Um relacionamento abusivo é caracterizado por uma relação em que há excesso de poder de uma pessoa sobre a outra, ou seja, onde não há equilíbrio. A partir dessa diferença entre os poderes começam a surgir uma série de comportamentos que provocam sofrimento, mal-estar, tristeza e humilhação.
É muito importante dizer que nem todo relacionamento abusivo apresenta violência física. Existem muitas outras maneiras de agredir alguém e provocar sofrimento a essa pessoa sem que seja preciso feri-la fisicamente.
Além disso, cabe dizer também que não são apenas os relacionamentos entre os casais que podem ser abusivos. As relações entre outros membros da família (pais, filhos, irmãos, primos, avós) e entre colegas de trabalho, estejam eles em uma posição hierarquicamente superior ou não, também podem apresentar uma dinâmica abusiva.
Neste artigo, vamos falar sobre o que é um relacionamento abusivo, indicar alguns sinais que costumam caracterizar esse tipo de relação e apresentar alternativas para você que deseja ajudar alguém que está nessa situação e precisa sair dela.
O que é um relacionamento abusivo?
Como dissemos, a principal característica de um relacionamento abusivo é o desequilíbrio entre o poder de cada parte da equação. Assim, em um casamento ou namoro, por exemplo, em que uma das partes diz à outra como se comportar, como se vestir, com quem é permitido conversar ou não, certamente é um relacionamento abusivo, mas não está restrito a isso.
O relacionamento abusivo pode acontecer com qualquer pessoa, em qualquer idade e em diferentes tipos de relação, e não está relacionado ao gênero. É realmente mais comum associarmos um relacionamento abusivo a um casal, em que o homem impõe à mulher uma série de condições. Isso se deve, em parte, aos altos índices de violência contra a mulher.
No entanto, muitas pessoas vivem diariamente um relacionamento abusivo e não fazem ideia disso. Imagine uma mãe idosa, com vários problemas de saúde, que vive com o filho. O rapaz nunca se casou, trabalha bastante e paga sozinho pelas contas da casa. O que a sociedade tende a ver é um jovem que abriu mão da sua vida para cuidar da mãe.
Isso pode ser verdade? Sem dúvidas! Mas se dentro de casa a mãe não tem condições adequadas de higiene, não se alimenta corretamente, é privada de cuidados médicos e do convívio com outras pessoas, então há um relacionamento abusivo.
Essa situação é um exemplo fictício para dizer que não podemos presumir que tudo está bem baseado apenas nas aparências de uma relação, porque é justamente isso que ajuda os abusadores a perpetuar situações de violência. É preciso buscar informação e conhecimento, e permanecer atento para identificar os sinais de abuso, intervindo e oferecendo ajuda.
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Relacionamento abusivo: sinais mais comuns
Para reconhecer os sinais de um relacionamento abusivo, é preciso saber para onde olhar. Existem muitos tipos de violência, e alguns deles são silenciosos justamente para desacreditar a vítima caso ela venha a pedir ajuda para alguém.
A violência física é a mais conhecida e que costuma chamar mais atenção. Felizmente estamos vivendo em uma época onde as mulheres são encorajadas a pedir socorro para escapar de parceiros agressivos, mas ainda há muitas que sofrem em silêncio por não terem para onde ir e por receio do que possa acontecer com seus filhos.
Além disso, há muitas outras pessoas vítimas de violência e maus-tratos que podem não ter condições de pedir ajuda, como crianças, idosos e pessoas com deficiência. É fundamental observar, conversar e se fazer presente para perceber caso haja sinais de agressão, ainda que não sejam tão evidentes como manchas pelo corpo.
Outras violências podem vir disfarçadas de excesso de zelo e cuidado. Um pai que liga para a filha a cada 20 minutos para saber onde e com quem ela está; um irmão que monopoliza o tempo, a atenção e o carinho do outro, privando-o de outras amizades ao dizer que ninguém nunca vai amá-lo ou compreendê-lo da mesma maneira; uma mãe que diz ao filho que ele não é mais o mesmo depois que começou a namorar… Todos esses são exemplos de relacionamentos abusivos.
Ainda que não haja violência física, os abusadores fazem que as vítimas se sintam presas e em dívida com eles. Afinal, “ele só está dizendo isso porque me ama muito”, ou “esse é o jeito dela de demonstrar amor” são algumas das coisas ditas para normalizar esses comportamentos controladores.
Certamente as agressões físicas precisam ser imediatamente cessadas e a pessoa levada para um local seguro, já que a preservação da vida deve estar acima de tudo. Mas saber quais são os demais tipos de violência, para que sejam vistos e interrompidos, é o único caminho para que paremos de tratá-los como algo corriqueiro e aceitável.
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Quais são os tipos de violência que existem em um relacionamento
Além da violência física, existem outros tipos de violência que se fazem presentes nos relacionamentos abusivos. Para entender profundamente o que é um relacionamento abusivo, precisamos levar todas elas em consideração.
Para isso, vamos analisar o que diz a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), principal mecanismo para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Segundo a lei, existem cinco tipos de violência contra a mulher: violência física, psicológica, moral, sexual e patrimonial.
