Que a rede social das trends e das dancinhas é um fenômeno, todo mundo já sabe. O que ainda não se sabe, realmente, são seus efeitos a médio e longo prazo, sobretudo em crianças e adolescentes, cujo cérebro e identidade ainda estão em plena formação e desenvolvimento.
Os cuidados com o uso (e abuso) de telas em geral vem sendo cada vez mais discutidos por especialistas, pais e cuidadores de algum tempo para cá, especialmente depois da pandemia. Mas, além de questões como a diminuição do tempo ao ar livre e do contato com a natureza, do comprometimento da criatividade e até mesmo da lida com o próprio tédio, quando o assunto é TikTok e outras redes sociais há muitos outros aspectos a serem considerados. O clube de assinatura Quindim traz essa importante discussão à tona e indica possibilidades de amenizar os possíveis efeitos da exposição excessiva. Confira a seguir!
Veja também: Mudanças de comportamento nas crianças e adolescentes: como lidar?
Entendendo como funciona
Muitos de nós temos conta no TikTok. Podemos até não postar nada, mas estamos lá, rolando o feed e assistindo a uma quantidade enorme (quase infinita, na verdade) de conteúdos de todos os tipos. No entanto, muitos pais e cuidadores não estão no TikTok, mas seus filhos, sobrinhos e alunos, sim.
O primeiro passo, então, é entender como funciona. Estamos falando de uma plataforma baseada em vídeos curtos, que vão de 15 segundos a 10 minutos de duração cada. Ao criar uma conta, o algoritmo da rede passa a analisar todos os seus movimentos, identificando que tipo de conteúdo você gosta, ou não, e oferecendo cada vez mais algo feito especialmente para você.
Assim, se você assistir até o final o vídeo de um cãozinho fofo, de um skatista fazendo manobras ou de bailarinos clássicos dançando em um palco, a plataforma vai apresentar inúmeros outros a você que sejam do mesmo tipo. Talvez até sejam gatos, jogadores de basquete e dançarinos de hip hop, mas a essência será a mesma.
Por outro lado, se você passar direto por vídeos de coreografias da moda ou pessoas cozinhando todo tipo de coisa, o algoritmo vai compreender e se adaptar aos seus interesses, evitando mostrar vídeos assim. Com isso, em pouco tempo você só verá conteúdos do seu interesse, estimulando você a passar cada vez mais tempo ali, nessa estranha brecha de espaço e tempo onde os segundos vão se empilhando até se transformarem em horas sem que a gente perceba.
Aqui, vale destacar um ponto muito importante: a plataforma possui também uma quantidade gigantesca de conteúdos que podem ser considerados bizarros, inadequados ou, no mínimo, estranhos. Esses vão desde pessoas espremendo cravos e espinhas, passando por manipulação de armas, e chegando a participação de desafios perigosíssimos que colocam a vida das pessoas em risco.
Ao assistir vídeos como esse, mesmo que exclusivamente por curiosidade mórbida, adivinhe só? A plataforma vai inundar o seu feed com conteúdos do mesmo tipo antes que você perceba. O mesmo acontece com crianças e adolescentes, muitos com menos de 12 anos de idade, que sequer deveriam ter contas na rede – mas que estão lá, e já representam cerca de metade dos usuários.
A exposição do TikTok pelos próprios pais
Ainda que exista a restrição de idade para criar uma conta no TikTok, muitas crianças de 12 anos ou menos já estão logadas, inclusive porque não há exatamente uma checagem que as impeça de fazer isso. Outras tantas entram de mãos dadas com os próprios pais, que publicam diversos conteúdos de seus filhos.
Ainda que uma parte o faça somente com a intenção de compartilhar descobertas, brincadeiras e momentos divertidos da família, não há como negar que muitos buscam a fama, para si e para os filhos, e tudo aquilo que pode vir com ela: dinheiro, parcerias, fama e influência.
A influência, inclusive, parece ter se tornado o novo sonho de uma geração. Se antes o “comum” era desejar ser jogador de futebol, cantora e atriz, agora, ser digital influencer é o que há. O sucesso não se mede mais pelas realizações e conquistas de uma pessoa, mas pelo número de visualizações, seguidores, likes e compartilhamentos que ela tem.
Um dos maiores problemas, tanto do TikTok, quanto de outras redes sociais, é que crianças e jovens ainda em formação não têm condições de avaliar os riscos que essa busca desenfreada por validação envolve. Com isso, passam a estar frequentemente em situações em que fazem de tudo – tudo mesmo – para conseguir conquistar o chamado engajamento.
A necessidade de pertencer levada ao extremo
Todos nós precisamos nos sentir parte de alguma coisa. Queremos amiguinhos que gostem de brincar conosco na infância, queremos ser convidados para as festinhas de aniversário, queremos pertencer.
Na adolescência, esse desejo e necessidade ganha ainda mais força. Precisamos nos entender como indivíduos independentes de nossos pais, e fica cada vez mais difícil resistir a certas cobranças dos colegas para fazer o que for preciso para se tornar parte de um determinado grupo. As clássicas pressões para experimentar cigarro, álcool e drogas ainda existem, mas agora elas são agravadas por algo ainda mais assustador: a perenidade da Internet.
