Estamos acompanhando quase que diariamente as notícias sobre os efeitos da crise climática e suas manifestações ao redor do globo. A seca histórica na Amazônia que transformou a paisagem do Rio Negro, as enchentes em Santa Catarina que ainda contabilizam mortes e prejuízos materiais, e as temperaturas extremas na Europa são apenas alguns exemplos de sintomas de um planeta que está doente.
Enquanto parece haver um consenso sobre a impossibilidade de efetivamente reverter o aquecimento global, várias organizações que lutam pela preservação da natureza e por um futuro mais sustentável continuam batalhando para ao menos frear as consequências de dois séculos de exploração de recursos naturais, que teve início com a primeira Revolução Industrial.
Mas há um grupo de pessoas, mais profundo e extensamente afetado pela crise climática, que ainda não está no centro das decisões relacionadas ao tema: são as crianças e os adolescentes. Os efeitos da crise climática sobre essa parcela da população são alarmantes.
Primeiro, porque sua fisiologia ainda em desenvolvimento os coloca em uma posição de vulnerabilidade em termos de sistema imunológico, por exemplo. E, segundo, porque os efeitos psicológicos das incertezas com relação ao futuro serão percebidos por muitos anos na vida adulta desses indivíduos.
Mas o que será que nós, mães, pais, cuidadores e professores podemos fazer de concreto, no dia a dia, para resistir e tentar transformar esse cenário?
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Para começo de conversa: o que são as ondas de calor?
Fábio Bertassi é geógrafo, educador e professor, com mais de 15 anos de experiência na área da educação, sendo seis deles em sala de aula. Além disso, como marido e pai, se entende como um apaixonado pelas questões humanas e ambientais, e busca viver semeando boas práticas.
Fábio nos explica que as ondas de calor nada mais são do que uma das consequências das ações do ser humano sobre o planeta, ou seja, um reflexo das alterações que nós realizamos no meio ambiente com os desmatamentos e, principalmente, com a poluição atmosférica industrial e aquela gerada pelos automóveis com a queima de combustíveis fósseis.
“O planeta foi evoluindo para uma situação de equilíbrio ao longo de um período de tempo muito longo, que levou milhões de anos. Mas as ações do ser humano estão alterando esse equilíbrio em uma escala de tempo muito curta, muito rápida”, explica Fábio.
Assim, vemos essas alterações mais especificamente do clima, das chuvas, da temperatura, da umidade, dos ventos e dos ciclos das massas atmosféricas, provocando um calor maior do que o esperado para um determinado período de tempo e local. “O ecossistema tem um equilíbrio muito sutil, muito delicado. Se alteramos um dos fatores, há um desarranjo dos demais, está tudo integrado. As ondas de calor são apenas uma parte de um fenômeno muito maior”, esclarece.
Como proteger as crianças das ondas de calor
Além de combater as causas da crise climática, todos nós precisamos lidar com seus efeitos. Com relação às ondas de calor, as medidas para proteger a população já são bastante conhecidas, mas não custa reforçar:
- sempre que possível, é importante buscar espaços internos, abrigados do calor, que de preferência contem com ar-condicionado;
- aumentar a ingestão de líquidos naturais, como água e água de coco;
- evitar a exposição direta ao sol, especialmente nos períodos de calor mais intenso;
- utilizar sempre protetor solar, chapéu e, quando possível, roupas com proteção UV.
Quando for possível, e desde que não seja nos horários em que há picos de temperatura, pode ser interessante realizar atividades ao ar livre, pois isso ajuda também no processo de aproximar crianças e jovens da natureza e, consequentemente, torná-los mais interessados nos processos que envolvem o meio ambiente.
“Se você tem acesso a um ambiente que tem vegetação, árvores e sombra, essa sombra será mais fresca e agradável do que a sombra de um prédio, por exemplo. Então, se puder, vale a pena levar as crianças para realizar atividades diversas em locais mais próximos e integrados com a natureza”, afirma Fábio.
Além dos benefícios do desemparedamento da infância, para o professor Fábio é justamente essa aproximação com a natureza que vai tornar possível para os pequenos compreender a relação dos acontecimentos do mundo com a sua própria vida. Do contrário, fica tudo muito distante e, quando é distante, nossa tendência a nos importarmos é menor.
