Um dos maiores desafios das mães, e das mulheres em geral, hoje é a divisão de tarefas e cuidados dentro de casa. De acordo com dados do IBGE de 2017, as mulheres gastam quase o dobro de horas semanais com o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos em relação aos homens. Por outro lado, informações da Fundação Carlos Chagas apontam que as mulheres representam mais de 40% da força no mercado de trabalho. O resultado dessa equação é um velho conhecido das mães: dupla jornada de trabalho, pesada carga mental, carreira profissional difícil de ser construída, desgaste, cansaço e a sensação de que nunca se é suficiente em nenhum papel.
É possível mudar esse cenário? No terreno das políticas públicas, discutem-se muitas medidas capazes de reequilibrar a balança da divisão de tarefas no lar. Uma delas é a licença parental, direito que é realidade em algumas partes do mundo e que busca incluir o pai na vivência diária e no trabalho de criação de um bebê desde o início. Para saber mais sobre o tema, conversamos com Karin Huek, jornalista, escritora e pesquisadora do assunto na Universidade Livre de Berlim, na Alemanha. Leia a entrevista a seguir:
Clube Quindim: Você pode explicar um pouquinho o tema da sua pesquisa?
Karin Huek: Eu pesquiso licença parental, uma licença unissex e prolongada que existe em alguns países do mundo, dada para pais e mães com a ideia de que você possa participar dos cuidados dos seus filhos pelo menos no primeiro ano de vida, e que mulheres e homens possam participar desses cuidados de forma igualitária. Essa licença tem várias consequências e vários impactos positivos, como a contribuição para a igualdade de gênero.
Há uma vantagem econômica para o país também. Ao dividir o ônus do trabalho reprodutivo, você não tira as mulheres do mercado de trabalho por um período prolongado. Em todos os lugares do mundo, a proporção de homens que trabalha é maior do que a de mulheres, e isso no caso do Brasil é um contrassenso. Aqui, as mulheres são mais estudadas, são as que mais terminam o Ensino Médio e o Ensino Superior. Se deixarmos só para as mulheres o cuidado com o lar e as crianças, tiramos mão de obra qualificada do mercado. Além disso, estudos mostram que o PIB do país cresceria se mais dessas mulheres pudessem trabalhar.
C.Q.: Qual é a diferença entre licença-maternidade e licença parental? Como elas se distribuem pelo mundo?
K.H.: A licença-maternidade é focada nas mulheres, na saúde e no bem-estar depois da gestação. Ela existe em praticamente todos os países, com exceção dos Estados Unidos, Papua Nova-Guiné, Suriname e em algumas ilhas do Pacífico. Foi criada para que a mulher possa ter um descanso no fim da gravidez, parir com tranquilidade e se recuperar, além de ter garantia de estabilidade no emprego. No Brasil, oficialmente é de quatro meses, e funcionárias públicas e de empresas cidadãs usufruem de seis meses de licença-maternidade.
Já a licença parental é mais longa. Foi criada na Suécia em 1974, se estende de seis meses a um ano e é unissex. Isso quer dizer que, passada a licença-maternidade, que todas as mães devem e precisam ter, pai e mãe decidem quem vai ficar em casa com o bebê, se vão repartir esse tempo e alternar, se vão ficar juntos, enfim, o conceito é que você possa decidir o que é melhor com flexibilidade.
C.Q.: Ter uma licença que promova um maior contato das crianças com os pais pode ter que impacto no desenvolvimento da infância?
K.H.: A influência dos pais é muito grande no desenvolvimento dos filhos, desde o momento que nascem até a vida adulta. O curioso é que a Ciência não tem o hábito de estudar essa influência. Uma pesquisa de 2005 mostra que, de 547 artigos publicados sobre desenvolvimento de filhos, só 2% olhava para o impacto da presença dos homens na criação. São recentes os estudos que começaram a analisar mais para isso, e as descobertas são variadas.
Por exemplo, um estudo aponta que ter um pai presente durante as primeiras semanas de vida faz com que a amamentação dos filhos seja mais prolongada. Sabemos que a amamentação exige preparo, dedicação e é dolorida no início, então ter outro adulto em casa faz com que o bebê seja amamentado por mais tempo. Uma pesquisa sobre o sono mostra que crianças que choram de madrugada e são acalmadas pelo pai dormem melhor. Isso porque, quando a mãe pega o bebê de madrugada, ele quer mamar e fica mais tempo acordado. Outros estudos sinalizam que pais que conversam e leem livros têm filhos que falam mais e melhor aos três anos de idade. Os pais usam outros vocabulários, diferentes das mães, com seus filhos.
