Crianças e adolescentes acessam com cada vez mais facilidade e regularidade conteúdo pornográfico. Ainda que seja extremamente preocupante, esse, infelizmente, é um fato sobre o qual muitos adultos ainda se mostram desinformados, incrédulos e despreocupados com relação aos riscos e consequências para os jovens.
O acesso a celulares, tablets, computadores e aparelhos de TV conectados à internet ampliou, facilitou e tornou ainda mais precoce o contato dos jovens com esse tipo de conteúdo. Isso não significa, no entanto, que possamos descartar mídias offline, como revistas, CDs e até mesmo as antigas fitas VHS, por exemplo. Parece exagero, mas não é.
O que nós, como mães, pais, professores e cuidadores em geral podemos e precisamos fazer a respeito dessa questão precisa ser discutido com urgência. Para tanto, o primeiro passo é admitir que o acesso de crianças à pornografia acontece e que, muitas vezes, esse contato se dá dentro da própria casa e da escola da criança.
Se em alguns casos a pornografia pode assustar e traumatizar crianças e jovens, em outros pode aguçar a curiosidade e o interesse, provocando comportamento erotizado e que busca reproduzir aquilo que foi visto. Considerando que é responsabilidade dos adultos preservar a infância e manter crianças e jovens em segurança, é preciso refletir para agir: como vamos lidar com isso?
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Como se dá o acesso de crianças e adolescentes à pornografia
Como você já deve imaginar, não estamos falando aqui de pedofilia, situações em que crianças e adolescentes são expostos propositalmente a conteúdo e ações inapropriadas para satisfação sexual de adultos abusadores. O acesso, a distribuição e a exposição de crianças e adolescentes a conteúdo sexual é crime.
O que estamos discutindo são as situações em que o jovem, por um descuido dos pais, associado à curiosidade e ao desconhecimento dos riscos, seja como for, acaba entrando em contato com conteúdo pornográfico. Se o controle e a prevenção desse contato vem se mostrando relativamente eficiente quando as mídias são físicas e offline (revistas, fotos e os antigos CDs e fitas VHS, por exemplo), quando falamos de meios digitais e do acesso à internet, a coisa muda muito de figura e passa a assumir proporções gigantescas.
Atualmente, são muitos os jovens e crianças que possuem seu próprio telefone celular ou tablet com acesso à internet. Muitos outros têm, também, acesso ao computador e a televisores conectados. Aqueles que não têm dispositivo próprio usam o dos pais, irmãos, tios e primos para assistir a desenhos, brincar em joguinhos casuais e acessar redes sociais.
O acesso da criança à pornografia pode se dar por meio de um colega da escola que encaminhou algo que viu, que pode tanto ser um link quanto um arquivo em si. Outras vezes, pode ser um anúncio inadequado que aparece no meio de um vídeo que a criança está vendo no YouTube ou até no YouTube Kids, em que ela clica e é direcionada para outra página.
Em muitas outras ocasiões, o conteúdo pornográfico está salvo no próprio dispositivo utilizado pelo jovem, que o adulto empresta sem se dar conta de que não há nenhum tipo de proteção por senha ou controle parental das fotos, vídeos e páginas que não deveriam jamais ser acessados pela criança.
As reações são muito diversas. O que se costuma ver é uma criança pode ficar nervosa e repelir aquilo que viu, ou ficar muito interessada e passar a procurar outras situações em que possa acessar novamente o conteúdo impróprio. Há, também, as crianças que ficam caladas, sem esboçar reação, por estarem em choque e não terem condições de lidar com o que acabaram de ver.
De uma maneira ou de outra, a barreira da segurança foi quebrada, o trauma está ali, e a criança ou jovem deve ser acolhido e amparado para não embarcar sozinho nessa que é uma viagem muito perigosa.
Os perigos do contato com a pornografia
Diversos estudos já comprovaram os danos que a exposição à pornografia pode provocar ao cérebro humano quando adulto. Os efeitos da pornografia no cérebro acontecem da mesma maneira que os efeitos das drogas: provocam vício, dependência e necessidade de experimentar sensações cada vez mais fortes, uma vez que o cérebro se acostuma a um determinado tipo de estímulo.
No que diz respeito a crianças e jovens, cuja identidade está em desenvolvimento, e os cérebros estão literalmente em formação, os riscos e perigos são ainda maiores. Segundo o Unicef, “a exposição de crianças à pornografia pode levar a problemas de saúde mental, sexismo e objetificação, violência sexual e outros resultados negativos”.