Crise climática: tangibilizar a teoria, para conseguir transformar a prática
Bertassi destaca que nós, enquanto espécie animal, nos adaptamos ao meio natural ao longo de milhares de anos e que, no último século e meio, aproximadamente, por conta de uma série de fatores e questões econômicas, deixamos o campo e passamos a não nos relacionar mais com a natureza e com seus ciclos.
Assim, não sabemos mais como as matérias-primas dos produtos chegam até nós, nem que fim esses produtos levam depois que saem das nossas mãos. “A gente só sabe trabalhar, comprar e consumir. Damos descarga, mas para onde vai a água? Jogamos o lixo fora, mas para onde vai esse lixo? Por mais que a gente tenha muito acesso à informação, essa informação não vem sendo transformada em conhecimento. A gente precisa dar sentido pras coisas, do contrário, não tem como transformar nada”, afirma.
Nesse sentido, proporcionar para crianças, jovens e para nós mesmos oportunidades de ter contato próximo, em primeira mão, com a maneira como a humanidade vem lidando com o planeta é o primeiro passo para promover qualquer mudança.
Para Fábio, as vivências são recursos riquíssimos para ajudar nessa compreensão. Por exemplo: conhecer e cuidar de espaços ao ar livre, como parques públicos, ver de perto o ciclo de plantas e flores, ou mesmo de uma simples borboleta, acompanhar a cadeia produtiva de um determinado alimento, visitar um lixão etc.
Todas essas são maneiras bastante concretas de trazer acontecimentos diários para perto, relacionando-os com as nossas vidas, conscientizando sobre as nossas ações e, consequentemente, fazendo que cada um assuma sua parcela de responsabilidade pelo que vem acontecendo com o planeta.
Ações para integrar crianças e jovens nas decisões sobre o futuro do planeta
A maior parte dos programas e políticas públicas voltadas para o meio ambiente ainda excluem crianças e jovens da tomada de decisão. E, muitas vezes, essas decisões parecem estar totalmente fora do nosso alcance. Ficamos com a impressão de que não há nada o que nós, individualmente, possamos fazer.
Fábio fala sobre a importância de promovermos acesso às fontes de informação verificáveis, e de conversarmos com nossos filhos e alunos sobre o que acontece no mundo como um primeiro passo para ajudá-los a dar sentido ao que vemos nos telejornais.
Além disso, investir tempo e recursos em vivências e monitorias temáticas, como aquelas voltadas para o cultivo de alimentos em hortas, o processamento do lixo, os cuidados com os animais, o processamento do esgoto etc.
O objetivo, sobretudo, é trazer para perto muitas coisas que parecem não nos afetar, mas que mudam nossa vida todos os dias, pouco a pouco. “Se eu não me conecto com aquilo, se não sinto um mínimo de vínculo, de união, de fraternidade, eu não consigo gerar essa ideia de preservação, seja das relações, de respeito, do meio ambiente e até comigo mesmo”, afirma Fábio.
Ao tornar crianças e jovens integrados e coparticipativos de todos os processos, e não apenas receptores das nossas decisões, damos a eles o poder de escolher que impactos vamos gerar no planeta.
“Não dá pra pensar em parar de industrializar, produzir e consumir, mas também não dá pra continuar como está. Qual é o caminho do meio? Nós somos seres urbanos e consumistas, então vamos pensar em provocar uma mudança através do nosso consumo. Não precisamos apenas ficar esperando e aceitar o que nos dão, mas podemos cobrar das empresas e das indústrias ações sustentáveis, voltadas para cidades verdes, planejadas, sustentáveis e para fontes limpas de energia”, reforça o professor.
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Todas essas são ações grandes e complexas, que fogem ao nosso controle enquanto indivíduos. Mas quando vários indivíduos se tornam conscientes e atuantes, coletivamente, a transformação começa a ter mais peso.
“Foi assim que aconteceu da forma contrária antes”, explica Fábio. “Tudo o que hoje é tido como normal, como comum, já foi uma tendência um dia. Então, agora, nós precisamos rever isso e promover essa virada de chave, que se transforme em uma nova tendência. A maneira como a gente está existindo, consumindo e se relacionando, com nós mesmos, uns com os outros e todos nós com o planeta precisa ser revista. Pequenas e grandes ações geram impacto, mas que tipo de impacto nós vamos gerar depende das nossas escolhas”, finaliza.
Estante Quindim
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