Violência física
A violência física é aquela que atenta contra a integridade do corpo. Pode ocorrer por meio de socos, chutes, empurrões, estrangulamento, sufocamento, queimaduras, lesões por armas de fogo ou objetos cortantes, como facas.
Também há violência física quando o agressor arremessa objetos em direção à vítima, quando pratica tortura, quando sacode ou aperta braços e outras partes do corpo.
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Violência psicológica
Dentre os principais objetivos da violência psicológica, podemos citar a diminuição da autoestima da vítima, o controle de suas ações, comportamentos, decisões e crenças. A violência psicológica ocorre quando o abusador ameaça, constrange, humilha e manipula a vítima, e também quando impede a pessoa de ter contato com amigos e familiares.
Vigiar todos os passos (por vezes limitando seu direito de ir e vir), insultar, chantagear, explorar e ridicularizar também são maneiras de violentar psicologicamente.
Vale a pena destacar que o chamado gaslighting, que ocorre quando o abusador distorce e omite fatos para fazer a vítima duvidar de si mesma, das suas lembranças e da sua própria sanidade. Essa é uma das maneiras mais cruéis de praticar a violência psicológica.
Violência moral
A violência moral consiste em difamar, caluniar e desvalorizar a vítima. Se faz presente quando há acusação de traição, críticas mentirosas sobre a pessoa, exposição da vida íntima, xingamentos e críticas sobre seu modo de vestir que rebaixam a pessoa.
Violência sexual
A violência sexual inclui o estupro, mas não está restrita a ele. Obrigar a vítima a presenciar, manter ou participar de relação sexual por intimidação, ameaça, coação ou força são violências sexuais. Da mesma maneira, forçar matrimônio, gravidez, prostituição, impedir o uso de contraceptivos ou forçar a mulher a abortar também são.
Violência patrimonial
A violência patrimonial ocorre quando o abusador controla o dinheiro, deixa de pagar pensão, destrói documentos pessoais ou objetos dos quais a vítima goste, priva a pessoa de bens, valores ou recursos econômicos e pratica estelionato. Toda conduta que retenha, subtraia ou destrua, parcial ou totalmente, objetos, bens, instrumentos de trabalho, valores, direitos e recursos da vítima é considerada violência patrimonial.
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Frases e situações mais comuns
Existem muitas situações possíveis para caracterizar o abuso em um relacionamento, mas algumas delas acabam se repetindo com frequência por conta do comportamento controlador dos abusadores. Com isso, ao reconhecer frases e situações mais comuns do relacionamento abusivo você pode ajudar alguém e também proteger a si mesmo.
Frases recorrentes em relacionamentos abusivos
O objetivo dessas frases é fazer a vítima se sentir culpada, mantendo-a sob controle, ou diminuindo tanto sua autoestima que ela sinta que realmente não tem para onde correr, pois não tem valor para ninguém além do abusador.
- “Não quero mais você falando com fulano(a).”
- “Ninguém vai te amar como eu te amo.”
- “Se você for, não precisa mais voltar.”
- “Você é burra(o) [feia(o), atrapalhada(o) etc.] demais, ninguém quer alguém assim.”
- “Com essa roupa você não sai comigo.”
- “Você só fala besteira.”
- “Você está louca(o), eu não tenho nada com ela(e)!”
- “O que acontece aqui é problema nosso, você não tem que falar nada para ninguém.”
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Situações frequentes em que o abuso se faz notar
Assim como as frases, há alguns tipos de situação que costumam fazer aflorar o desequilíbrio da relação, evidenciando o comportamento tóxico do abusador. Confira:
- Ciúmes em excesso, controlando todos os passos da vítima, vigiando o celular e exigindo provas (como fotografias) de que a pessoa realmente está onde diz que está.
- Impedir a pessoa de ter contato com amigos e familiares (de maneira geral ou em casos específicos).
- Constrangimento em público, diminuindo a pessoa e fazendo que se sinta burra, inútil, sem qualidades (interromper a fala, ridicularizar opiniões etc.).
- Não aceitar ser questionado, tornando qualquer coisa motivo para brigas e discussão.
- Controle da vida financeira, utilizando o dinheiro como instrumento de chantagem e obediência.
- Obrigação de cumprir desejos e necessidades sexuais do parceiro, mesmo contra a vontade.
- Ameaças a pessoas queridas caso a vítima conte a outros o que está acontecendo (dizer, por exemplo, que vai sumir com as crianças do casal se alguém souber do que se passa dentro de casa).
- Marcas de agressão física (apertões nos braços, batida em algum objeto depois de ser empurrada, beliscões e outras que vão além de socos, cortes e chutes).
- Ameaça de divulgar fotos íntimas caso a vítima não faça o que o abusador quer.
Como sair de um relacionamento abusivo ou ajudar alguém que está em um
Para saber como sair de um relacionamento abusivo, o primeiro passo é ter entendimento de todos os tipos de violência que mencionamos aqui. O conhecimento é fundamental para ajudar a si mesmo e a outras pessoas nessas situações que, tantas vezes, são tratadas como algo normal, excesso de zelo e cuidado.
