Que mãe nunca se viu diante da difícil decisão de sair temporariamente de casa e ficar longe dos filhos, seja por algumas horas, dias, semanas…? Por necessidade ou desejo, quando esse momento chega, é comum que ele venha carregado de sentimentos conflitantes para a mulher, que se vê dividida entre a decisão da partida e a culpa, e de emoções desafiadoras para os pequenos, que ainda não entendem que aquela figura materna vai, mas volta – e volta repleta de histórias para contar.
É sobre isso que Minha mãe caminha, livro recém-lançado pela Editora Caixote, trata de maneira tão sensível a partir do texto de Isabel Malzoni, que é escritora, editora e galerista, e das ilustrações da artista visual e educadora Laura Gorski.
A dupla, que já se conhecia antes desse projeto, não poderia ter mais sintonia. Mas tudo começou de fato quando, ao receber o convite de uma exposição da artista, Isabel se encantou pela imagem de uma mulher grávida (muito parecida com as imagens que acabaram ilustrando o livro posteriormente) e foi visitar a mostra. Lá, ficou ainda mais impressionada pelo que viu e, em uma conversa profunda e emocionante com Laura, descobriu que elas tinham muito em comum.
“Ela me contou das caminhadas que fazia quando a filha [Flora] era pequena, recolhendo plantas, terra… E eu achei lindo! Sempre gostei de caminhar, de fazer viagens para andar, e sempre achei bonito fazer recolha de pequenos objetos para mostrar aos meninos, como pedrinhas. Acabamos entrando nessa conversa que foi muito linda e que nos aproximou pela caminhada e pela maternidade”, relembra Isabel.
Ao observar as ilustrações da exposição e enxergar nelas uma possibilidade de narrativa, perguntou à Laura se não achava que aquele trabalho poderia resultar em um livro. “Ela me devolveu o convite, pedindo que eu escrevesse o livro para ela ilustrar”, conta Isabel, ao recordar que ficou emocionada com a ideia.
Voltando a caminhar
Foi depois da separação do pai de seus filhos que Isabel retomou as caminhadas, hábito que já tinha, mas estava parado há alguns anos. Com a guarda compartilhada, passou a ter um tempo longe das crianças, e conta que sentiu a necessidade de ocupar esses “intervalos” com algo que a fizesse feliz. “Para eu transformar aquilo em algo mais legal do que estava sendo, viver melhor os momentos em que não estava com os meninos, passei a fazer mais e mais essas viagens de caminhadas”, relata.
Justamente no ano em que se deu o encontro com Laura Gorski, Isabel havia feito sua maior empreitada até então: andou 200 quilômetros no sertão mineiro. “Durou um total de nove dias e foi a primeira vez que fiquei tanto tempo longe dos meninos”, lembra. A partida, porém, não foi fácil para ela, que conta ter sofrido antecipadamente. “Fui superangustiada! De cara, me deu um medo da saudade que eu ia sentir. Mas ligava sempre e pude ver como eles estavam bem, estavam fortes o suficiente para lidar com isso”, diz a escritora, que reuniu toda a vivência dessas emoções para colocar no papel e transformar em literatura.
Ela acha que é preciso conhecer
muito chão para escolher os
melhores caminhos.
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Partidas e retornos
Foi “de uma sentada” que Isabel escreveu o texto, acessando lembranças, experiências e sentimentos profundos. “Eu sentei e escrevi esse texto de uma vez. No fundo, são reflexões minhas e conversas com meus filhos, é uma forma de colocar o quanto esse processo foi se transformando ao longo do tempo”, relata.
Se no começo Diego e Antonio não gostavam que a mãe ficasse um tempo distante fisicamente, aos poucos foram se acostumando . “Eles não gostavam que eu fosse viajar e eu também tinha dificuldade de estar longe. Mas com o tempo, fomos acalmando o coração e eles chegaram ao ponto de começar a curtir o que eu trazia de volta, as histórias… Achei muito bonito esse processo de poder dizer para eles que a mãe vai e volta”, diz Isabel.
Eu prefiro mamãe aqui comigo. Só minha.
