Neste artigo, Eliane Debus fala sobre a importância do protagonismo negro nos livros infantisPara que crianças e jovens não convivam somente com uma representação eurocêntrica de personagens.

Cara(o) leitor(a) convido-a(o)  para ir até a estante que abriga os seus livros, não apenas presencial, mas também a de memória, aquela memória leitora que nos atravessa vida afora. E então folhear as páginas, recolher as palavras e averiguar se as personagens negras lhe foram apresentadas. Caso no tecido da memória tenha encontrado o fio em alinhavo que lhe trouxe a imagem das personagens, peço, então, que minuciosamente desfie-o. E, por fim, a observe como foram apresentadas. Essas personagens atuavam na ação como protagonistas ou mera coadjuvantes?

Quando executei pela primeira vez esse exercício de rememorar me veio “as negras de estimação” de José Lins do Rego (Vó Totonha) e, além disso, Monteiro Lobato (Tia Nastácia). Sabedoras das narrativas populares, mas desqualificadas por esses mesmos saberes, se retomarmos Histórias de Tia Nastácia. Mulheres negras na sua condição de subalternidade bem como mulheres negras embranquecidas como a Escrava Isaura. Às imagens da infância, das duas primeiras soma-se o Saci e o Negrinho do Pastoreio, o pequeno André escravizado.

À minha geração, que viveu as primeiras leituras no início da década de 1970, coube então um acervo de livros monocórdios. E também de ilustrações pouco coloridas e, além disso, com personagens de matriz eurocêntrica. Estaríamos ainda a mercê de uma literatura que não tematiza a cultura africana e afro-brasileira? As personagens negras ainda ocupam papel menor nos enredos ou já encontramos protagonismo negro nos livros infantis? De que cor é a cor da literatura brasileira para infância?

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Protagonismo negro nos livros infantis contemporâneos

Podemos afirmar que a produção literária para infância, que circula no mercado editorial contemporâneo, tem enegrecido nos últimos anos. Em particular a partir da  aprovação Lei 10.639 (2003), da elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira (2004). E de outros documentos de implementação da lei que se acresceram nos últimos quatorze anos. Colaborando, assim, para a constituição de um acervo pluriétnico.

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Nesse período demarcado aqui pelo ano de 2003, vimos um aumento significativo do mercado editorial brasileiro “a partir da necessidade de livros que tematizem e problematizem as relações étnico-raciais, por meio da representação de personagens negras como protagonistas e narrativas que focalizem o continente africano como múltiplo; desfazendo ideias enraizadas como aquelas que trazem as personagens negras em papéis de submissão e/ou retratando o período escravista, bem como a representação do continente africano pelo viés do exótico” (DEBUS, 2017, p. 37).

Embora a produção tenha se ampliado em quantidade isso não garante qualidade. Bem como não se pode acreditar que a representação de personagens negras, por si só, qualifica a narrativa. E que ela não traga uma representação de subserviência, ilustrações estereotipadas, e palavras racistas.

A representação de personagens negras, para além da identificação e colaboração da autoestima da criança negra, deve contribuir para que possamos ver o outro, e não o mesmo de sempre, para que a criança não negra também (re)conheça a cultura africana e afro-brasileira e o seu papel na formação da sociedade brasileira.

Para isso, se faz necessário ampliar o repertório leitor, para que nossas crianças e jovens não convivam somente com uma a representação eurocêntrica de personagens. Convido aqueles que nas relações afetivas do lar (pais, mães, tias/tios, avôs/avós entre outros) e nas relações efetivas institucionais (professores, bibliotecários, entre outros) também ampliem seus repertórios com livros literários que problematizem reflexões sobre práticas antirracistas para o universo da infância.

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Referência

DEBUS, Eliane. A temática da cultura africana e afro-brasileira na literatura para crianças e jovens. São Paulo: Cortez, 2017.

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