Todo mundo conhece aquela máxima, repetida à exaustão, que diz que “errar é humano”. Mas parece que para uma categoria de pessoas, a frase não tem efeito ou validade: os pais. Estes não podem errar nunca. E haja frustração! Basta um passo em falso ou um pouco torto para que se note vários dedos apontados para você, carregados de julgamento e crítica. Mas o pior, mais carrasco e mais cruel juiz de todos, são eles mesmos. Pais e, principalmente, mães sofrem, se frustram e se culpam ao notar qualquer deslize, do menor ao mais impactante, na criação dos filhos. Nessas horas, fica difícil lembrar que somos todos falíveis.

Mas, afinal, por que isso acontece? E por que parece ser um fenômeno mais intenso na geração atual?

“A autocrítica é parte da condição humana e é um exercício importantíssimo na parentalidade, mas parece amplificada pelo excesso de expectativas contemporâneas — os pais, especialmente as mães, frequentemente sentem que não conseguem ter um desempenho parental bom o suficiente”, avalia a psicóloga Natalia Pinheiro Orti, professora na The School of Life Brasil.

De fato, há uma tendência maior de culpa entre os pais, hoje. Segundo a psicóloga, há algumas razões culturais para isso, como o fato de que as gerações anteriores viviam em contextos familiares mais autoritários, com papéis parentais muito mais rígidos. “Além disso, não havia tanta informação sobre desenvolvimento das crianças, infância saudável, saúde mental, inteligência emocional. Nesse sentido, as prioridades das gerações anteriores de pais se davam em torno de outras preocupações – muito legítimas em cada momento histórico e cultural (garantir a sobrevivência e integridade física das crianças, proporcionar educação de qualidade, ampliar o acesso material e cultural, dentre outros)”, aponta.

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Outro fator que contribui para essa busca pela perfeição na parentalidade é o peso das redes sociais. Basta rolar o feed para se deparar com um desfile de imagens idealizadas de famílias impecavelmente vestidas, com crianças comportadas, rotinas seguidas à risca, casas lindas e em ordem, pratos coloridos, com alimentos frescos e deliciosos.

Será mesmo que só você não consegue? Só os seus filhos insistem em sair sem pentear o cabelo ou se recusam a comer brócolis? Será que só você se rende a dar um lanche no jantar, nos dias mais corridos? Só você passa apenas um lencinho umedecido nos pés do bebê, em vez de dar banho, para não o acordar naquela noite em que ele dormiu no carro, depois de um passeio? A resposta é não!

Mas, diante da distração que as telas oferecem, é fácil esquecer que o que aparece nas redes sociais são apenas recortes e não a vida em família, com toda a sua complexidade caótica. De acordo com a psicóloga, o efeito de toda a exposição a referências distorcidas é uma sensação de inadequação desproporcional em muitos cuidadores, o que aumenta a exigência interna e a busca por um padrão inatingível de perfeição, além da exaustão emocional.

Como consequência, a autenticidade e o prazer na relação com os filhos ficam comprometidos. “É essencial cultivar um olhar mais crítico para o que se vê nas redes e buscar referências mais humanas e reais”, diz Natalia.

A especialista aponta que o outro extremo também pode ser perigoso. Para ela, a hiperconectividade e as redes sociais também ampliam o acesso a discursos científicos a respeito do desenvolvimento físico, emocional e socialmente saudável dos filhos. “Mas mesmo o conteúdo de qualidade consumido em excesso tende a nos tensionar e prejudicar a nossa experiência com a realidade das relações de cuidado”, alerta.

Hoje, temos acesso a uma quantidade muito maior de informação e, com todo o conhecimento, vem também mais responsabilidade e mais demandas. A consequência? Percebemos mais as nossas falhas e, quando isso acontece, somos invadidos pela culpa.

romper ciclos não é perseguir a perfeição

Justamente porque as gerações anteriores tinham menos informações sobre o desenvolvimento infantil e as necessidades emocionais das crianças, além de padrões mais rígidos, muitos adultos de hoje foram feridos. De forma inconsciente, muitas vezes, acabam reproduzindo estes padrões herdados. Há ainda quem tenha a reação oposta e aja de forma excessivamente compensatória, pelo pavor da identificação com quem deixou marcas emocionais pesadas.

