O Clube de Leitura Quindim discute com a psicoterapeuta Juliana Fernandes por que as crianças mentem e como lidar com essa situação.

Pais e cuidadores conhecem muito bem a cena: crianças, em algum momento da infância, começam a contar uma mentirinha aqui, outra ali. Quando elas são muito pequenas, a situação mais parece um conto da sua cabeça e cenas como essas não chamam tanto a atenção. É um momento em que a criançada está desenvolvendo sua imaginação, tendo contato com estímulos diversos, como livros e desenhos em aparelhos eletrônicos. Mas e se essas mentirinhas começarem a ser mais constantes? Quando começar a se preocupar? Para entender melhor sobre o assunto, o Clube de Leitura Quindim conversou com a psicoterapeuta Juliana Fernandes. Veja alguns trechos da conversa.

Clube Quindim: Juliana, por que, no geral, as crianças mentem?

Juliana Fernandes: Na realidade, todas as pessoas mentem, mentiras sociais são importantes no processo de adaptação a vida. Portanto, as crianças não estão isentas da mentira, principalmente porque estão iniciando seu processo de socialização e, nesse momento da vida, elas querem agradar e ser aceitas, como todos nós.

C. Q.: Algumas vezes, as crianças mentem por medo da reação dos pais. Como lidar com esse tipo de atitude? Quando se preocupar?

J. F.: Essas pequenas mentirinhas servem para agradar os pais e as pessoas ao redor. Inclusive, os próprios pais incentivam essas “mentirinhas” quando pedem que a criança fale que gostou do presente de uma pessoa próxima, por exemplo. A mentira passa a se tornar preocupante quando ela perde o limite em relação a agradar o outro, e passa a ser prejudicial a outra pessoa. Ou, até mesmo, para “se safar” de uma repreensão. Quando os pais percebem que ocorre a mentira para benefício próprio, no sentido de enganar o outro, é muito importante não acontecer a briga. Isso porque, de certo modo, a criança fez isso para evitar essa repreensão. É importante manter um diálogo aberto, dizer que sabe que a criança está mentindo ou até mesmo pedir para que ela assuma que está inventando algo. O adulto precisa acolher a criança nessa hora para, a partir do diálogo, entender se está sendo muito duro, ou até mesmo entender o motivo dessa mentira. Ao mesmo tempo, os pais e cuidadores devem conversar sobre o quanto é importante a criança falar a verdade, mesmo que os adultos fiquem bravos com a atitude dela. Nesse momento, é necessário dizer aos pequenos que, na vida, eles sempre vão se responsabilizar pelo erro cometido.

C. Q.: O que os pais devem fazer quando identificarem que as mentiras são mais por medo da sua reação?

J. F. Os pais precisam mudar a atitude frente à criança, pois, caso continuem exercendo esse tipo de reação, ela vai, cada vez mais, se retrair quando fizer algo que acredita estar em desacordo com os pais. Em situações como essas, os pais vão deixando de ter acesso à criança, ficando impossibilitados de ajudar o filho nas suas escolhas durante a vida.

C. Q.: O acolhimento é o melhor caminho?

J. F.: O acolhimento precisa existir sempre, claro, mas com certeza com diálogo aberto sobre o quanto a mentira é algo ruim, assim como a atitude que levou à mentira. É necessário estar aberto para mudar a própria atitude frente ao filho. Caso contrário, os pais terão um filho mais distante e com medo da reação, logo, omitindo cada vez mais as situações.

C. Q.: Também existe um âmbito da fabulação em alguns casos. Por exemplo: a criança que fala que está com o amigo imaginário dela ou que determinada situação aconteceu. Ou seja, não é uma mentirinha planejada. Existe comumente essa exceção? Em qual faixa etária?

J. F.: Existe sim. Até aproximadamente os oito anos, a criança ainda está na fase da fantasia, ou seja, o mundo imaginário da brincadeira que faz parte da sua realidade. Por isso, é muito comum a fantasia acontecer. A partir dessas fantasias, ela elabora o mundo externo. Portanto, é importante que esse mundo lúdico exista para que a criança desenvolva sua própria individualidade e vá se adaptando, com o tempo, à realidade que a cerca.



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