Quando a filha mais nova, Olívia, hoje com dois anos, nasceu, a comunicadora Veronica Oliveira achou que tudo seria mais fácil do que nas outras duas vezes em que foi mãe. Afinal, ela trabalharia de casa, com sua recém-nascida. O que veio a seguir, no entanto, foi muito mais difícil do que o esperado: sem descansar em nenhum momento, acumulando funções profissionais e o cuidado com a casa e os três filhos, ela acabou tendo um burnout. Materno.
“Me lembro de responder e-mails ainda dentro da maternidade. Não tive nenhum momento de pausa do trabalho desde o momento do parto. Com o tempo, a privação do sono do puerpério, e a carga excessiva de trabalho, com as coisas de casa, mais a bebê, se acumularam e tive crises de choro, cansaço, uma exaustão completa“, conta.
O burnout costuma ser associado ao trabalho, tanto que no ano passado a Síndrome de Burnout, que muitos conhecem como a síndrome do esgotamento profissional, foi incorporada à lista das doenças ocupacionais reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Com isso, os diagnosticados passam a ter as mesmas garantias trabalhistas e previdenciárias previstas para as demais doenças do trabalho: o trabalhador tem direito a 15 dias de afastamento remunerado e, acima desse período, pode receber o benefício previdenciário pago pelo INSS.
Mas o que acontece quando o burnout não é resultado de um trabalho remunerado, como o cuidado materno? Estudos recentes mostram que a prevalência de esgotamento mental é 25% maior entre as mulheres, justamente pelo acúmulo e sobrecarga, mental e física, no trabalho doméstico, cuidado com os filhos e a profissão. Veronica conta que não chegou a ser diagnosticada, mas teve exatamente os sintomas descritos por médicos: sentia que não tinha mais forças para nada e uma culpa enorme pelo sentimento constante de baixa produtividade.
“Não conseguia entregar os trabalhos da mesma forma, não conseguia manter a casa arrumada da mesma forma, não conseguia dar atenção aos meus outros filhos da mesma forma. Parecia que tudo estava uma grande bagunça e que eu falhei como mãe e como profissional. Sentia um grande peso por constatar que não podia dar conta de tudo.”
O burnout materno pode ter impactos significativos na vida das mães e de suas famílias, já que a exaustão constante pode levar a problemas de saúde física e emocional, como fadiga crônica, ansiedade e até depressão. Por isso, Nana Lima, sócia da Think Eva, consultoria de inovação social que cria soluções para ampliar a equidade de gênero, afirma que é necessário trazer a discussão para a parentalidade.
“O burnout ainda está mais associado ao trabalho e ao excesso do trabalho, e não à rotina exaustiva como um todo. Trazer essa questão para dentro da conversa da parentalidade é muito importante. Porque precisamos encontrar soluções coletivas”, afirma. “O cuidado não é visto como trabalho, mas é ele que faz a sociedade funcionar. Na Argentina, por exemplo, o tempo de cuidado com os filhos agora conta como tempo de aposentadoria.”
No relatório “Esgotadas”, a ONG Think Olga — da qual Nana também é sócia-fundadora — pesquisou mais de mil mulheres, para entender os fatores estruturais que estão abalando a saúde das brasileiras. O resultado é que as cuidadoras, tanto dos filhos quanto dos pais, são as mais afetadas. No total, 86% das brasileiras consideram ter muita carga de responsabilidade. Destas, 57% das que têm entre 36 a 55 anos são responsáveis pelo cuidado direto de alguém. 45% das entrevistadas também tiveram algum diagnóstico de ansiedade e depressão.
Nana cita ações, tanto do setor público quanto do privado, que poderiam ajudar a reduzir e dividir o cuidado parental, evitando o burnout: mais vagas em creches públicas, com alimentação de qualidade e horários compatíveis com o trabalho, por exemplo; ou empresas que ofereçam trabalho remoto e flexível.
