e seu eterno companheiro Woody desde o primeiro filme da franquia Toy Story… Não são poucas as representações de objetos de apego na cultura pop.

Na literatura infantil, um lançamento de 2024 da Editora Peirópolis chamou a atenção ao trazer um objeto transicional como protagonista de uma narrativa repleta de afeto. Meu Favorito, da italiana Eleonora Marton, retrata bem o carinho investido em Babu, um coelhinho de pelúcia que acompanha a criança em tantas aventuras e brincadeiras que acaba todo remendado – tanto que, no final da história, deixa de ser coelho e se transforma em ursinho. Uma representação bem ilustrativa do amor que os pequenos sentem por esses objetos e do quanto eles são rotineiramente destruídos e reconstruídos e, ainda assim, não deixam de ser amados.

O livro foi enviado pelo Clube Quindim aos assinantes no mês de outubro e já é sucesso entre os pequenos leitores, que reconhecem em Babu seus próprios objetos queridos e inseparáveis.

Estante Quindim

Conheça livros infantis para conversar com os pequenos sobre ansiedade de separação e o objeto de apego:

MeuFavorito CapaTransparente e1732798453291
Meu favorito!, de Eleonora Marton
CristinaBrinca CapaTransparente e1732798488986
Cristina brinca, de Micaela Chirif e Paula Ortiz
QuandoVcSai CapaTransparente e1732798513500
Quando você sai, de Gastón Hauviller