Jovens que dançam sensualmente na frente da câmera do celular (e chegam a tirar a roupa em troca de likes), crianças que brincam de avaliar uma infinidade de produtos e recomendar ou não sua compra, tutoriais de maquiagem feitos por quem sequer trocou todos os dentes de leite… A lista não acaba, e tudo isso fica lá, registrado para sempre na Internet.
Crianças e jovens em formação, que no mundo offline já buscariam, em certa medida, definir o seu valor pela opinião dos outros, passam a considerar como outros, basicamente, o mundo inteiro. Assim, essa fase que já é desafiadora por natureza, vira uma corrida desenfreada por curtidas, mesmo que para conquistá-las seja preciso se colocar em risco e se expor ao extremo.
É quase como se não existisse vida fora das redes. Se você não está no TikTok, no Instagram, no YouTube ou no Facebook, ou se você posta fotos e vídeos e eles “flopam” (termo utilizado para dizer que algo fracassou), você não é ninguém. E, se você não é ninguém, você existe para quê?
São questões como essa, associadas ao fato de que crianças e jovens ainda estão com seus cérebros em formação, e, portanto, não tem capacidade de avaliar adequadamente uma decisão e suas consequências, que fazem que jovens participem dos chamados desafios. Um deles, que consiste em inalar desodorante, matou um menino de 12 anos em Minas Gerais em agosto de 2022. E ele não foi o único.
Como ele, vários outros jovens já ficaram gravemente feridos ou perderam a vida para desafios como esses. A supervisão ativa dos pais e cuidadores é fundamental, mas não basta “vigiar” as crianças: é preciso conversar abertamente com elas sobre esses riscos.
Ideias distorcidas de beleza e como isso afeta a autoestima
Nós somos bombardeados por mídia em toda parte nos dizendo como devemos nos vestir, nos comportar, falar e parecer. Assim, se por um lado existe um pseudopadrão de beleza, que passamos a ver questionado e quebrado sistematicamente (finalmente, diga-se de passagem), por outro existem inúmeros recursos que as próprias redes sociais, incluindo o TikTok, disponibilizam para que os usuários alterem suas características físicas.
As ferramentas de edição de vídeo e imagem, como os filtros, mudam tudo: desde a cor do cabelo e dos olhos, passando pelo formato do nariz e da boca, até o tamanho da barriga e dos músculos. Esses recursos reforçam a ideia de que há um jeito “certo” de ser e, consequentemente, um jeito “errado”.
Especialmente quando falamos de meninas e mulheres, esse padrão, que inclui cor de pele, cabelo, peso, altura e medidas, na busca por um corpo ideal – que é irreal – começa a cobrar seu preço desde que somos muito jovens.
Além da maquiagem, da transformação do cabelo, da ideia de que é preciso ser magra a qualquer custo, e da escolha por roupas e comportamentos que supostamente nos tornarão mais aceitas e desejadas, podem haver consequências seríssimas como distúrbios alimentares, depressão e ansiedade, entre outros. Sem falar no que podemos entender como um terrível efeito colateral, que é ensinar aos meninos o que deve ser considerado como a “garota ideal”.
Essas, muitas vezes, são tidas como burras, superficiais e fúteis, como se ser bonita invalidasse todas as outras coisas que uma mulher pode ser. Já as que não estão no tal padrão, devem suportar todo tipo de abuso, agressão e violência, e caladas, pois “têm a sorte” de ter um homem ao seu lado.
Parece exagero, e até um tanto extremo, não é? Mas isso continua acontecendo, todos os dias, no mundo inteiro.
Veja também: O que é cyberbullying e como proteger as crianças do bullying virtual.
Os riscos à saúde mental
Como a maior parte dos usuários do TikTok são crianças e jovens, e os adultos não circulam muito por lá, fica fácil deduzir que não há exatamente uma supervisão ou uma mediação do que acontece na rede por parte dos cuidadores responsáveis.
Assim, as crianças ficam expostas a todo tipo de coisa sem que muitos de nós sequer saibamos o que está acontecendo. Se de um lado há essa busca pelos likes, pela popularidade e por ser aceito, a outra face da moeda são aqueles que não se encaixam, que tentam se incluir e não conseguem, e que, por isso, são duramente criticados e passam a sofrer o chamado cyberbullying.
O cyberbullying pode levar a quadros graves de ansiedade, depressão e até mesmo suicídio, e jamais deve ser tratado como frescura ou bobagem por parte dos adultos. É preciso estar sempre atento para mudanças de comportamento e acionar ajuda profissional. Existem programas de atendimento gratuito que podem fazer a diferença nesse momento.
Os comentários nas fotos e nos vídeos ficam públicos e podem ser vistos por qualquer um que siga a conta do usuário (no caso das contas privadas), mas é preciso lembrar também das mensagens diretas, que em casos de agressão virtual destilam ódio e provocam muita dor e tristeza às vítimas por baixo dos panos.