“São questões coletivas que precisam ser resolvidas por políticas públicas. Em relação às creches, por exemplo, que profissional consegue encerrar sua rotina de trabalho às 16h?“, questiona Nana. “No setor privado, é preciso começar a entender os homens também como cuidadores, adotando uma licença coparental. Hoje é só a mulher que tem a carreira impactada ou precisa repensar se irá assumir mais coisas no trabalho ou mesmo aceitar uma promoção.”
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O que fazer em casos de burnout?
Para superar o burnout materno o primeiro passo é identificar a síndrome, o que nem sempre é simples. Para isso, é imprescindível buscar o apoio de um profissional de saúde mental: um terapeuta pode ajudar a desenvolver estratégias de enfrentamento e fornecer suporte emocional.
“Como eu tinha crises seguidas de choro, conversava muito sobre isso na terapia, e minha psicóloga ia me ajudando com estratégias para que eu não me sentisse tão mal comigo mesma, e que, ao mesmo tempo, não planejasse muitas coisas. Ou seja, para que eu entendesse que, dentro do contexto de ter uma bebê dentro de casa, eu não conseguiria fazer a mesma quantidade de trabalho que antes.”
O recorte de raça é outro dado importante da pesquisa da Think Olga: mulheres negras periféricas e de baixa renda são as mais afetadas pelo cansaço extremo, num cenário de renda muito baixa e endividamento — situação que também abala o emocional. Na pesquisa, 28% das mulheres se declaram como única ou principal provedora de seu lar, caso de Veronica.
“Foi também um processo de me entender e de entender até onde eu poderia ir, o que é muito difícil, porque, como mãe solo, eu não poderia abrir mão de trabalhar para cuidar só de uma recém-nascida”, pontua.
Rede de apoio
Depois de identificada a síndrome, é preciso buscar apoio e compartilhar responsabilidades, com familiares, amigos ou profissionais. Por isso, ter uma rede de apoio é fundamental para aliviar a sobrecarga. Hoje Veronica conta com o apoio de uma pessoa para ajudar na limpeza da casa uma vez por semana e com uma babá para quando precisa trabalhar fora do horário escolar ou nos fins de semana. Ela tem três filhos, uma jovem de 22 anos, um adolescente de 15, e Olívia, com dois anos.
“Até hoje, com a Olívia maior e indo para a escola, me pego atrapalhada por esquecer de uma reunião ou de algumas demandas do meu filho do meio, que está no espectro autista e tem seus cursos e terapias”, diz a comunicadora, autora do livro Minha vida passada a limpo e criadora do perfil Faxina Boa. “Continuo me sentindo um pouco perdida ainda por conta da sobrecarga, mas tento hoje não me culpar tanto quanto antes.”
Outro ponto essencial para sair do burnout materno é priorizar o autocuidado: reservar um tempo diário para cuidar de si mesma, fazendo atividades que lhe tragam prazer e relaxamento, como praticar exercícios físicos, ver uma série ou ler um livro.
Por último, é fundamental estabelecer limites no trabalho e aprender a dizer não quando necessário. O que ficou ainda mais difícil durante a pandemia, quando as mulheres representaram 67% dos novos casos de transtorno depressivo e 68% dos novos casos de transtorno de ansiedade, de acordo com um estudo publicado na revista Lancet.
“Na pandemia, mães e pais, principalmente mães, misturaram o profissional e o pessoal, fazendo tudo no mesmo lugar e ao mesmo tempo”, destaca Nana, da Think Olga. “Sem um limite claro, a vida vira uma jornada contínua. E o pratinho que cai é o do cuidado consigo mesma.”
Nana lembra que também nos foi vendido por muito tempo o mito da “supermulher”, que poderia ser tudo, bastava querer e se planejar.
“É preciso destacar ainda o quanto tudo isso influencia no cuidado das crianças. Eu sou a pior mãe do mundo quando estou exausta, fico sem paciência e não consigo dar o acolhimento que as crianças precisam. E a sociedade tenta culpar a mãe dizendo que é um problema dela, que não se organizou. O que não é verdade: vivemos opressões sistemáticas e sociais que não permitem que possamos dar conta de tudo.”
Estante Quindim
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