O segundo passo é buscar ajuda e apoio de pessoas de confiança. Deixar um relacionamento abusivo para trás não é fácil, ainda que não envolva violência física. O apoio de um profissional, como um psicólogo, pode fazer toda a diferença para alguém que precisa resgatar sua autoestima e amor próprio para seguir em frente.
A partir do momento em que estiver em uma situação segura, longe do abusador, chegou a hora de olhar para si mesmo como a pessoa mais importante da sua vida: do que você mais gosta? O que cativa sua atenção e traz prazer e alegria para os seus dias? Que atividades você pode fazer para resgatar sua vontade de viver e de se divertir? Descubra as respostas para essas perguntas e siga em frente sem olhar para trás.
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Como ajudar alguém que está em um relacionamento abusivo
Se você conhece alguém que está em um relacionamento abusivo e deseja ajudar, converse com a pessoa e demonstre todo o seu apoio. Se houver violência física envolvida, acione os órgãos competentes da sua cidade para proteger a vítima. Não se cale!
Em casos de agressão é imprescindível que a vítima saia do local em que vive com o abusador o quanto antes para preservar sua integridade física. Caso haja crianças ou outras pessoas sem condições de se defender envolvidas na situação, elas também devem ser retiradas do convívio com o agressor – não as deixe para trás!
Encoraje a pessoa que quer deixar o relacionamento abusivo a ver que existem outras maneiras de viver a vida. Ofereça companhia, mostre-se disponível para ouvir e conversar, mas evite dar conselhos. Nesse caso, é preferível recomendar a terapia, que pode trazer muitos benefícios para quem precisa se reencontrar e recomeçar.
Como denunciar casos de violência doméstica
Existem diversos canais que podem ser acionados para denunciar casos de violência doméstica, tanto voltados para as vítimas quanto para as pessoas que querem ajudá-las. Veja a seguir:
- Polícia Militar (telefone 190): deve ser acionada imediatamente em casos em que há necessidade de socorro rápido, como uma agressão em andamento.
- Central de Atendimento à Mulher (telefone 180): disponível 24 horas por dia, sete dias por semana, o canal gratuito é destinado a acolher denúncias (tanto da vítima quanto de testemunhas) e oferece orientações para casos de violência.
- Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs): unidades da Polícia Civil especializadas em atendimento a mulheres em situação de violência.
- Defensorias Públicas e Defensorias da Mulher: oferecem assistência jurídica e dão encaminhamento às mulheres em situação de violência. É o órgão responsável por defender as mulheres que não possuem condições financeiras de pagar pelo próprio advogado.
- Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos: canal de acolhimento de denúncias do Governo Federal.
- Campanha Sinal Vermelho: criada pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com a Associação dos Magistrados Brasileiros, consiste na conscientização de que uma mulher vítima de violência pode pedir auxílio em locais diversos, como o balcão de uma farmácia, agências bancárias ou órgãos públicos, mostrando um X vermelho desenhado na palma da mão.
- Medida protetiva: torna possível solicitar uma medida que impede o agressor de se aproximar da vítima por meio do portal Maria da Penha Virtual na internet, do telefone, no número 197, ou indo até uma Defensoria Pública.
Existem, também, os centros de proteção e apoio à mulher, disponíveis em todo o Brasil. Consulte a Prefeitura da sua cidade para identificar onde estão localizados e como funcionam.
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Dados sobre relacionamentos abusivos e violência doméstica no Brasil
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, somente ao longo do ano de 2020 foram 630 denúncias diárias de mulheres que procuraram uma autoridade de segurança para reportar um episódio de violência doméstica. No total, foram 230.160 denúncias em 26 Unidades da Federação. O Ceará ficou de fora da contabilização porque não informou os dados.
Em 2020, foram registrados 3.913 homicídios de mulheres, sendo que 1.350 deles (pouco mais de 34%) foram reconhecidamente feminicídios, ou seja, casos em que as mulheres foram mortas por serem mulheres.
Nos feminicídios registrados, 81,5% das vítimas foram mortas pelo companheiro ou ex-companheiro, e 9 em cada 10 vítimas foram assassinadas pela ação de alguém com quem tinham uma relação (companheiro ou ex-companheiro ou então algum parente).
Esses dados, por mais que sejam chocantes e revoltantes, não representam a totalidade dos casos de violência no Brasil, especialmente se considerarmos que muitas mulheres não denunciam seus agressores.
Os relacionamentos abusivos nem sempre envolvem violência física, como vimos anteriormente, mas todos apresentam algum tipo de controle e humilhação de uma pessoa em relação à outra, o que torna inviável considerar essa dinâmica como algo desejável e saudável.
A principal arma contra o relacionamento abusivo é o conhecimento: tanto de si mesmo, para saber o que nos faz bem ou não, quanto dos tipos de violência, para reconhecer, intervir e ajudar alguém que esteja nessa situação.
Esteja sempre atento ao que acontece ao seu redor, não negligencie os sinais, não se cale nem faça vista grossa. O seu posicionamento e a sua denúncia podem salvar vidas!
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