Você já pensou sobre o que torna um livro um clássico? E já se perguntou se algumas das obras lançadas hoje poderiam conquistar esse importante reconhecimento no futuro? O tema levanta muitas questões interessantes, por isso, convidamos o pesquisador e autor peter O sagae para conversar sobre os clássicos e sugerir alguns títulos fundamentais para compreender a literatura infantil mundial. Traduzindo ou escrevendo literatura para crianças, peter possui doutorado em letras pela Universidade de São Paulo, além de ser um dos curadores do Clube Quindim.
Para falar sobre o assunto, o pesquisador recorre a uma obra que, por sua vez, também é uma referência: o título “Por que ler os clássicos”, de Italo Calvino. “Um dos motivos para que uma narrativa se torne um cânone é o sentimento ou a certeza de que todos estão sempre comentando sobre ela, seja porque já a leram ou porque têm a intenção de lê-la em algum momento”, explica peter e completa: “Os clássicos estão sempre sendo discutidos e, nesse sentido, os livros antigos levam uma grande vantagem, pois já foram lidos e relidos muitas vezes”.
Mas, afinal, o que faz uma obra ecoar durante gerações, conquistando leitores diversos em tempos, contextos e cenários tão distintos daqueles experimentados pelo autor?
o que torna uma obra um clássico da literatura?
Para peter, o que essencialmente torna um livro um clássico é tratar dos temas universais, ou seja, aquilo que todos nós compartilhamos e que nos torna humanos. “Livros que falam sobre quem nós somos, quem são nossos pais, amigos e até mesmo quem nos atrapalha ou os nossos inimigos”, diz o especialista. “O que é o amor, a amizade, a traição e a inveja? O que nos alegra e o que nos entristece? Quem são nossos companheiros de jornada e contra o quê e quem devemos lutar? Tais reconhecimentos, valores e emoções que eles despertam são inerentes ao ser humano, não importando a configuração dos personagens por meio dos quais se apresentam”, conclui O sagae.
Neste ponto, podemos pensar sobre o que diferencia um clássico de outros livros, ainda que sejam excelentes. Segundo peter, a própria questão do imediatismo do consumo pode fazer com que uma obra não encontre seus leitores. “Diante de um mercado editorial com tanta oferta, tantos autores e tantos títulos, não se tem mais a possibilidade de conhecer profundamente um livro, então ele acaba sendo apenas mais um na sua estante”, explica.
São justamente as várias releituras que fazemos de um livro – enquanto indivíduos, como parte de uma sociedade e de uma geração – que contribuem para que uma obra se torne um clássico. A coleção desses pedacinhos de interpretação, em diferentes momentos da vida, vão formar o todo do que aquela obra significa para nós.
O sentimento de familiaridade e de pertencimento, e a capacidade que um livro tem de nos transportar para outras épocas da nossa vida, resgatando e aflorando emoções e lembranças, fazem toda a diferença nesse processo. “Um livro clássico, ainda que sob diferentes caminhos de leitura, sempre vai nos levar a um lugar talvez já conhecido, amado, um lugar de segurança”, finaliza peter O sagae.
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10 clássicos da literatura infantil mundial
Existem muitas seleções de clássicos da literatura infantil mundial e, embora alguns títulos sejam unanimidade, é praticamente impossível contemplar todos. Aqui, buscamos trazer títulos que você já deve ter lido ou ouvido falar, e fazer sugestões de obras que são imperdíveis. Algumas delas, inclusive, já foram enviadas aos assinantes do Clube Quindim. Pronta para começar? Vamos lá!
1- Contos de Grimm (1812) – Irmãos Grimm
As histórias de contos de fadas e contos de esperteza, com sua magia, moralidade e toda a complexidade das relações humanas recriadas pelos Irmãos Grimm atravessam gerações e influenciam todo tipo de manifestação artística e cultural. São inúmeras as versões, adaptações e menções em livros, séries, filmes e músicas.
2- 200 limeriques de Edward Lear para ler e para ver (1846) – Edward Lear
Viajante contumaz, Edward Lear circulou por muitos países da Europa buscando melhorar suas condições de saúde. Enquanto isso, conhecia culturas que influenciaram decisivamente sua arte, marcada pelo nonsense e o absurdo, capazes de fazer humor sem debochar de ninguém.
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3- Viagem ao centro da terra (1864) – Julio Verne
Um clássico da ficção científica, e também dos romances de aventura, a obra de Julio Verne leva o leitor a transitar pelo real e pelo fantástico de maneira extraordinária. Há muitos detalhes que conferem credibilidade ao texto, o que torna a experiência de não saber ao certo o que é inventado ou não ainda mais intrigante.
4- Alice no País das Maravilhas (1865) – Lewis Carroll
As aventuras da garotinha que caiu na toca do coelho e foi parar em uma terra de sonhos e diálogos lógico-matemáticos é considerada uma das obras de inauguração do gênero nonsense. Este clássico de Lewis Carroll influenciou a criação de inúmeras versões e adaptações para o teatro e o cinema, além de ter inspirado músicas, pinturas, artes plásticas e muito mais.
Veja também: Contos infantis e suas muitas versões: Alice no País das Maravilhas
5- Mowgli: os livros da selva (1894) – Rudyard Kipling
Nesta obra, são os animais que nos ensinam sobre sentimentos, ética, lealdade e responsabilidade. A atribuição de características humanas aos animais resgata a tradição das fábulas dentro de uma trama mais extensa, como a novela de aventuras, passando a ser muito utilizada depois do lançamento da obra de Rudyard Kipling.
6- A história de Pedro Coelho (1901) – Beatrix Potter
As travessuras do pequeno roedor que desobedece a sua mãe e quase vira almoço na horta de um vizinho são retratadas em um conto em que há íntima conexão entre o verbal e as imagens. Além disso, a autora Beatrix Potter entendeu o livro como um produto dentro de um espectro sócio-cultural, criando bonecos e várias outras aquarelas, que não faziam parte da obra, como mecanismos extras que poderiam ser oferecidos ao leitor, algo bastante comum nos dias de hoje, mas que na época era inovador.
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7- Os Meninos da rua Paulo (1906) – Ferenc Molnár
Amizade, coragem e honra cativam o leitor nesta obra que também aborda a falta de espaço para os jovens na sociedade. Embora a narrativa se passe na Budapeste de 1889, os sentimentos e conflitos da transição para a vida adulta tornam a obra universal e atemporal.
8- Píppi Meialonga (1945) – Astrid Lindgren e Ingrid Nyman
Símbolo de representatividade feminina e infantil, Píppi traz uma garotinha forte, corajosa e independente, que inspirou gerações de meninas a saberem seu valor e se orgulharem de quem são.
9- Onde vivem os monstros (1963) – Maurice Sendak
Considerado o melhor livro infantil de todos os tempos, a obra foi traduzida para mais de 20 idiomas, virou filme, peça de teatro e música. O olhar sobre o lugar da infância, sem idealizações, mudou a maneira como podemos ver as crianças, ou seja, indivíduos complexos em si mesmos. Ao mesmo tempo, a genialidade de Maurice Sendak é percebida em como a narrativa se articula no livro ilustrado contemporâneo.
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10- O Bom Gigante Amigo (BGA) (1982) – Roald Dahl
Palavras inventadas, imagens absurdas, aquilo que inicialmente assusta para depois cativar. Esse é o cenário para falar sobre a solidão e o sentimento de inadequação na infância, abrindo as portas para dezenas de fábulas modernas, muitas das quais foram adaptadas também para o cinema.
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