Além disso, crianças e jovens não têm condições de distinguir representações da realidade em si. Então, quando a pornografia retrata o ato sexual incluindo atitudes abusivas, violentas e misóginas, por exemplo, a tendência é que o jovem entenda aquilo como normal, aceitável e mais, como esperado e até desejado. Estabelece-se, assim, um padrão terrível, que pode tanto ser praticado pelo jovem com outras pessoas, quanto entendido por ele como algo que deva aceitar para si mesmo.
Considerando que o que se vê na esmagadora maioria dos conteúdos pornográficos não representa sexo saudável, podemos afirmar que há, quase sempre, questões de submissão, humilhação, agressão e objetificação de mulheres, que estão ali única e simplesmente para satisfação de desejos e necessidades masculinas.
É, ou deveria ser, interesse de todos nós apresentar o sexo como algo natural e que costuma fazer parte dos interesses de um adulto equilibrado e com saúde, tanto física quanto mental. É preciso fazer, portanto, um contraponto ao que é apresentado na pornografia de maneira geral com aquilo que devemos buscar enquanto indivíduos, que são relações sexuais respeitosas, onde há consideração pelos desejos, necessidades e limites dos envolvidos, sendo estes limites tanto físicos quanto emocionais, sempre com consciência e responsabilidade.
Por isso, precisamos nos perguntar: o que a pornografia diz aos nossos filhos sobre o que é o sexo é o mesmo que nós gostaríamos que eles soubesse e entendessem a respeito do assunto?
O papel da vigilância
Teoricamente, redes sociais e de compartilhamento de conteúdo, como YouTube, Facebook, Instagram e TikTok, só permitem a criação de contas para pessoas maiores de 13 anos de idade. Na prática, sabemos que não há uma fiscalização eficaz nesse sentido e, mais ainda, que muitos pais e responsáveis criam contas para crianças abaixo dessa idade mesmo assim, e nem sempre fazem um acompanhamento próximo depois disso.
É preciso estar vigilante o tempo todo, atento não só ao que nossos filhos fazem online e ao tipo de conteúdo que consomem, mas também ao seu comportamento no mundo real, em casa, na escola e nas relações com as pessoas.
Um primeiro passo que pode ajudar bastante nessa missão é adotar aplicativos de controle parental, pois esses recursos funcionam como uma primeira linha de defesa das crianças. Para encontrar esses recursos, o adulto pode fazer uma pesquisa na internet e nas lojas de aplicativos, optando por aqueles que estiverem melhor avaliados por outros usuários e observando os comentários das avaliações, que podem ser muito úteis. O mesmo pode ser feito nos computadores e nas smart TVs, que ficam conectadas à internet.
Uma vez instalados esses recursos, os adultos devem verificar, com regularidade, o histórico de busca dos dispositivos e as atividades online dos jovens, como postagens nas redes sociais (próprias e de amigos), e comentários em outros perfis. A localização do aparelho e o acesso à câmera e ao microfone devem estar desativados para prevenir acesso indevido e proteger ainda mais a criança.
Além de observar e monitorar os acessos, é preciso estar de olho na criança para perceber o quanto antes mudanças de hábito e de comportamento. Reações bruscas quando o jovem está usando o dispositivo e outra pessoa chega no cômodo, por exemplo, podem ser um sinal de alerta.
Reprodução de movimentos físicos inadequados para crianças, como aqueles que simulam sexo, não devem jamais ser ignorados. Além de serem sinais de que a criança viu algo que não devia, podem significar também erotização precoce. É um pedido de ajuda, ainda que o pequeno não saiba disso.
A importância do diálogo
Não existe exatamente uma idade mais ou menos apropriada para falar com crianças sobre sexo e sobre pornografia. Cada pai, mãe e cuidador deve avaliar a criança e a situação em que ela está inserida para decidir pelo momento de falar. Mas, se a situação se apresentar, o adulto deve enfrentá-la e conversar, pois adiar esse momento pode abrir ainda mais espaço para a confusão e os males que a pornografia pode causar.
Para a conversa, por mais difícil que seja, é preciso ouvir também, não só falar. Não repreender, não punir, não brigar nem humilhar a criança que teve contato com esse conteúdo tão danoso para ela.
