O polvo Maurício acabou de chegar a uma nova escola no fundo do mar e não parece ser exatamente igual a seus colegas que gostam de se destacar na sala de aula, na hora do recreio ou durante as brincadeiras. Maurício é tímido e prefere não ser visto. Ele é personagem principal do livro Tímidos, de Simona Ciraolo, enviado pelo Clube Quindim aos seus assinantes, que aborda um tema que frequentemente é motivo de preocupação para os pais durante a infância: a timidez.
Mas o que é timidez e o que é introversão? Ser uma criança tímida ou introvertida representa um problema? Primeiro, é preciso esclarecer uma confusão bem comum: muitas vezes usados como sinônimos, timidez e introversão não são a mesma coisa.
Marcela Bueno, psicóloga com especialização em neuropsicologia e terapia cognitivo-comportamental, explica que enquanto a pessoa introvertida gosta de ficar sozinha e se sente confortável com poucas pessoas, a tímida luta contra esses sentimentos. Ou seja, ela não está nem um pouco confortável com isso.
“A introversão é um jeito de ser. A criança introvertida tem essas preferências. Ela prefere não falar sobre ela ou dar sua opinião sobre fatos alheios, por exemplo. Mas ela se sente bem assim. Já a criança tímida não: ela se sente desconfortável por estar em um ambiente social, por medo de julgamentos ou baixa autoestima“, explica. “Muita gente não sabe que existe essa diferença, uma pessoa pode ser introvertida e tímida ao mesmo tempo, mas não necessariamente.”
No senso comum, a palavra timidez é usada para definir muitas situações bem diferentes — do sentimento comum de vergonha que todos têm diante de uma situação nova, ao transtorno de ansiedade social, um diagnóstico de saúde mental que precisa ser tratado com seriedade. Mas a timidez na infância, segundo Bueno, é relativamente comum, já que as crianças estão constantemente diante de situações novas e desconhecidas.
“É natural e faz parte da infância, um período de muitas descobertas, de muitos espaços desconhecidos. Isso gera medo, que tende a se diluir quanto mais elas convivem com outras crianças, em um ambiente acolhedor. Ou seja, quanto mais a criança se sente confortável naquele grupo, mais é esperado que a timidez vá passando. Se tudo fluir numa certa normalidade, a timidez tende a desaparecer logo”, aponta.
O problema é quando alimentamos esse medo: a timidez vai se acentuando e passa a ser mais difícil de sanar.
“A timidez tende a ser um problema quando a criança deixa de fazer coisas que gosta de fazer, que fazem parte de seu cotidiano, por medo excessivo da rejeição. Aí pode se transformar numa fobia ou mesmo numa patologia. Se ela se recusa a ir para a escola por timidez, por exemplo, a timidez passou a ser um problema. Ela impacta quando paralisa a criança a ponto de impedi-la de fazer coisas que ela gosta ou que são necessárias para seu bem-estar.”
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A Pandemia agravou A timidez
Com a pandemia da Covid-19, que durou quase dois anos, as escolas fecharam e tiveram de se adaptar ao ensino à distância. Para além das consequências no aprendizado dos alunos, o desenvolvimento pessoal e as relações interpessoais também foram impactadas pelo isolamento social forçado. E essa falta de convivência diária com outras crianças e adultos acentuou e agravou a timidez entre crianças.
A quebra de relações sociais por tanto tempo, explica a psicóloga, fez que a volta ao dia a dia normal, de antes da pandemia, fosse mais difícil para os pequenos, que precisaram abrir mão de estar com o outro por tempo demais — bem mais que os adultos. Por isso, diz Bueno, é esperado que as crianças que nasceram pouco antes ou durante a pandemia tenham uma dificuldade maior para socializar.
Essa timidez causada pelo isolamento social das crianças também pode ser fator de risco para o desenvolvimento do transtorno de ansiedade social, a chamada fobia social, que aumentou no período pós pandêmico. Pais e educadores devem estar alertas a sinais como dificuldades para se relacionar com os colegas na escola e a necessidade constante da presença de um adulto para interagir com outras crianças.
Valorização da extroversão
Já a introversão não é problemática em nenhum nível. Ela se refere a crianças que tendem a gostar da própria companhia, a preferir fazer atividades sozinhas, mas que, quando querem e quando precisam, são sociáveis. O medo não as impede de nada. A criança introvertida só age diferente do que a maioria espera dela.
Como a maioria das pessoas não compreende a introversão nem a vê como uma característica, e sim como um problema, tendemos a valorizar mais a extroversão. Em uma sociedade ocidental, como a brasileira, é comum que aqueles que gostam de festas, de socializar, ou mesmo de conversar com estranhos na rua, que valorizam o famoso “olho no olho”, sejam vistos como pessoas mais bem-sucedidas.
Os filmes estadunidenses, que sempre trazem a figura do rei do baile ou da líder de torcida como os mais populares, ajudaram ainda mais a reforçar esse estereótipo no Brasil.
“A cultura americana é muito arraigada por aqui, então o extrovertido é visto como popular, o que tem poder, o que consegue tudo”, diz Marcela Bueno, que também é coautora do livro Ohana: a maternidade ecoa. “A criança extrovertida no Ocidente é vista como aquela que fala melhor, que participa mais, que se expõe. Ou seja, aquela que está sempre rindo, de bom humor, e por isso é mais fácil de conviver.”
Mas assim como qualquer característica, ser extrovertido tem também suas desvantagens, aponta ela. “O extrovertido pode se cansar muito. É uma criança que não para quieta, o silêncio ao redor lhe perturba.”
No Oriente, ao contrário, o introvertido tende a ter suas características mais valorizadas: o contato “olho no olho” que tanto valorizamos por aqui pode ser até considerado como um insulto, e o próprio contato físico é visto de maneira diferente em países como o Japão ou a China.
“Lá, crianças introvertidas sentem menos essa diferença, porque faz parte da própria cultura oriental ser mais centrado, cada um na sua”, explica Bueno.
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O papel dos pais
E o que fazer quando a timidez em excesso atrapalha de fato o dia a dia de seu filho? Primeiro, acolher aquele sentimento, sem forçar a criança a agir de uma maneira que a deixe desconfortável, criticar seu comportamento ou mesmo rotulá-la.
“Não diga que ela é tímida, porque isso só piora a situação, não contribui em nada”, afirma. “O professor também deve estar atento para não dar rótulos na frente da criança. Em vez disso, é preciso explicar para ela que existem situações de timidez, que são naturais, e ao mesmo tempo estimulá-la a conversar. O mais importante é deixar que a própria criança fale o que está sentindo, sem julgamentos.“
Além do rótulo, outro erro comum de pais e professores é a superproteção. Muitos pais e mães tendem a tentar proteger demais os filhos que consideram tímidos, achando que vão ajudá-los, mas o resultado acaba sendo o reverso: a criança tende a se fechar ainda mais, entrando em um círculo vicioso.
No lugar da proteção excessiva, Marcela Bueno sugere que os pais estejam ao lado dos filhos, incentivando seu comportamento, aos poucos, sem exposição.
“Vale guiá-la aos poucos, introduzindo sua presença em grupos em que ela não se sente confortável. É uma forma de fazer que ela se sinta cômoda, mas devagar”, conclui.
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