Pais e cuidadores devem estabelecer, junto aos jovens, combinados para tornar o uso das redes sociais o mais seguro possível. Limitar os comentários nas postagens, acessar de vez em quando o que o jovem está publicando e principalmente estabelecer um canal de diálogo, sincero e não punitivo, é sem dúvida o mais importante.
Preservação da segurança e cuidado com estranhos
A Internet como um todo e as redes sociais especificamente abrem as portas para o mundo. Com o mundo virtual, temos acesso a muitas coisas boas, como a possibilidade de adquirir conhecimento sobre praticamente tudo. Os riscos, no entanto, são extremamente reais.
Conversar com crianças e jovens sobre os perigos de falar com estranhos, sobre assédio sexual, sobre preservação de dados particulares (como o endereço, nomes dos pais, escola onde estuda e muito mais) é imprescindível para aqueles que querem tornar a vida online dos filhos mais segura.
Uma criança que foi educada para compreender que partes íntimas não devem ser vistas ou tocadas por ninguém tem maiores chances de achar estranho e inadequado o pedido de um suposto coleguinha virtual para ver uma foto sua sem roupa., conversando com seus pais sobre isso.
Infelizmente não há uma maneira de protegermos nossos filhos de todo mal que existe no mundo, mas isso não quer dizer que não devemos usar tudo o que estiver ao nosso alcance para isso. Informar com qualidade, conversar e educar com afeto são nossas melhores chances de evitar o pior.
O feed infinito e a limitação do tempo de tela
Negociar com a criança e com o jovem um limite de tempo para acesso às telas é a melhor maneira de lidar com o feed infinito do TikTok e com a vontade (que rapidamente se torna necessidade) de ficar ali, por horas e horas, consumindo todo tipo de conteúdo.
Você pode até proibir o uso do aplicativo, mas há uma grande chance de o seu filho acessar sem que você saiba e, consequentemente, sem que vocês possam conversar sobre isso. Então, procure estabelecer junto dele em que dias e horários será permitido entrar no app, além de quantos minutos por vez ele poderá permanecer online.
Como podemos perceber, crianças e jovens estão cada vez mais impacientes e ansiosos. Não há mais tempo dedicado ao ócio, olhando para o teto do quarto e lidando com o próprio tédio. A possibilidade de pular para o próximo vídeo em questão de segundos vem dificultando até mesmo a disponibilidade para assistir a um programa de TV mais longo, ou a uma peça de teatro, por exemplo.
Então, além de educar digitalmente os jovens sobre os perigos e a melhor maneira de utilizar a Internet e as redes sociais, é preciso urgentemente apresentar outras fontes de entretenimento, cultura e conhecimento para eles.
Se você tem o hábito da leitura, incentive-o no seu filho também. Invista tempo em caminhadas ao ar livre, e em práticas esportivas e artísticas, como dança e música. E converse com a criança sobre como é importante ficar um tempo sem fazer nada, apenas com seus próprios pensamentos, e como isso nos ajuda a ser mais criativos e pensar sobre o mundo, o futuro e tudo o que podemos fazer dele.
Ao que tudo indica, as redes sociais parecem ser um caminho sem volta, e dificilmente vamos conseguir manter nossos filhos longe delas por muito tempo. O objetivo, portanto, deve ser dar a eles o máximo de autonomia, conhecimento e ferramentas para que se mantenham a si mesmos em segurança quando nós não pudermos fazê-lo.
O que fazer, na prática
Confira, em termos práticos, algumas coisas que você pode fazer para tornar o uso do TikTok mais seguro.
- Sempre que estiver disponível, faça uso de ferramentas de controle parental para ajudar a monitorar o conteúdo consumido e postado pelo seu filho, além de verificar mensagens enviadas diretamente para ele (e por ele também). No entanto, fique sempre atento, pois o controle parental não elimina a necessidade de um acompanhamento próximo, feito ativamente por você.
- Converse, sempre e a respeito de tudo, com as suas crianças. Escolha uma maneira de falar que seja adequada para a faixa etária delas e utilize palavras e analogias que elas consigam compreender. Quando a criança cometer algum erro, procure acolher em vez de culpar. Lembre-se sempre de que a maneira como você reagir pode determinar se em uma próxima vez ela vai contar para você o que houve, pedindo ajuda e apoio, ou se vai esconder o que aconteceu.
- Eduque pelo exemplo. Se você quer que seu filho seja sincero e confie em você, não minta, nem para ele nem para outras pessoas. Crianças são observadoras com olhar aguçado, então nem adianta achar que o “faça o que eu digo, não faça o que eu faço” vai funcionar. Seja sincero.
- As regras devem valer para todos na casa. Por isso, seja coerente! Se a criança não puder mexer no telefone nem ver TV durante as refeições, o mesmo deve valer para você. Ao perceber que você pratica o que fala, a confiança do seu filho em você tende a aumentar, bem como o sentimento de que pode contar com você em qualquer situação.
- E, por falar em confiança, cumpra os compromissos e as promessas que fizer. É importante que seu filho entenda que todo ato tem uma consequência, bem como que veja, na prática, que a sua palavra tem valor. Assim, se você disser que ele pode acreditar em você, um histórico de ocasiões que comprovem que você cumpre o que diz pode ajudar e muito.