Ela relata que essa mudança foi se dando tanto em relação aos meninos como a si mesma. “Foi ficando mais fácil com o tempo, para mim e para eles. Sinto que eles já têm muito mais leveza e naturalidade, o que me faz sentir que eles estão fortes, que se sentem cuidados e acolhidos quando não estou”, afirma. “É claro que uma parte de nós, mães, queria que eles só precisassem da gente, mas é uma parte pequena e imatura. O que nós realmente queremos é que eles estejam bem”, acrescenta a escritora.
Isabel acredita que, para as crianças, é importante saber e sentir que há outras pessoas que também vão cuidar delas com amor. “É uma segurança para estar no mundo. Percebo que tem uma força de eles perceberem que não dependem exclusivamente de mim”, ressalta.
Mamãe sempre diz:
além de ser minha mãe
e tantas outras coisas,
ela gosta de caminhar.
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Viver a separação com cada vez menos angústia
Ao escrever Minha mãe caminha, Isabel partiu da própria experiência para falar sobre algo que é parte da vida de muitas famílias. “Como é um livro muito íntimo, a gente nunca sabe muito bem como os outros vão ler. É engraçado que algumas pessoas falaram ‘nossa, um livro sobre poder estar longe dos filhos’, e eu fiquei pensando que só estou lidando com o fato de que isso acontece, seja por separação, questões de trabalho… É mais uma reflexão sobre como enxergar beleza nisso, fazer sem culpa, encontrando uma forma que ajude todo mundo a crescer e viver o próprio potencial”, pontua ao lembrar que essas separações têm impacto, mas também têm sua beleza. “Pode ser vivido sem angústia”, acredita.
Para desenvolver o texto, ela recorreu a diálogos que têm com os filhos e pensamentos que eles suscitam. “Um pouco do texto são conversas que já aconteceram e reflexões a partir delas; também tem coisas que eu imagino que eles pensem. De propósito, coloquei frases que eu digo com frequência para que eles lessem o livro e se enxergassem ali”, explica Isabel, ao citar o “cheiro de filho como melhor cheiro do mundo” como exemplo. “Quero que eles saibam que não tem nada que se compare a esse amor que uma mãe sente pelos filhos”.
Mamãe aproveita
todas as oportunidades
para nos cafungar e
fazer chamegos.
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Caminhos que se encontram
Laura Gorski não apenas compreendeu essa intenção de representar os filhos, como levou a ideia a um novo patamar ao fazer as pegadas da capa e do interior do livro com os pés de Isabel e dos meninos. “Entendendo que eu queria que eles se enxergassem, ela colocou nossos pés (são os meus e os deles). Sendo a artista maravilhosa que é, Laura captou isso com muita força e fomos ao ateliê dela fazer os moldes”, lembra.
Ao abrir a capa e as orelhas, nota-se que há um par de pés de frente um para o outro, como se estivéssemos vendo um abraço entre mãe e filho por um ângulo inusitado – uma contribuição da designer Karina Aoki que traz ainda mais sensibilidade ao livro.
E a beleza da ideia não para por aí: as imagens são feitas com terras recolhidas nas caminhadas, dando uma materialidade inusitada às lembranças dessas experiências, às quais somam-se ainda folhas e flores secas também trazidas de viagens.
Por fim, Isabel revela que o título da obra vai além do “caminhar”, ao brincar com a sonoridade da palavra e a pluralidade de sentidos. “Queria minha mãe só minha. ‘Cá’ e ‘minha’, aqui comigo”, explica. Apesar desse desejo de ter sempre a mãe por perto, a escritora acredita que é importante mostrar aos filhos que ela pode vivenciar outras experiências longe deles, justamente para que eles aprendam que podem fazer o mesmo.
“Não precisa ficar grudado na mamãe, pode ir à casa do amigo. É legal gostar de estar com a mamãe, mas também é legal gostar de estar com o amigo. Acho que é algo construído poder mostrar para os filhos e para nós mesmas que podemos viver outras coisas e que isso não diminui os vínculos, muito pelo contrário”, finaliza.