Há pesquisas, ainda, que mostram que pais brincam de formas diferentes com as crianças: são mais ousados, deixam os filhos correr mais longe, jogam o filho para o mundo, o que tem relação com a socialização que os homens têm, de serem mais aventureiros. A mãe acolhe mais. Um trabalho desenvolvido na Suécia diz que, quando os pais pegam a licença por tempo estendido, os filhos têm menos problema de comportamento e ajuste social: filhos homens fazem e sofrem menos bullying na adolescência, enquanto filhas mulheres sofrem menos com ansiedade e depressão. Isso quer dizer, basicamente, que ter mais uma pessoa envolvida e cuidando da criança é melhor do que uma. Além disso, é um direito dos homens estar perto dos seus filhos.
C.Q.: E na vida das mulheres, qual é o impacto da licença parental?
K.H.: A divisão de tarefas desde o começo da vida do bebê. Se logo no início só a mulher ficar em casa, ela provavelmente será a principal cuidadora, só ela vai saber o que a criança come, ela vai faltar ao trabalho se precisar levar a criança ao médico, ou seja, ficará uma divisão injusta do cuidado com o bebê e isso se acumulará para o resto da vida. Assim se estabelecem os papéis definidos socialmente para homem e mulher, então a licença parental tenta romper um pouco com isso. Tem a vantagem econômica também. Sabemos que, quando há dependência financeira, as mulheres ficam mais vulneráveis à violência, à precariedade e a uma série de problemas.
Outro aspecto interessante é: nenhuma licença deve ser longa demais. Alguns estudos mostram que a licença parental deve ter no máximo um ano de duração, senão se estimula a mulher a nunca mais voltar para o trabalho. Mesmo em países como a Alemanha, em que existe essa política unissex e igualitária, as mulheres acabam pegando a maior parte da licença [em oposição aos homens]. Se for muito tempo, a mulher terá muita dificuldade para voltar ao mercado de trabalho, porque, no emprego, as pessoas acabam por se ajeitar sem ela, as mulheres muitas vezes se sentem menos confiantes e podem não voltar. Um ano é um bom limite.
C.Q.: Tem algum arranjo, dentro do que você tem estudado, que é referência?
K.H.: As cotas para homens nas licenças parentais. Na Suécia, com 480 dias de licença, há cotas de quatro meses para homens: ou seja, só é permitido tirar esses 16 meses se os dois parceiros ficarem pelo menos quatro meses cada. A lei fala em “parceiros”, não “pai e mãe”, mas na prática é uma cota que acaba servindo aos homens. Os estudos mostram que eles só passaram a integrar essa licença a partir do momento que se criou a cota. Hoje, na Suécia, 90% dos homens tiram a licença quando os filhos nascem, e isso tem um impacto interessante nas carreiras, porque lá o empregador não pode usar a justificativa de que não contrata mulheres porque elas podem se afastar, afinal todo mundo se afasta quando tem filhos.
Na Alemanha acontecia algo parecido: só 3% dos homens tiravam licença parental até a criação da cota, que é de dois meses. Em dez anos, esse número foi para 36%. Na prática, se não fica estabelecido que os homens devem pegar uma parte da licença parental, as mulheres é que acabam ficando em casa nesse período.
Tem também um arranjo que nunca foi testado: um incentivo, um bônus em dinheiro dado pelos Estados se ambos os pais trabalharem trinta horas por semana. É melhor, para o Estado, ter duas pessoas trabalhando trinta horas, com igualdade, do que uma pessoa só trabalhando quarenta e a outra trabalhando meio-período, por exemplo. Assim, haveria a licença parental dividida de um ano e, na volta, pai e mãe trabalhariam por trinta horas enquanto a criança iria para a creche. O resto dos cuidados seria dividido nas dez horas restantes de cada um.
C.Q.: Como é o cenário no Brasil hoje, nesse sentido?
K.H.: No Brasil há alguns aspectos interessantes. A licença-maternidade é 100% remunerada. Na Alemanha, por exemplo, é 65%. Além disso, quando um casal adota uma criança pode escolher quem vai ficar com a licença, o que abre um precedente interessante para casos em que a mãe está empregada e o pai desempregado. Casais homoafetivos também conseguiram, na Justiça, o direito de escolher quem vai viver a licença. As mulheres desempregadas têm direito a licença-maternidade se comprovarem que trabalharam durante um tempo.
Tem a empresa cidadã, que dá vinte dias de licença ao homem, licença condicionada a um curso de paternidade no SUS, o que é bem legal. Esse curso traz primeiros cuidados, o que é paternidade, qual é a responsabilidade com um bebê etc.
Conversei com um homem no Brasil que tirou esses vinte dias mais os trinta de férias, totalizando cinquenta, o que não é ruim se você analisar as outras licenças no mundo. São exceções, claro, mas é interessante para ver que há bons exemplos mesmo nesse momento de perda de direitos. No Brasil, os pais também têm direito a fazer o pré-natal no SUS, com exames de colesterol, glicose, HIV, entre outros. Há, ainda, uma lei que garante o direito de a mulher ter um acompanhante na hora do parto, o que não é regra em outras partes do mundo, em que a mulher é obrigada a parir sozinha.