É preciso explicar que pornografia não é sexo, e muito menos amor. Que é um trabalho, em que, como a grande maioria dos trabalhos no mundo em que vivemos, há muitas pessoas que são exploradas para que poucas ganhem muito dinheiro. Que não passa de uma farsa, uma mentira, cheia de edições para fazer parecer que aquelas pessoas estão gostando de estar ali.
É fundamental explicar para a criança que aquilo que se vê não é real, e que, portanto, não faz sentido almejar, desejar, querer que, quando acontecer consigo, seja daquela maneira. É uma ilusão.
Se houver uma briga, ou uma repreensão a uma criança que está tentando entender o que viu, muito provavelmente ela não vai perguntar mais nada para você. E é justamente aí que se fecha a porta do diálogo e da confiança nos pais, em casa, e se abre uma outra porta ainda mais perigosa: a criança certamente vai tentar obter essas respostas em algum outro lugar, com outras pessoas. Quando, como e com quem seus filhos vão falar sobre isso?
O que fazer caso a criança tenha visto pornografia
Se você descobrir que seu filho, um sobrinho ou alguma outra criança de quem você cuida teve contato com pornografia, é preciso manter a calma acima de tudo. Com nervosismo, essa conversa tende a não fluir bem.
Pergunte para a criança o que ela viu, e o que entendeu do que viu. Faça marcações sobre as diferenças entre sexo e pornografia, sem dar sermões longos e cheios de expressões que a criança não tem condições de entender. Deixe claro que aquilo não acontece na vida real, que é um filme, um teatro, que as pessoas ali são atores, não se amam e muitas vezes sequer se conhecem fora daquele ambiente.
Deixar seu filho de castigo porque ele acessou pornografia pode ter o efeito contrário ao que você deseja. Regras e limites para acessar a internet devem ser combinados desde sempre, ou seja, a partir do momento em que você permite que seu filho acesse a rede.
Então, antes de mais nada, se a criança tiver acesso a dispositivos como celulares e tablets é preciso estabelecer um limite de horas por dia para esse uso (uma hora no máximo, por exemplo), deixando claro que conteúdos podem ser acessados ou não (se forem jogos, quais?, se forem vídeos, em que plataforma e qual o tema?, e se forem redes sociais?), e em que momento do dia isso vai acontecer (para que não aconteça durante as aulas ou momento de estudo, durante as refeições ou antes de dormir).
Adeque a sua fala à idade da criança, mas seja sempre franco e direto. Não invente historinhas, a criança precisa perceber sinceridade na sua fala para confiar em você. Lembre-se de que o seu objetivo deve ser estabelecer uma relação de confiança inabalável com seu filho, e não assustá-lo a ponto de ele esconder as coisas de você.
Veja também: Castigo funciona? Entenda suas consequências para a educação das crianças.
Preparando os pequenos para a vida
Nós precisamos proteger e preservar a infância das crianças, ao mesmo tempo que as preparamos para enfrentar os desafios da vida quando não estivermos por perto. Essa não é uma tarefa fácil, e encontrar esse meio termo pode ser bem doloroso, tanto para nós quanto para os pequenos. Ainda que criar filhos seja o trabalho de uma vida inteira, é especialmente importante até que eles tenham condições de navegar pelo mundo por conta própria.
Como provavelmente não existe uma maneira de deixarmos longe dos nossos pequenos tudo aquilo que pode lhes fazer mal, o que podemos fazer é dar muitas referências do que é bom. Então, invista em manifestações artísticas de qualidade, como músicas, filmes, livros, peças de teatro, dança, pinturas, artes plásticas e muito mais.
Nutra a alma, o ambiente e o dia a dia da criança com experiências seguras e engrandecedoras, que contribuam para seu desenvolvimento e formação e também para que, por comparação, o jovem saiba quando estiver diante de algo que não lhe faz bem. O acesso à pornografia pode vir por meio de um amigo da escola, então isolar a criança em casa vai adiantar de muito pouco.
Invista, sobretudo, o seu tempo: se faça presente, em todos os momentos, mesmo quando não puder estar fisicamente com a criança. Garanta que ela saiba que pode contar e confiar em você, aconteça o que acontecer. Se esforce para ser a pessoa para quem a sua criança corre quando acontece algum problema, e não de quem ela foge quando algo dá errado. Nossos filhos merecem o melhor de nós.