“Na tentativa de romper ciclos muito dolorosos em nossa história, achamos que o caminho é buscar a perfeição, sob os moldes e as narrativas das informações de que dispomos atualmente, enquanto, na prática, não se trata de ser perfeito. É sobre caminhar em outra direção”, explica a especialista.

Romper ciclos exige consciência, tempo, paciência, compaixão, compromisso com tentativas e erros, e, muitas vezes, apoio psicológico profissional. 

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com frustração: De frente com os nossos erros

Pode não parecer, mas só o fato de você se preocupar com os erros e em como eles afetam a vida dos seus filhos já é um aspecto positivo sobre a sua parentalidade. Em muitos casos, isso já mostra como você se importa e se envolve.

Perceber que errou significa que você tinha intenção ou o desejo de fazer diferente. A diferença está na forma como você vai lidar com o que aconteceu, para que não desemboque em uma punição interna. “Se forem emoções sentidas com abertura e consciência, farão parte do caminho de aprendizado desses pais. No entanto, se mal reguladas e prolongadas, por meio de ruminações, crenças morais rígidas e julgamentos, são emoções que podem ter efeito paralisante sobre o comportamento”, explica a psicóloga.

A especialista ainda continua: “Em outros casos, esse cuidador pode se sentir tão desproporcionalmente inadequado, que acaba se afastando e comprometendo o vínculo e a espontaneidade na relação com o filho”, completa. Então, pode ser necessário buscar apoio profissional — psicoterapia, grupos de suporte à parentalidade, além de ampliar as redes interpessoais de confiança e rede de apoio.

De forma geral, as mães sentem culpa de uma forma desproporcional, em comparação aos pais. Mas por que isso acontece? Para Natalia, a diferença está relacionada às práticas culturais e narrativas que naturalizam diversos mitos sobre a figura materna. Sem falar na sobrecarga que submete as mães a um ciclo vicioso. São tantas tarefas e responsabilidades acumuladas, que a tendência é errar mais e se cobrar mais. Atenção às armadilhas!

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acolhimento e responsabilidade

Identificar os erros é importante, mas, em vez da autopunição, deveríamos buscar a compaixão – e isso serve tanto para os nossos deslizes, como para os dos nossos filhos. “Não erramos porque queremos, mas porque, nas circunstâncias em que estamos, não conseguimos fazer diferente”, ressalta a especialista.

Para ela, é comum fazermos certa confusão quanto ao significado prático da palavra compaixão. “Achamos que se trata de passividade ou condescendência, quando é, de fato, a aceitação gentil e responsável sobre o que há de humano e compreensível nas nossas experiências. A partir da compaixão, da aceitação e da responsabilidade, podemos nos comprometer com mudar, melhorar, buscar alternativas. A parentalidade suficientemente boa não exige perfeição, mas presença, escuta ativa e disposição para aprender”, pontua a especialista.

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Quando o erro é acolhido com responsabilidade (e não com rigidez), ele proporciona oportunidade de crescimento — tanto para o adulto quanto para a criança. Reparar, conversar, pedir desculpas e ajustar a rota são atitudes muito mais potentes para as relações humanas do que tentar ser infalível

Além de reconhecer as falhas, ter consciência e compaixão, é preciso acolher-se, ou seja, reconhecer que você é humano. Também é essencial buscar compreender as circunstâncias e condições que podem ter contribuído para você ter agido desta forma.

Com coragem e honestidade, é possível se responsabilizar e se comprometer em aprender e melhorar. Outro ponto importante a ser lembrado é que, ao contrário do que possa parecer, o seu erro tem uma função essencial na educação do seu filho, desde que você saiba lidar com ele.

Quando um adulto cuidador pede desculpas ou reconhece um erro, ele ensina a criança que errar é parte da vida – e que é possível assumir isso sem perder a dignidade, além de ensinar sobre a importância da reparação”, aponta Natália. Isso fortalece a segurança, a empatia, o senso de justiça e o vínculo afetivo. Afinal, as crianças aprendem mais com os exemplos, do que com os discursos.

“Pais e mães que mostram as vulnerabilidades inerentes à imperfeição estão educando para o amor próprio, para a responsabilidade afetiva e para um senso de pertencimento à humanidade”, completa a professora.