Quem foi criança no Brasil a partir da década de 1970 provavelmente cresceu cercado pelas histórias de Mônica, Magali, Cascão, Cebolinha e cia.
As histórias da Turma da Mônica ganharam vida pela primeira vez na Folha da Manhã, atual Folha de S.Paulo, em 1959, no formato de tirinhas e tinham como personagens principais o Bidu, um simpático cão azul, e o Franjinha, um menino superinteligente. Elas continuaram como tirinhas na década seguinte, quando surgiram dois novos personagens que se tornariam os protagonistas: Mônica e Cebolinha.
Nos anos 70, as tirinhas foram transformadas em histórias para revista, formato que consagrou seu autor, Maurício de Sousa. Juntaram-se, então, à Turma da Mônica outras famílias de personagens criados pelo cartunista, como a Turma do Chico Bento e a Turma da Tina, entre outros. Na década de 80, Cascão, Chico Bento e Magali também alçaram voo solo e ganharam suas próprias revistinhas.
A essa altura, com tamanha produção, é fácil imaginar que o Maurício de Sousa não trabalhava sozinho. Uma equipe de roteiristas, desenhistas e coloristas atuava para dar vida aos personagens que já faziam parte do dia a dia das crianças brasileiras. A turma do Limoeiro saiu dos gibis com o licenciamento de uma infinidade de produtos, de xampus e cremes a fraldas, passando por material escolar, brinquedos, alimentos, filmes, shows e até um parque de diversão.
O formato das histórias em quadrinhos
A Turma da Mônica conquistou espaço em um mercado até então dominado por gibis de origem norte-americana, em que um dos destaques eram as histórias do Tio Patinhas. Maurício de Sousa teve o grande mérito de criar personagens brasileiros e desenvolver narrativas baseadas na vida cotidiana, com um humor que tem, entre suas características, a repetição e o nonsense (algo sem sentido ou sem lógica).
O formato de história em quadrinhos, chamado de HQ, é um gênero híbrido que utiliza textos verbais (palavras) e não verbais (imagens). As da Turma da Mônica, por serem construídas com ideias simples e frases curtas, podem ser grandes aliadas das crianças, em especial daquelas em fase de alfabetização. As sucessões de quadrinhos, com diálogos diretos e que exploram nos desenhos as expressões dos personagens, fazem que a leitura ocorra mesmo quando nem todas as palavras são de domínio do leitor.
Há ainda histórias contadas só por meio dos desenhos, em que os balões de diálogos não aparecem ou estão vazios, incentivando a criança – ou o leitor de qualquer idade – a fazer a leitura das imagens, a imaginar e a interpretar o que está acontecendo. Ler imagens também é um jeito de apreender o mundo.
As histórias da Turma também se conectam com as crianças por retratar situações do cotidiano, como a ida à escola ou ao médico e a convivência com os amigos e com a família. E trazem, por fim, personagens capazes de conquistar os leitores e fazer que eles queiram ler mais. Tem forma mais deliciosa para engrenar na leitura do que se deixar conquistar pelos personagens?
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Diversidade e inclusão nos gibis da Turma da Mônica
Para além do formato, outro aspecto interessante das histórias da Turma da Mônica é a preocupação com a diversidade e a inclusão em suas mais variadas facetas. Em entrevistas, Maurício de Sousa costuma dizer que é importante que as histórias reverberem a realidade e que as crianças se sintam representadas.
O cartunista desenvolveu personagens pretos (Jeremias e Milena) e um indígena (Papa-Capim), além de criar uma turma caipira (Turma do Chico Bento, com Chico Bento, Rosinha e cia). Importante observar que eles entraram em um universo até então dominado por personagens brancos e moradores do bairro do Limoeiro, pertencente a uma cidade.
Também há um olhar atento para as crianças com Down (Tati), limitações físicas (Luca e Hamyr), distrofia muscular (Edu), nanismo (Bernardo), autistas (André), cegas (Dorinha) e surdas (Humberto). Para dar aos personagens características próximas ao real, a equipe da Maurício de Sousa Produções se aproxima de instituições que trabalham com as causas para compreender o contexto, a linguagem e retratá-las de maneira fiel.
Ao misturar esses personagens com a Turma, Maurício mostra, para crianças e também para os adultos, uma forma de convivência amorosa e de empatia. Essencial no mundo de hoje, não é?
A importância das histórias da Turma da Mônica para a literatura brasileira
Que as histórias em quadrinho da Turma da Mônica exercem um papel fundamental na cultura brasileira ninguém discute. Em 2008, a pedido do Instituto Pró-Livro, o então Ibope realizou uma pesquisa para descobrir quais eram os escritores mais admirado pelos brasileiros. Maurício de Sousa ficou em 10º lugar, atrás apenas de Machado de Assis, Vinícius de Moraes, Jorge Amado e Paulo Coelho, entre outros.
A importância de Maurício é tamanha que, em abril deste ano, ele disputou uma vaga para a Academia Brasileira de Letras (ABL). Em uma carta direcionada aos imortais – como são chamados os membros da Academia –, Maurício defendeu sua candidatura argumentando que seus personagens ajudaram a despertar o interesse de várias gerações de brasileiros pela literatura.
O pai da Turma da Mônica acabou perdendo a disputa para o filólogo e linguista Ricardo Cavaliere. Se ganhasse, Maurício seria o primeiro cartunista a ocupar uma cadeira na ABL – ele já integra a Academia Paulista de Letras (APL), onde ocupa a cadeira 24 desde 2011.
A disputa de Maurício por uma vaga na Academia Brasileira de Letras estampou sites, jornais e revistas e trouxe à tona a discussão sobre HQs e literatura. Afinal, histórias em quadrinhos são literatura?
Há o bloco dos que defendem que sim, dos que argumentam que não e também daqueles que sustentam que depende de qual HQ estamos falando. Afinal, um texto literário é uma manifestação artística que utiliza as palavras para construir histórias e expressar ideias e emoções, com uma dimensão subjetiva.
Parte dos especialistas dizem que os quadrinhos não são literatura, mas podem contê-la. Pense, por exemplo, nas adaptações das histórias de Machado de Assis e Guimarães Rosa para a linguagem da HQ. Outros também apontam que essas histórias se utilizam da literatura, assim como das artes plásticas e do cinema. Elas não são capazes de representar o movimento, como na linguagem cinematográfica, mas conseguem sugeri-lo, com as sucessivas cenas.
Para além das discussões sobre se histórias em quadrinho são ou não literatura, é inegável que a Turma da Mônica colocou a HQ brasileira em um outro patamar e que vem abrindo, nos últimos 60 anos, as portas para o encantamento da leitura para crianças e jovens de todo o país.
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